MISSÃO
(Interpretação do autor)
- Dos holandeses
- romper o cerco em que se encontravam no Recife;
- fazer crer aos patriotas, através de uma finta, que seriam atacados no Arraial;
- marchar em direção ao sul e apossar-se do Cabo e adjacências, a fim de conquistar bases de abastecimentos próximas, além de cortar os suprimentos e apoio aos patriotas vindos por terra e água da Bahia;
- bater por partes os patriotas em seus redutos, estâncias e Arraial Novo do Bom Jesus, submetendo-os à obediência do Conselho Holandês do Recife, ao final;
- ficar em condições de prosseguir, via terrestre, para operar na Bahia.
- Dos luso-brasileiros
- manter os holandeses cercados no Recife;
- aguardar com o Grosso, no Arraial Novo de Bom Jesus, a definição de direção de atuação do inimigo, em caso do rompimento de cerco;
- retardar o inimigo na direção de atuação por ele escolhida, com base nos destacamentos dos redutos e estâncias aí existentes;
- procurar travar uma batalha decisiva o mais distante possível do Recife, tirando o máximo partido do terreno e da surpresa, a fim de destruir o poder de combate do inimigo;
- defender o Arraial Novo contra uma ação diversionária inimiga;
- ficar em condições, após a batalha, de restabelecer o cerco do Recife e reconquistar Olinda.
- Valor militar desta decisão luso-brasileira
Ao decidirem pela batalha decisiva, os luso-brasileiros evitavam ser batidos por partes.
Esta idéia precursora, por si só, recomenda que as batalhas dos Guararapes figurem na História Militar da Humanidade e sejam estudadas pelos historiadores militares junto com as grandes batalhas da História Militar Mundial da época em que tiveram lugar.
Os historiadores militares precisam descobrir o Brasil!
A primeira batalha, como veremos, constitui-se numa verdadeira sinfonia militar, resultante da judiciosa aplicação dos princípios de guerra, fazendo inveja aos grandes capitães da História Militar da Humanidade. Junto com a manobra de flanco do Piquiceri, constituem-se as batalhas dos Guararapes nas mais belas jóias da História Militar Terrestre do Brasil.
Elas trazem em seu bojo, precursoramente, a estratégia da guerra total, cuja transição da guerra limitada, vigente na época da 1ª Batalha, teria lugar na batalha de Valmy, em 20 de setembro de 1792, na guerra entre Prússia e França.
Nesta batalha, patriotas franceses enfrentaram e venceram profissionais do mais famoso exército da Europa.
O Marechal Foch comentaria, anos após, o significado da luta de 20 de setembro de 1792 entre patriotas franceses e profissionais prussianos:
"As guerras de reis chegavam a seu fim e tinham início as guerras dos povos."
Gôethe, que assistira à batalha de Valmy, voltou-se para um grupo de prussianos e comentou:
"Neste lugar e a partir desta data, tem início uma nova era da história universal, e todos aqui em Valmy poderão dizer que assistiram a seu advento."
A 1ª Batalha dos Guararapes, que teve lugar 144 anos antes de Valmy, traz em seu bojo, como nos referimos, as idéias de guerra total e de guerras de povos contra guerras de reis, enunciadas pelo marechal Foch.
Nas batalhas dos Guararapes, vamos constatar, de parte dos patriotas luso-brasileiros, a observância do princípio da Unidade de Comando, definido por Napoleão, por volta de 1800, como a "necessidade primeira da guerra".
Para Napoleão, este princípio consistia na reunião de todas as forças disponíveis, no Teatro de Operações, sob as ordens de um único general.
"A tendência de um governo fraco é dispersar suas forças para cobrir todos os pontos vitais."
A observância rigorosa deste princípio por Napoleão, ao conduzir a guerra, enfeixando nas suas mãos o poder militar e político, foi a maior responsável por muitas grandes vitórias.
Os patriotas luso-brasileiros, precursoramente, e século e meio antes, observaram rigidamente e, por intuição, este princípio nos conselhos de guerra do Arraial Novo, ao reunirem todo o efetivo disponível e poder militar e político nas mãos do Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes e ao saírem à campanha para procurar uma batalha decisiva com o inimigo, dentro da estratégia direta.
Os holandeses foram derrotados pela surpresa decorrente da adoção desta estratégia pelos luso-brasileiros, a qual não figurava em seus tratados militares.
Eles esperavam, dentro do conhecimento militar vigente, que os luso-brasileiros se dispersassem pelos diversos redutos e estâncias, onde seriam batidos por partes, reduto após reduto, estância após estância.
Os bravos patriotas, um século e meio antes, aplicariam, nas memoráveis batalhas dos Guararapes, os principios de guerra definidos mais tarde por um dos maiores pensadores militares de todos os tempo, Karl Von Clausewitz (1780-1831), alemão que lutava em lado oposto a Napoleão.
Para Clausewitz, era impositivo que fosse buscada a batalha decisiva com o inimigo.
O sucesso na guerra para este grande pensador militar baseava-se no seguinte: fixar o objetivo da batalha.
Princípios Básicos: concentrar-se tanto quanto possível; agir o mais rápido possível.
Princípios Gerais: vencer e destruir as forças armadas do inimigo; apossar-se dos meios materiais de agressão; conquistar a opinião pública.
Princípios Complementares: empregar todas as forças disponíveis com a mínima energia; concentrar a força onde será lançado o golpe decisivo; não perder tempo; explorar o sucesso obtido.
Como o leitor interessado poderá observar, com justificada vibração cívica, os patriotas da Restauração de Pernambuco, 150 anos antes, aplicaram precursoramente e, com maestria, princípios de conduta da guerra que seriam aplicados e definidos por Napoleão, um dos maiores generais de todos os tempos, e codificados através de princípios pelo grande pensador militar Karl Von Clausewitz.
As regras e os princípios definidos, respectivamente, por Napoleão e Clausewitz são sintetizados, hoje, na forma de princípios de guerra.
E estes princípios, constantes e imutáveis, sob os quais serão analisadas as duas batalhas, foram assim sintetizados em "A Conduta da Guerra", de J. F. C. Fuller, grande filósofo militar moderno:
Manutenção do Objetivo, Segurança na Ação, Mobilidade na Ação, Emprego do Poder Ofensivo, Economia de Forças, Concentração de Forças e Surpresa.
A rigorosa observância de todos estes princípios e sua hábil aplicação à determinada situação militar constituem meio caminho andado para a vitória.
No Brasil, estes princípios traduzem-se da forma seguinte:
Objetivo, Segurança, Manobra, Ofensiva, Economia de Forças, Massa, Surpresa, e mais o de Unidade de Comando, não incluído por J. F. C. Fuller, e definido por Napoleão como "A Necessidade Primeira da Guerra" e o da Simplicidade.
Concluindo:
- As batalhas da Restauração Pernambucana foram manifestações precursoras da idéia de guerra total, surgida meio século após Valmy, em substituição à guerra limitada, batalha essa definida pelo marechal Foch como a da substituição da guerra de reis pela guerra de povos.
- Na Insurreição Pernambucana, desde a batalha de Monte das Tabocas, adota-se, 150 anos antes, a idéia estratégica de batalha decisiva, praticada de forma intensa por Napoleão, e definida por Clausewitz conforme nos referimos anteriormente.
- As idéias precursoras de guerra total, batalha decisiva, adotadas, intuitivamente, em Pernambuco, pelos patriotas luso-brasileiros, trazendo em seu bojo a judiciosa aplicação dos princípios de guerra, consagrados pelo pensamento militar moderno, são as grandes responsáveis pelos brilhantes feitos darmas dos Guararapes.
- A estas idéias se opuseram mercenários holandeses com as idéias vigentes de até então, de guerra limitada e estratégia de batalha de desgaste, indireta, somente abandonada, historicamente, em Valmy, em 20 de setembro de 1792.
- E atento a estas considerações, pedimos que o leitor interessado nos acompanhe no estudo a seguir e sinta justificado orgulho cívico dos feitos memoráveis de nossos antepassados luso-brasileiros nas duas batalhas dos Guararapes.