FORÇAS EM PRESENÇA NA 1ª BATALHA

 

holandesas

fonte

4.500 homens

Obra Netscher e Watjen

6.300 homens

Relatório Barreto de Menezes

7.400 homens

Obra de Lopes Santiago

8.300 homens

Obra de Ericeira

4.500 homens

Efemérides, Barão de Rio Branco

4.500 homens

Obra de Souza Júnior

7.100 homens

Carta de J. Nunes Canha (J.A.G. Mello).

 Prefiro adotar o dado de 6.300 homens, baseado no relatório de Barreto de Menezes.

Isto se deve, porque 4.500 homens representavam o corpo de batalha dos holandeses (9 Regimentos x 500 homens = 4.500 homens), formando uma brigada mais um regimento, segundo ao que parece, a organização holandesa no Brasil.

A este enorme efetivo, somam-se 300 índios tapuias combatentes, artilharia, alguns marinheiros e muitos índios encarregados do transporte da enorme tralha logística holandesa, com suprimentos para 8 dias de campanha (Varnhagen), justificando a expressão de Lopes Santiago: "Os holandeses saíram do Recife como de casa mudada".

Lopes Santiago baseou sua informação em mapa da força dos holandeses, encontrado no bolso do Cel Van Elst, que fora feito prisioneiro após ter sido ferido.

"9 esquadrões (regimentos) com 7.500 soldados, afora setecentos carregadores, índios e tapuias em grande número".

Segundo o mesmo cronista, o exército inimigo era composto em grande parte de mercenários de todas as nacionalidades (franceses, alemães, polacos, húngaros, ingleses e de outras nações da parte do norte da Europa) e o resto holandês. Todos possuíam experiência de combate, adquirida nas guerras de Flandres, Alemanha e outras províncias, e na Guerra de Trinta Anos.

 

luso brasileiros

FONTE
3.000 homens Relatório Von SCHKOPPE
2.200 homens Relatório Barreto de Menezes
2.200 homens Relatório Bandeira de Mello
2.200 homens Vidal de Negreiros
2.200 homens Efemérides, Barão do Rio Branco
2.200 homens Obra de Varnhagen
2.200 homens Obra de Souza Júnior
2.400 homens Netscher e Watjen

 

Conclusão: 2.200 homens.

 

 

ANÁLISE DAS FORÇAS BELIGERANTES

 Luso-brasileiras

a) Organização

Organizavam-se em terços, grande unidade de combate à base de infantaria.

Cada terço enquadrava vários troços

Cada troço possuía um efetivo em torno de 100 homens e era comandado por um capitão

Um terço possuía de 300 a 1.200 homens e era comandado por um Mestre de Campo (equivalente a coronel).

Segundo relatório de Manuel de Queiroz Siqueira, publicado em João Fernandes Vieira, vol. II, de J.A.G. de Mello, as forças que combateram na 1ª Batalha possuíam aproximadamente a seguinte organização:

Infantaria de Pernambuco:

24 companhias de Fernandes Vieira 720 homens

5 companhias da Paraíba . 160 homens

6 companhias de Igaraçu e Goiana 180 homens

Índios do Capitão-Mor Camarão . 350 homens

Pretos do Governador Henrique Dias 300 homens

3 companhias de mulatos . 80 homens

Total parcial . 1.790 homens

 

Infantaria da Bahia:

16 companhias 700 homens

Total parcial . 2.490 homens

 

 

Os homens da Bahia eram comandados, presumivelmente, por Vidal de Negreiros.

O relatório Queiroz Siqueira é anterior à 1ª Batalha, e as forças nele citadas, com pequenas alterações, foram as que dela participaram.

O troço, em razão da longa guerra de emboscadas, desenvolveu grande capacidade de combater isolado.

Esta organização seguia orientação geral lusa, mas com marcada influência brasileira, resultado de 18 anos de luta. Era a Guerra "Brasílica".

 

b) Armamento

Em decorrência do bloqueio marítimo a que estavam sujeitos e mesmo a falta de apoio de Portugal, em razão de bloqueio, seu armamento de fogo era pouco e variável, obtido principalmente dos holandeses nas batalhas anteriores: Monte das Tabocas, Casa Forte e diversas emboscadas.

Complementarmente utilizavam bordões, chuços, paus tostados utilizados à guisa de chuços e, fundamentalmente, a espada, na qual baseavam seu poder de choque e vindo a constituir-se na maior responsável pelas numerosas baixas holandesas nas duas batalhas, não só no embate inicial como, principalmente, no aproveitamento do êxito e perseguição.

Após a primeira descarga de mosquetes dos holandeses, os luso-brasileiros, tirando partido da dificuldade de remuniciamento e estreitamento da frente de combate do inimigo, carregavam à espada com todo o ímpeto ofensivo.

Em diversas atuações contra os holandeses, haviam se apossado de apreciável artilharia.

Esta artilharia era usada principalmente em seus redutos fortificados e, presumivelmente, a carregaram em campanha na 1ª Batalha, em número de 7 peças tracionadas a boi (Relatório Queiroz Siqueira — já citado).

Em Apêndice constam considerações sobre a artilharia.

A cavalaria foi presente em pequeno número na 1ª Batalha; sabe-se que Fernandes Vieira lutou a cavalo.

Comandou a fração de cavalaria o Capitão Antônio Silva.

 

c) Instrução

Foi desenvolvida em alto grau e durante o longo período de 18 anos de ocupação holandesa a técnica de ataque de emboscada.

Neste tipo de ataque, era fundamental a surpresa, a velocidade, a iniciativa, a coragem, o aproveitamento judicioso do terreno e o corpo a corpo à espada.

Sabe-se que o Sargento-Mor Antônio Dias Cardoso, quando foi enviado secretamente a Pernambuco para organizar o Exército Restaurador, "Celula mater" do Exército Brasileiro, treinou durante seis meses os civis luso-brasileiros.

O resultado deste treinamento foi a maiúscula vitória que obteve no Monte das Tabocas.

Com a chegada da esquadra holandesa de socorro, os luso-brasileiros organizaram áreas de treinamento ao sul do rio Jaboatão (Forte Nazareth, Cabo e Muribeca), então área de retaguarda dos patriotas.

 

d) Logística

Em razão do bloqueio marítimo, abandono das atividades agrícolas para fazer a guerra e dificuldades de apoio logístico proveniente da Bahia, os patriotas conheceram sérias aperturas logísticas.

Durante muito tempo, a ração diária de um soldado patriota constituiu-se de uma espiga de milho, ou de uma pequena ração de farinha de mandioca.

Para compensar esta crise de alimentos, eram freqüentemente enviadas expedições logísticas à Paraíba, ao Rio Grande do Norte, à Bahia e ao norte e sul de Pernambuco, com a finalidade de obtenção de alimentos da população que apoiava o Exército Restaurador.

Neste tipo de operação, destaca-se a figura do "Abastecedor do Arraial", Dias Cardoso, ao partir, com freqüência e em longas viagens, a mando do Mestre de Campo General Barreto de Menezes, com a missão de comprar, ou apoderar-se de suprimentos holandeses, destruindo o que não pudesse transportar. (Restauradores de Pernambuco, J.A.G. de Mello).

Os patriotas suportavam estoicamente as privações alimentares.

Constituía para eles grande humilhação o fato de serem obrigados a andar descalços.

Esta situação era compatível somente para escravos e índios, e o uso de calçados servia como indicador do status social do homem de então.

Para anular o efeito desta humilhação, a oficialidade democraticamente, e como exemplo, joga fora calçados e passa a andar descalça.

Isto solucionou o problema sociológico.

Do Relatório Queiroz Siqueira citado, conclui-se que a população de Pernambuco fornecia aos soldados de Pernambuco e Bahia 5000 rações diárias. Da mesma fonte, evidencia-se a "falta de carne para os patriotas, os quais haviam abatido todo o rebanho, poupando somente os bois destinados a tracionar artilharia, bem como falta de roupas e espadas, pólvora e balas.

As peças de artilharia eram em número de 7, e destinadas a qualquer ação, e dos seguintes calibres: 3 de 24", uma de 20" e três de 12".

 

e) Moral (ânimo para a luta)

O moral para luta era elevadíssimo, por tratar-se de patriotas defendendo o que eles julgavam pátria, a despeito da trégua concertada entre Portugal e Holanda e, em defesa do catolicismo, contra o calvinismo.

Os exemplos a seguir servem para ilustrar o alevantado moral destes bravos, duplamente rebeldes patriotas do Brasil.

Do Coronel Waerdenburch (holandês), em documento oficial:

"É difícil submeter pela força um povo constituído de soldados vivos e impetuosos, aos quais nada mais falta que boa direção, e que não são de nenhum modo como cordeiros."

Este coronel fez justiça aos soldados, mas subestimou os chefes que iriam dirigi-los, magnificamente, nas Batalhas dos Guararapes.

Resposta dos patriotas luso-brasileiros ao Rei D. João IV de Portugal, ordenando-lhes que cessassem a reação, em cumprimento ao tratado de trégua que assinara com a Holanda e referida anteriormente na obra:

"Não cessaremos a reação até a expulsão do invasor de Pernambuco e, somente após iremos até Vossa Majestade para pagar pelo crime de nossa desobediência."

Esta dupla desobediência era um fator negativíssimo ao moral dos patriotas, mas, mesmo assim, entre dois fogos, eles não esmoreceram.

Fernando Vieira, Vidal de Negreiros, Henrique Dias e Felipe Camarão usaram, como meio de desacreditar as promessas feitas pelos holandeses, vários argumentos:

Lembravam os fatos recentes dos holandeses terem cometido sacrilégios contra as imagens de uma igreja de Igaraçu, onde destruíram as imagens dos santos à espada.

Isto feria profundamente o arraigado sentimento religioso aqui existente e conseguido com a Santa Inquisição, conforme conclui-se das Confissões de Pernambuco, (1594-1595)", 1ª Visitação do Santo Ofício, de José Antônio Gonçalves de Mello.

E argumentavam os bravos restauradores:

"Quem aos divinos faz guerra, que pazes saberá guardar com os humanos?"

Foram lembrados episódios na Paraíba e no Rio Grande do Norte, nos quais alguns patriotas se renderam, sob a palavra do Príncipe de Orange de poupar suas vidas, sendo eles a seguir barbaramente trucidados por índios aliados dos holandeses e por ordem destes.

Não foram esquecidas as muitas violências sexuais levadas a efeito pelos holandeses contra indefesas mulheres luso-brasileiras, roubos e incêndios sistemáticos, vidas imoladas na defesa dos engenhos e fazendas, bem como os inumeráveis templos violados por protestantes calvinistas.

E finalizavam com este argumento:

"Se o inimigo, quando nos tinha submetido, cometeu barbáries de toda a ordem, o que dele poderemos esperar na condição de insurretos?"

Após a chegada da esquadra de socorro, os holandeses, descrentes do poderio e valor dos patriotas locais, promovem grande campanha através de panfletos, visando minar o moral dos restauradores.

Dita campanha foi efetuada pouco tempo antes da 1ª Batalha dos Guararapes e motivou as seguintes reações dos líderes restauradores (Lopes Santiago).

 

De André Vidal de Negreiros:

"Não conhecemos nenhuma inferioridade em relação a quem em breve venceremos".

"Saiam à campanha, onde faz longo tempo os esperamos".

"Estejais certos de que nossa máxima é vencê-los ou morrer."

 

De João Fernandes Vieira:

"Não vos iludais, senhores: o Brasil não foi feito para vós."

 

De Henrique Dias:

"Se vocês possuem armas, é desnecessário o lançamento de panfletos. Os meus soldados pouco entendem deles, e sim, e muito, dos numerosos e grandes mosquetes que possuem, e que manejam com muita presteza e valor, como os senhores a toda hora sentem."

 

De Antônio Felipe Camarão:

"Não necessitamos de papéis, a não ser para o fabrico de cartucho para nossas armas, nas quais os meus soldados acreditam bem mais do que em simples papéis escritos. Saiam já para a campanha, que a descoberto nela os esperamos."

Com esta reação patriótica de parte dos restauradores aos panfletos flamengos, o governo holandês do Recife escreve decepcionado para a Holanda:

"Apesar de suportarem quase diariamente revezes no mar e terem muita necessidade de vestuário, carne etc. e de viverem em contínuo sobressalto, rejeitaram o perdão que se lhes foi oferecido. Nenhum veio ter conosco. Eles persistem obstinadamente em sua rebelião."

Era o alevantado moral dos restauradores resultante da religião e patriotismo, assim definido por D. Augusto Álvaro da Silva, que foi Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil (Revista do Arquivo Público de Pernambuco, 1949).

"Religião e patriotismo são dois conceitos irmãos; duas pulsações correlativas do mesmo coração.

"Conceitos irmãos: aquela traz à mente a montanha das bem-aventuranças, este aponta o altar dos holocaustos; uma promete e garante o céu, o outro redime e santifica a Pátria.

"Dois modos correlativos de pulsar o mesmo coração: aquela é a diástole mais forte da irradiação natural do ser humano, este é a sístole mais concentrada e decisiva da liberdade e da honra de um povo; uma eleva ao infinito ao prêmio da virtude, o outro condiciona ao presente a paz e a felicidade do futuro.

"Sim, senhores, religião e patriotismo são conceitos irmãos, modos diferentes de pulsar o mesmo coração."

O aspecto religioso, católico apostólico romano, foi um preponderante aspecto agregador da unidade de pensamento e de ação dos patriotas.

Este sentimento poderá ser concluído das Confissões do Santo Ofício, em Pernambuco, do fim do século XVI, a que nos referimos.

Além da defesa da pátria diante do invasor, os patriotas defendiam seu Deus e santos ameaçados por protestantes.

A luta no Brasil assumia um aspecto de prolongamento das guerras religiosas da Europa, as quais culminaram com a Guerra de Trinta Anos (1618-1648).

Estes fortes argumentos anularam os efeitos da intensa guerra psicológica empreendida pelos holandeses, antes de deixarem o Recife, para serem batidos na 1ª Batalha dos Guararapes.

O relatório Queiroz Siqueira assim referiu-se ao moral dos patriotas ao Rei, antes de enunciar as dificuldades dos mesmos patriotas:

"O que não falta aos moradores do Brasil é um grande ânimo e valor para imolarem suas vidas a serviço de Deus, de Vossa Majestade e de sua Pátria, ao que estão muito dispostos e resolutos."

 

d) Recrutamento

Chegada a esquadra de socorro inimiga ao Recife, os luso-brasileiros entregam-se céleres à mobilização de recursos humanos, bélicos e demais itens logísticos, para enfrentar do melhor modo o inimigo.

São despachados oficiais luso-brasileiros em todas as direções, para convocar os homens válidos para a guerra.

Por todos os locais eram deixados editais, proclamações, exortando o povo para o esforço de guerra.

Aos fugitivos da lei foi oferecido que se redimissem de suas dívidas para com a sociedade, pegando em armas contra o invasor.

Foi fortificada a linha ao sul do atual rio Jaboatão (que funcionaria como zona de retaguarda dos patriotas).

Atrás desta linha seriam organizadas novas unidades e treinadas com assiduidade.

Estas providências surtiram muito efeito, e os patriotas conseguiram mobilizar, em armas, da ordem de 3.000 homens para operarem na zona de combate da Várzea, subúrbio do atual Recife.

Estas tropas eram integradas por homens de todo o atual Nordeste e, principalmente, de Pernambuco, Bahia e Paraíba.

Para a Bahia foi despachado o Capitão Paulo da Cunha com o objetivo de pedir apoio em armas, munições e outros suprimentos.

Combateriam lado a lado contra o inimigo, além dos luso-brasileiros, italianos, bem como vários holandeses que, rendidos em combate, principalmente no Pontal, haviam aderido à causa dos patriotas.

Entre os holandeses destaca-se Francisco Bra, filho do carcereiro de Barreto de Menezes, que facilitou a fuga deste do Recife e o seguiu à campanha, vindo tornar-se mais tarde, em 1659, Capitão-Mor em Sergipe.

Francisco Bra, após converter-se ao catolicismo, foi batizado e agraciado com o hábito de Cristo.

Atingiu o posto de Sargento-Mor de um terço da Bahia, onde contraiu segundas núpcias com D. Polônia Araújo Góis, viúva sem filhos do Sargento-Mor Rui de Carvalho Pinheiro, com a qual teve numerosa decendência.

Pedro Calmon forneceu a Jordão Emerenciano os seguintes dados: "Francisco Bra, natural de Roterdam, filho de Jacques Bra, da mesma cidade, e de Anna Bra de Nantes. Falecido em 7 novembro de 1662".

Cooperou muito com os patriotas o francês João Voltrin, que vivia entre os holandeses no Recife sitiado.

Em reconhecimento aos serviços prestados à Insurreição de Pernambuco, foi agraciado com o título de cidadão português (3 de dezembro de 1652).

O diploma que lhe conferiu esta honraria menciona o reconhecimento por seu auxílio na fuga do Recife do Mestre de Campo General Francisco Barreto de Menezes e por tê-lo auxiliado em suas vitórias com de informações valiosas.

Disto concluímos que a rede de informações dos luso-brasileiros se estendia no seio das forças holandesas.

 

g) Estratégia

A estratégia luso-brasileira, conforme salientamos anteriormente, era a estratégia direta, pela qual se busca, através duma batalha decisiva, a destruição do inimigo ou de sua vontade de combater.

Esta estratégia seria utilizada em toda a sua plenitude 150 anos após, com Napoleão Bonaparte.

De início, na fase incipiente da Insurreição, por não possuírem poder de combate suficiente, usaram a estratégia indireta ou do desgaste, através da guerra de emboscada (guerra de guerrilhas). Seu objetivo: prolongar a guerra, aumentando despesas da Companhia até sua falência.

 

h) Táticas

Das táticas utilizadas pelos patriotas, depreendemos ser sua origem predominantemente nativa e com pouca influência de Portugal.

Os próprios lusos que combateram ao lado dos brasileiros deixaram-se influenciar por estas táticas nativas, as quais desenvolveram-se e aperfeiçoaram-se de acordo com a realidade brasileira.

"A influência da tática nativa brasileira foi preponderante no sucesso militar da Restauração, e a sua marca é assinalada pelas técnicas de emboscada, cerco e ciladas", segundo refere-se o Major Souza Júnior, em Do Recôncavo aos Guararapes.

Após a 1ª Batalha dos Guararapes, assim escreveu o Conselho Holandês do Recife à Holanda, em 9 de julho de 1648, sobre as táticas dos patriotas:

"Eles (os patriotas) resistem muito bem ao ataque e, logo que descarregam suas espingardas, atiram-se sobre os nossos para se baterem corpo a corpo.

"Sabem também armar emboscadas em lugares e passos apropriados e vantajosos e fazer ataques dentro da mata e em geral produzir muito mal aos nossos.

"Quanto às armas, estão bem munidos, sabem muito bem servir-se delas e, no tocante a suas qualidades físicas, excedem muito em agilidade e disposição nossos melhores soldados.

"Além disto, sabem melhor do que os nossos se submeter às privações, tais como a falta de víveres, enquanto que os nossos soldados têm de carregar sempre os embornais, ou, então, transportar os víveres logo à retaguarda."

Os célebres capitães de emboscada, que trouxeram uma grande contribuição à doutrina militar brasílica, eram cabos de esquadra que mais se distinguiram em valor combativo no serviço ao Rei.

Desenvolveram em alto grau a técnica de emboscadas, passando a causar grande pavor aos holandeses, como hoje causam pavor aos combatentes as minas e armadilhas. (Revista do Arquivo Público ,1849).

É a célebre rusticidade —capacidade de suportar privações — qualidade importante na guerra revolucionária, e arriscaríamos mesmo dizer: a rusticidade é um princípio de guerra revolucionária.

A inobservância deste princípio por parte de exércitos ricos, que tendem para a comodidade excessiva, traz graves reflexos à judiciosa aplicação dos princípios de guerra, da manobra (rapidez, flexibilidade), ofensiva, segurança e surpresa, nos quais reside a maior foça dos exércitos rústicos com moral elevado.

A rusticidade de um exército pobre poderá derrotar a comodidade de um exército grande e rico, quando aliada à terreno contra-indicado para a batalha convencional.

Este tipo de terreno ,no Brasil, atinge mais de dois terços do território.

A tática luso-brasileira—repetimos — era de influência genuinamente brasileira, e a ela tiveram que adaptar-se os lusos.

O exército luso-brasileiro que atuou no Nordeste do Brasil datava de 1624 (Invasão Holandesa da Bahia), enquanto que o luso fora organizado em Portugal, em 1640 ao término do domínio espanhol sobre aquele país, após 60 anos de quase desativado por questões de segurança.

 

Holandesas

a) Organização

A organização do exército holandês baseava-se nos ensinamentos colhidos das vitórias de Gustavo Adolfo, rei da Suécia, durante o período da Guerra de 30 anos (1618-1648).

As tropas eram formadas de regimentos constituídos de batalhões e estes, por sua vez, em companhias.

O Regimento era a unidade tática.

Maurício de Nassau introduziu, no entanto, muitas reformas no Exército, tornando-o poderoso instrumento de emancipação da Holanda e, posteriormente, valioso e eficiente instrumento de expansão de seus territórios de além-mar, ao serviço das companhias de comércio holandesas.

Nassau introduziu o princípio da reiteração de esforços , princípio que se constituía na formação de três escalões de combate:

1º Escalão 2 Batalhões em linha reta, lado a lado, e a 100 passos do segundo.

2º Escalão 4 Batalhões lado a lado, em forma de meia lua. Suas extremidades desbordavam as alas do 1º escalão, assegurando-lhe proteção de flancos.

3º Escalão 2 Batalhões em Reserva, distantes, 400 passos do segundo, e em condições de intervir no combate para decidir a batalha ou, em caso de insucesso, cobrir a retirada.

Esta era a formação típica de uma brigada para o combate.

A defesa e a ofensiva eram conduzidas pelos dois escalões dianteiros, apoiando-se mutuamente.

Os holandeses, aqui no Brasil, ao que parece, deram o nome de regimentos aos batalhões da reforma de Nassau e adaptaram um pouco a tática às condições locais.

Os holandeses apresentaram-se na 1ª Batalha com 9 regimentos (1 brigada mais um regimento). 9 x 500 = 4.500 homens de combate, afora um contingente de 1.800 homens, composto de 500 marinheiros, 700 tapuias e uns 400 ou mais índios, encarregados, em sua maioria, do transporte logístico para todo o exército.

Esta formação era excelente para o combate nas planícies européias, mas não se prestava para fazer frente aos patriotas do Brasil. Estes procuravam a batalha em locais confinados que não permitiam a tomada desta formação clássica, por exigir amplo espaço para manobra.

Em marcha, o dispositivo de uma brigada era o seguinte: Vanguarda: 2 batalhões; Corpo de Batalha: 4 batalhões; Retaguarda: 2 batalhões.

Para o combate, a vanguarda transformava-se em 1º Escalão, o Corpo de Batalha em 2º Escalão e a Retaguarda em 3º Escalão ou Reserva.

Grandes exércitos ainda hoje cometem o erro de transportar para teatros de operações, em diversas partes do mundo, tropas treinadas e reveladas excelentes para as planícies do norte da Europa.

O importante fator da decisão —terreno, condicionando os meios —não tem sido levado em muita conta. Os holandeses pagaram alto preço por isto no Brasil.

Em combate, o regimento formava em duas linhas: 1ª linha (300 piqueteiros); 2ª linha (200 mosqueteiros). Estas linhas totalizavam 500 homens.

 

b) Instrução

O Contigente holandês, chegado com a Esquadra de Socorro, juntamente com o já existente no Recife, era treinado por Von Schkoppe, porém, confinado, e em condições bem diversas da realidade do inimigo e terreno que iriam encontrar fora da área do Recife.

A falta de exercício físico e a conseqüente vida sedentária que levavam, combinadas com o clima tropical a que muitos não estavam acostumados tiravam dos soldados holandeses a resistência física e a agilidade, tão necessárias a dar combate aos ágeis, lépidos, resistentes e velozes patriotas do Brasil.

 

c) Logística

A logística do holandês era baseada, principalmente, em suprimentos vindos da Europa, através de sua esquadra.

Eram complementados por excursões logísticas por mar, despachadas em todo o litoral do Nordeste, do Maranhão à Bahia, em especial no Recôncavo.

Houve ocasiões, segundo cronista da época, principalmente após as duas batalhas, em que até lenha era enviada da Holanda.

Mas, exército constituído à base de mercenários, para sustentá-lo eram necessários muita bolacha e outros tipos de alimentos mais requintados.

Não se conformavam, como os patriotas, a comer a sua espiga de milho ou a ração de farinha de mandioca, quando estes gêneros existissem.

Consumiam muitos caranguejos do Capibaribe.

 

d) Tática

No combate, os mosqueteiros avançavam e descarregavam o mosquete, após o que tomavam posição atrás dos piqueteiros, para remuniciamento.

Nesta situação, o combate era travado à arma branca pelo piqueteiro, armado de espada e de um pique (pequeno bastão para aparar golpes de espada do inimigo).

A exploração do poder de fogo era crítica, pois um mosqueteiro levava uma hora entre um tiro e outro, o qual, disparado, caso não falhasse, atingiria, sem precisão um alvo a cerca de 100 metros.

Deste momento crítico, os patriotas aproveitavam-se, com todo o ímpeto, para desferir violentos ataques à espada, sobre os piqueteiros e os mosqueteiros em remuniciamento.

Eles se ocupavam, aos magotes, em romper vários pontos da linha defensiva dos holandeses e penetrar por eles, criando, assim, diversos flancos.

A formação rígida de combate holandesa não permitia que os piqueteiros corressem em auxílio dos demais e, sentindo-se envolvidos, o caminho era a retirada, a confusão e a desordem.

Neste momento, os patriotas entregavam-se ao aproveitamento do êxito e à perseguição. Atuando com bastante iniciativa, audácia e rapidez, eliminavam grande número de adversários em fuga desordenada.

A maior vulnerabilidade da tática holandesa era a formação rígida de seus batalhões, desaconselhável para ser utilizada em faixas estreitas de terreno e mesmo interior de bosques. Essa formação era condizente com as planícies do norte da Europa, tipo de terreno que influenciou a organização de seu exército, como influencia até hoje os exércitos mais poderosos da Europa e o dos Estados Unidos. Os comentários sobre a organização holandesa complementam a análise da tática.

 

e) Moral

O moral holandês nesta batalha era bom, até a surpresa luso-brasileira no Boqueirão.

Von Schkoppe alevantou o moral de seus soldados antes da batalha, contando-lhes, por certo, suas fáceis vitórias sobre o Governador Geral Teles da Bahia.

O General Von Schkoppe, ao sair com toda a pompa do Recife, tocando tambores e fazendo disparar canhões nos Afogados, acreditava e fez crer a seus soldados que aquela expedição se resumia numa simples marcha até o Cabo, onde, pelo caminho seriam encontrados objetivos compensadores para saque, os quais satisfizessem seus soldados mercenários, já parcialmente satisfeitos, pois, antes da saída do Recife, já haviam recebido o que os levava ao combate: o soldo, atrasado de um mês.

Segundo Frederico, o Grande, os soldados na Europa eram recrutados em grande parte da escória da sociedade, e a honra não tinha significado para eles.

Os soldados, então, deviam temer mais seus oficiais que ao próprio inimigo.

Para que não desertassem, eram obrigados a combater cerrados, sob as vistas dos oficiais, pois tão logo tinham qualquer oportunidade desertavam. Em conseqüência, Frederico, o Grande, tomara diversas medidas para evitar a deserção.

Deveriam ser evitadas marchas noturnas, e os soldados destacados a serviço longe da tropa, acompanhados de oficiais.

A perseguição ao inimigo deveria ser evitada, pois, da dispersão resultante, muitos soldados em perseguição aproveitavam-se para desertar.

Nas duas batalhas dos Guararapes, a deserção entre os holandeses foi muito grande, e principalmente na segunda.

O peso das baixas nas duas batalhas recairia sobre a oficialidade.

Na segunda, a baixa de oficiais representou cerca de 10% das baixas holandesas, incluindo-se o próprio chefe da expedição (Cel Van Brinck).

Dias Cardoso, o organizador do Exército Restaurador e vencedor do Monte das Tabocas, respondeu assim a um oficial holandês, por ocasião da troca de mortos e feridos, após a 2ª Batalha, e com muita autoridade e realidade.

"Se vocês combaterem dispersos na próxima batalha, melhor, pois, para cada soldado holandês disperso, necessitareis de um capitão, enquanto cada soldado nosso disperso representa um capitão."

O oficial holandês havia dito que seus soldados venceriam da próxima vez os patriotas do Brasil combatendo dispersos, como eles.

Aí residia a grande diferença entre o soldado patriota da guerra dos povos e o soldado mercenário das guerras de reis.

 

f) Estratégia

Era a estratégia indireta, na qual não se evitava, com o inimigo, um encontro decisivo.

Segundo J. F. C. Fuller, em A Conduta da Guerra, recorria-se, então, à estratégia do desgaste, não a de destruição do inimigo, mas a de esgotá-lo ao invés de matá-lo. Os objetivos normais eram o de atacar a linha de suprimentos do inimigo, suas fortificações e fontes de recursos.

E neste ponto, os holandeses, com domínio do mar, atacaram por diversas vezes socorros marítimos enviados aos patriotas para suas fortificações e redutos na várzea e no litoral do Nordeste, bem como fontes de suprimentos dos patriotas no Recôncavo, Paraíba e Rio Grande do Norte.

De janeiro de 1647 a dezembro de 1648, aprisionaram 249 embarcações portuguesas (J.A.G. de Mello Neto).

Nesta batalha, procuraram cortar a linha de suprimentos com a Bahia, por terra e por água, em Tamandaré.

Em 1667, o Conde Orrey definiu a estratégia ainda em voga na Europa e que fora utilizada pelos holandeses no Brasil poucos anos antes: "Fazemos a guerra não como leões, mas como raposas".

Então, era considerado uma vitória estratégica viver no território inimigo, sustentando-se com seus recursos.

Até a 1ª Batalha dos Guararapes, esta estratégia ia vencedora, quando os patriotas adotaram, de surpresa, a estratégia direta "destruição do inimigo através de uma batalha decisiva".

Os holandeses esperavam dos patriotas a adoção de estratégia semelhante, que os conduziria, fatalmente, à derrota por partes.

 

g) Armamento

Os holandeses usavam arcabuzes, clavinas, mosquetes, pistolas, piques, chuços, lanças e espadas como armamento individual.

Nas duas batalhas dos Guararapes, levaram meia dúzia de peças de artilharia, o que faz crer ser a dotação de um brigada de então.

Sua artilharia foi usada durante a 1ª Batalha, mas, atacando dispersos os luso-brasileiros, seus efeitos foram quase nulos sobre estes.

O tipo de armamento utilizado pelos holandeses pode ser concluído do seguinte documento:

"Inventário das armas e petrechos bélicos que os holandeses deixaram em Pernambuco", armas e petrechos devolvidos após, em grande parte, por força de tratados.

O mosquete mais aperfeiçoado da época era de carregar pela boca, pesava mais de 5 kg e o projetil alcançava 150 a 200 metros.

Segundo o Major Souza Júnior, em Do Recôncavo aos Guararapes, os suecos eram considerados os mais exímios atiradores, pois, durante uma batalha, conseguiam disparar cerca de 7 tiros em 8 horas.

Era gasto muito tempo no resfriamento da arma, carregamento e, por vezes, no ajustamento da bala ao cano da arma, além de um complexo ajustamento da pontaria, subordinado a um deficiente sistema de detonação da arma, processo não instantâneo.

 

h) Recrutamento

Os grandes efetivos de mercenários que a Holanda conseguiu transportar para o Brasil no período (1624-1654) parece encontrarem a explicação a seguir.

Em período quase coincidente com a Guerra de 30 anos contra os holandeses, no Brasil (1624-1654), lavrava na Europa a cruel, mortífera e arrasadora Guerra dos 30 Anos (1618-1648). Dito conflito envolveu a Europa Central e, segundo J. F. C. Fuller, em A Conduta da Guerra, assumiu a forma de "arrasa quarteirão" no período (1632-1648), coincidente com a Dominação Holandesa de Pernambuco até a 1ª Batalha dos Guararapes. Esta batalha coincidiu, aproximadamente, com a Paz da Westphalia, já com a Europa Central em ruínas.

Nesta guerra, estima-se que 8 milhões de pessoas morreram, sendo 350 mil em combate.

Na Boêmia, das 35.000 aldeias, somente cerca de 5.000 continuavam habitáveis, e sua população diminuíra de dois milhões para 700 mil habitantes.

A fome grassava e conheceu-se o canibalismo.

O povo mergulhou na superstição, e, segundo ainda J. F. C. Fuller, o Bispo de Wurzburg, em nome da Santa Inquisição, fez queimar 9 mil pessoas por feitiçaria.

Com este quadro revoltante e hediondo de guerra, jamais repetido na história da humanidade, guardadas as devidas proporções no tempo e no espaço, é natural que mercenários viessem com boa vontade para o Eldorado Pernambuco, para enfrentar o que julgavam um bando de revoltosos mal armados.

No Recife, dentro da estratégia indireta, teriam melhor oportunidade de fortuna e de vida longa, protegidos pelos rios Capibaribe e Beberibe e, se tudo corresse bem, teriam um dia seu engenho ou fazenda, ou mais provavelmente se tornariam abastados comerciantes do Recife.

Para que o leitor tenha uma idéia da nacionalidade dos componentes do exército holandês, cito os nomes dos oficiais que exerciam funções de comando no Regimento do Ten General Von Schkoppe, por ocasião da 2ª Batalha: Cel Hans, Ten Cel Claer, Capitães Thya, Huninca, Buterman, Sholier, Wertwoot, Schrickembero, Rogier Jonhss, De Roez, Bergen Coeck Mae, Byma, Du Milot, van Walderen , Hubbelding, Sic Kema e Harc Kema (Revista do Arquivo Público de Pernambuco, 1949).

O General Von Schkoppe era alemão.