PRIMEIRO CRONISTA DA BATALHA DE 19 ABRIL DE 1648
Feita em a História da Guerra de Pernambuco, de Lopes Santiago
(ver comentário ao final)
( Divisão em subtítulos, realizada pelo autor)
- Ataque luso-brasileiro no Boqueirão e no monte Oitizeiro (Interpretação do autor)
"Aguardam os nossos duas espantosas cargas de mosquetarias e artilharia sem da nossa parte se atirar nenhum tiro, indo caminhando para os holandeses e estando já perto. Neste tempo por todas as partes disparou a nossa infantaria, toda a um mesmo tempo sobre seus esquadrões, que receberam mui grandíssima perda; logo os dois mestres de campo meteram mão às espadas apelando a que todos investissem a ela, o que fizeram os mais capitães e soldados, como leões no esforço, e de corrida investiram ao inimigo sem serem rebatidos pelos chuceiros flamengos. E desta sorte romperam seus esquadrões, começando a matar e fazer destroço no inimigo por espaço de meia hora; e os soldados se deram tal pressa, que, à custa de muitas vidas dos holandeses, os fizeram desocupar o alto dos montes (monte Oitizeiro), retirando-se por eles abaixo, seguindo-se os nossos com as valorosas espadas com talhos e estouradas, cortando pernas, braços, cabeças, uns matando, e outros ferindo encarniçadamente, ficando pelo campo corpos sem braços, troncos sem cabeças. Qualquer soldado alentado, com a espada na mão, por meio dos esquadrões, rompe os inimigos apinhados, dando golpes a uns e a outros morte, mostrando a espada tinta de sangue, esquecendo-se de qualquer perigo. Os dois mestres de campo, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros (no Boqueirão), aquele como o valoroso Trasíbulo de Atenas com a espada para libertar a pátria e este pelo mesmo efeito, qual lusitano Aníbal, por entre os esquadrões contrários iam obrando maravilhas, de um talho deixam a um desacordado, de um revés a outro sem sentido, prostram aos pés a um alentado, outro lhe cai ferido a destro e a sinistro. Por qualquer lado, com a fúria de Marte, derramam muita cópia de sangue pelo campo, em vários lances de diversas sortes fizeram, como tão valorosos que eram, dando mortes a uns e a outros com fama eterna e nome honroso, dando famoso exemplo aos animosos capitães e mais oficiais de guerra e soldados, que os acompanhavam; este dos inimigos lhes cai aos pés e vão pisando com os cavalos acelerados, embebendo noutros as espadas, a outros que lhes fogem, arremessando os cavalos, os seguem e atravessam, dando com alento calor ao vencimento crescendo nos seus o ânimo e braveza no acometer, abrindo pela gente caminho e braveza reveses e estoiradas, cortando corpos e encurtando vida, ficando o campo coberto de corpos mortos (no Boqueirão).
- Rechaçado 1º ataque holandês no Boqueirão e no monte Oitizeiro
"Havendo-se o inimigo retirado, fugindo e descendo no monte a seu pesar com mais presteza e agilidade do que subira (monte Oitizeiro), valendo-se da ligeireza dos pés do que de defenderem suas próprias vidas, os que com ela escaparam daquele conflito se juntaram e incorporaram na campina (defronte à boca norte do Boqueirão) com os outros, com quem andava pelejando com sua gente André Vidal de Negreiros, unindo-se juntamente com ele João Fernandes Vieira, como sempre, em amizade com seu terço, e todos juntos com a pouca cavalaria com que se achou o capitão e cabo dela Antônio da Silva, que avançou com muito valor ao inimigo com seu tenente Domingos Gomes de Brito, foram sobre os esquadrões que vieram socorrendo os outros já destruídos e destroçados, com tanto ímpeto, que, rotos e desbaratados fizeram pôr em fugida (para defronte à boca norte do Boqueirão e faldas sul do monte do Telégrafo) os holandeses, ganhando-lhes a bagagem, com que se detiveram muitos índios do Camarão e parte da gente de Henrique Dias, por serem muitos os despojos; também foi ganha nesta investida a artilharia, à qual mandou pôr sentinelas o Sargento-Mor Antônio Dias Cardoso por mandado de seu mestre de campo, e se não mandou logo retirar pelo tempo não dar lugar, porque somente procuravam alcançar a vitória que tanto à vista levavam."
- Numerosos holandeses destruídos nos alagados que formavam o Boqueirão
"Vendo-se o inimigo tão oprimido de nossas espadas, com ser tanto em número, desesperado, se deitou parte do alagadiço de que atrás os iam seguindo, deram uma carga de arcabuzaria aos que se tinham arrojado ao alagadiço, com que mataram a muitos, seguindo outros dos nossos aos que ao redor dele pelo pé do monte (no Boqueirão) se iam recolhendo, que parece cousa incrível haver homens que tanto aturassem a correr após do inimigo, e o que mais é, mortos de fome, o que na verdade se pode atribuir a milagre superior e grande auxílio divino. Outros, não reparando no grande cansaço e fadiga, e no perigo a que se punham, como andavam engolfados na matança, se deitavam ao alagadiço, que em parte dava pelos peitos, do qual não se podiam arrancar sem muito trabalho; assim que, andavam mesclados os holandeses e portugueses, estes já tão cansados que não podiam matar, aqueles tão amedrontados que não tratavam mais que de se arrojarem bem ao alagadiço, o qual lhes fez também acérrima guerra, submergindo e afogando muitos que das mãos dos nossos escaparam."
- Ataque envolvente holandês sobre o monte Oitizeiro
"Como naturalmente de soldados experimentados na guerra é terem gente de reserva e refresco para socorrerem a seus companheiros, tinha o inimigo entre dois montes (entre Oitizeiro e Telégrafo) quatorze bandeiras de gente, que os nossos não viram, que lhes serviam de abrigo e valhacouto, dos quais se amparavam aqueles que dos nossos iam fugindo, tendo lugar de se fazerem e reformarem, havendo-lhe também chegado naquela manhã o socorro do Recife com seu coronel Henrique Hus (Haus). E quando os nossos, posto que cansados o que o inimigo bem advertiu, cuidavam que levavam tudo vencido, por terem por duas partes cortado o inimigo, (no monte do Oitizeiro e Boqueirão) então avançou com as quatorze bandeiras e com a gente de Henrique Hus (Haus), (enquanto os outros acabavam de refazer) pela baixa e pelo monte (no Boqueirão e monte do Oitizeiro) com tanta pressa e furor que não pôde Henrique Dias Cardoso, não por não ser valente soldado, mas por ter a sua gente, além de pouca, muito cansada, ter mão com os seus. Os mestres de campo João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros, vendo a fúria e ímpeto com que o inimigo vinha avançando pelo monte (monte Oitizeiro) fazendo retirar a Henrique Dias, lhe mandaram de socorro algumas companhias, para que, dando-lhe calor, divertissem o ímpeto violento dos flamengos; mas os soldados, como estavam já tão cansados, não puderam subir o monte com a presteza que convinha, e assim foram rebatidos do inimigo, vindo-se retirando, seguindo-lhes ele apressado bem os passos, dando e recebendo grandes cargas."
- Ataque de fixação holandês sobre o Boqueirão
"Os mestres de campo João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros se puseram a pelejar com os que vinham pela campina (Boqueirão) postos no maior perigo, como tendo animosos com seus soldados, travando-se a peleja outra vez com as armas de fogo e à espada, sendo uma confusão notável que uns aos outros se não conheciam com a grande fumaça de mosquetaria e artilharia que tornava o ar caliginoso e escuro. Quem vira neste tempo aos dois mestres de campo postos em tão grande risco e perigo de suas vidas, pelejando como leões, cada qual como alentado Marte, cada qual como um raio que vai discorrendo pela região etérea, fazendo notável estrago no inimigo, metendo-se por entre os holandeses que parecia, com estarem já tão cansados de pelejar, que começavam a cobrar novo alento, forças e espíritos, empenhando valor e valentia, pendenciando com tanto ânimo e esforço; quanto impossível poder eu com hipérboles de encarecimentos, engrandecer, louvar e escrever, como convém e particularizar tão grandiosos feitos? Neste recontro e arremetida pegou um holandês na rédea do cavalo ao mestre de campo João Fernandes Vieira, mas ficou o atrevido pagando seu ânimo, digo, seu atrevimento, porque a-seu-pesar lhe fez largar e com uma bala lhe feriram a orelha do cavalo. A André Vidal de Negreiros deram uma pelourada no cavalo em que andava, e saltando em outro que foi apresentado, depois ao ferido matou uma bala de peça; as balas parece que lhes obedeciam e lhes davam salva, porque sendo tão inumeráveis e vastos, não lhes tiravam mais que nos vestidos; e andavam tão engolfados e empenhados na pendência, que com o estrondo das armas, com o rumor dos tiros, com o denso e espesso fumo, confusas vozes, sonoras caixas e instrumentos bélicos, e outra confusão horrenda."
- Luta desesperada para manter o Boqueirão
"Pelejava-se no Boqueirão, que ocupava a nossa gente com grande valor e constância, e houve uma pendência mui renhida e sanguinolenta, apertando o inimigo como estava de refresco e com tanto poder com os nossos, que estavam mui cansados de matar tão copioso número de holandeses; de tal sorte que, vendo-se oprimidos, viraram sobre eles, investindo outra vez a espada, com grande ânimo que parece que o céu ministrava novas forças e alento; e enquanto parte da gente foi a espada sobre o inimigo, defendendo o Boqueirão, que quase o inimigo teve ganhado, e alguma parte dela foi por outra parte sobre ele, que pretendia com grande fúria e ímpeto ganhá-lo. Os dois mestres de campo João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros o defenderam com grande repugnância e valentia, reprimindo por algumas vezes os holandeses que o procuravam ganhar com grande instância, exortando-os. Sigismundo e os coronéis que ali estavam com muitas promessas a que o ganhassem, porque, apoderados dele, tinham a vitória certa; faziam notável força por deitarem aos nossos soldados fora dele, os quais com novos espíritos e alentado brio, vendo o muito que faziam os dois mestres de campo na defesa dele, começaram a pendenciar com o inimigo; e aqui começou de novo a pendência, que a passada perecia sonho."
- Mártires luso-brasileiros no Boqueirão
"Aqui se assinalam muitos capitães e soldados dos terços dos mestres de campo, fazendo heróicas proezas, que, se houvessem de particularizar, cada qual de per si, fora necessário escrever um grande e imenso volume. Aqui morreram os capitães João Rodrigues e Domingos da Costa, do terço do mestre de campo João Fernandes Vieira, ficando outros mais feridos. Nesta contenda, uns perdem a vida, outros caem mortos, digo maltratados do dano, topam as balas muitos peitos valentes e esforçados, por toda a parte cresce o furor e sobra a repugnância. Pelejava o inimigo valorosamente por ganhar o Boqueirão, insistindo com notável fúria, que, como conhecia que a nossa gente estava cansada, lhe parecia fácil ganhar a vitória."
- Apesar do cansaço, obstinação na defesa do Boqueirão
"Porém os nossos, posto que mui fatigados e lassos do cansaço, como temos advertido, pelejavam obstinadamente por não deixarem lograr ao inimigo seu intento."
- Ameaça de cerco dos luso-brasileiros no Boqueirão
"Não advertiram nas cargas que davam os do monte, antes imaginavam que o inimigo que pelo monte vinha descendo era gente nossa que os vinha socorrer, e, posto que viam as bandeiras, lhes pareciam ser das que ganharam os nossos ao inimigo das quais traziam muitas arvoradas, e, quando os nossos conheceram os holandeses, foi já tão perto que, virando sobre eles, deram e receberam cargas, metendo as armas às caras uns dos outros, rebatendo muitos dos nossos soldados com espadas as clavinas do inimigo, vendo-se melhorando de posto, pendenciando sempre cara a cara com o inimigo com grande disposição que da nossa parte havia, suportando todas as cargas de artilharia, que da nossa não havia".
- Após cinco horas de luta, os holandeses desistem do Boqueirão
"Cinco horas havia que a horrenda bateria durava sem cessar, e os nossos soldados não podiam aguardar nas mãos as armas por estarem notavelmente esquentadas, e faltando já a muitos a pólvora, se aproveitaram de dois caixões de cartuxos que haviam tomado ao inimigo, o qual, não podendo já sofrer o rigor de nossas armas, e pela grande perda que recebia, se retirou um pouco atrás, ficando os nossos permanentes à vista dos holandeses, cobrando algum alento porque de cansados apenas podiam falar."
- Boqueirão após a batalha
"Formaram-se os campos de parte a parte, à vista um do outro a tiro de pistola, no Boqueirão de que temos feito menção, comunicando-se de palavras; e estava já neste tempo toda a campanha coberta e juncada de corpos mortos e toda tinta de sangue do inimigo, que era um espetáculo horrendo ver tanta mortandade e estrago; e o alagadiço parece que corria purpúreo e vermelho com o muito sangue que nele se tinha derramado aos holandeses a quem serviu de sepultura, e o Boqueirão de boca da morte fatal e rigorosa, que tantos devorou nestes conflitos e reencontros."
- Exércitos frente a frente
"Em resolução, o campo ficou pelos nossos na frente deste boqueirão, que dissemos em que ficaram, e os holandeses no alto dos montes (no Telégrafo) formando-se os campos de parte a parte; e os nossos guarneceram o posto, pondo sentinelas à fala com as do inimigo, o qual, com a grandíssima perda de gente, de que estava toda aquela campanha coberta, como temos dito, determinou, na noite que se seguiu ao dia, retirar-se para a Barreta, e daí para o Recife."
- Preparo para receber nova investida holandesa
"Ignorando-se em nosso exército a muita perda que o inimigo havia recebido, imaginaram todos que tornaria a cometer à tarde; para o que os mestres de campo mandaram formar outra vez os nossos soldados em troços aos quais deram de ração muito pouco açúcar, que, desfeito em água, beberam, tornando a dar por ordem que, dada a primeira carga, investissem à espada."
- Holandeses retiram seus feridos para o Recife
"Os Holandeses se deixaram estar em seus esquadrões formados, mandando muitos feridos que os nossos não viram, por irem por entre montes e matos para a Barreta e dela, os estiveram levando em cinco barcas para o Recife. E eram tantos que não bastavam estas a carregá-los ; e sendo quase pelas quatro horas da tarde, vendo os nossos mestres de campo que o inimigo não atacava, o provocarem à peleja, tocando-se da nossa parte muitas caixas, trombetas e charamelas perto de seus esquadrões, que se não moveram no lugar que ocupavam até a noite."
- Debandada dos tapuias aliados dos holandeses
"E os tapuias fugidos e todos os mais índios, que levaram consigo em grande número, assim para pelejarem, como para serem executores das mortandades que determinavam fazer, os quais tanto que foi ocasião, e viam aos nossos investir à espada, foi tão grande o medo e temor que neles entrou, que sem mais aguardarem um ponto, todos se puseram em fugida, deixando os holandeses na pendência, e tomaram o caminho do sertão, imaginando que ainda lá não estavam seguros dos nossos."
- Preparativos dos holandeses para a retirada noturna
"E vendo-se juntamente Sigismundo ferido e o coronel Autin (Hautyn) que foi passado pelo pescoço, mas escapou da ferida, determinaram de se retirarem de noite para fazerem mais a seu salvo, e não serem seguidos da nossa gente; tanto que anoiteceu, mandaram mil homens a fazer emboscadas por umas grutas e matos, para assim segurarem melhor a retirada com as suas sentinelas."
- Chuva rigorosa nos Guararapes após a meia noite
". e tanto que foi pela noite, que foi toda rigorosa, por a muita chuva que caiu, se mandou picar com vinte homens o inimigo."
- Retira-se o inimigo abandonando muitos feridos
"O Sigismundo e os mais coronéis, que escaparam da batalha, vendo a muita gente que lhes haviam morto e ferido, e bandeiras que tinham perdido e a bagagem que lhes faltava, que, imaginando iam os nossos todos sobre ele, se pôs sem nenhum rumor à fugida, deixando duas peças de artilharia, muitas armas e o restante da bagagem, deixando juntamente as sentinelas nos postos por não ser sentido; e tal foi o medo, que largaram muitos feridos dos que levavam."
Comentário
Segundo J. A. G. de Mello, em Restauradores de Pernambuco, é pouco conhecida a identidade de Diogo Lopes Santiago e não existe certeza tratar-se de um pseudônimo ou nome, se era militar ou professor de gramática, bem como se português do Cabo ou se natural de Pernambuco.
É certo, no entanto, que residiu próximo do Arraial Novo Bom Jesus.
A Lopes Santiago, contemporâneo dos épicos acontecimentos, deve-se o mais completo trabalho sobre as Batalhas dos Guararapes.
Seu manuscrito incompleto, segundo ainda J. A. G. de Mello, foi encontrado na Biblioteca Municipal do Porto, e publicado pela primeira vez nos anos de 1871 a 1886, pela revista do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro.
Lopes Santiago foi o primeiro cronista das Batalhas dos Guararapes e, segundo conclusão de análise de J. A. G. de Mello, foi calcado na obra de Santiago, que o Frei Rafael de Jesus, Dom Abade do Mosteiro de São Bento de Lisboa e cronista-mor do Reino, escreveu o Castrioto Lusitano, publicado em Lisboa, em 1679.
É presumível que Lopes Santiago tivesse vindo para o Brasil na condição de professor de gramática, mas que, sobrevinda a guerra, foi obrigado a prestar serviços militares à causa.
Durante a guerra, era difícil, senão impossível, dedicar-se ao ensino da gramática, pois mesmo as atividades econômicas haviam diminuído bastante.
Mesmo em guerra, o local mais indicado para o ensino da gramática seria ao sul do rio Jaboatão Zona de Retaguarda, e não próximo do Arraial Novo, onde disse que morava, e considerada Zona de Combate.
Em certo trecho de sua obra, Santiago refere-se à falta de alimentos no Arraial, antes da 1ª Batalha, em razão do abandono do local de parte de seus moradores civis, temendo ataque iminente dos holandeses.
Se Lopes Santiago tivesse também, como civil, evacuado a área próxima do Arraial e não tivesse como militar de emergência seguido as tropas para as batalhas, dificilmente as poderia reconstituir em todos os seus lances, como o fez com grande perfeição, isenção e método, além de revelar excelentes conhecimentos militares.
Esta descrição perfeita não a conseguiram fazer todos os chefes de ambas as facções juntos, em suas partes de combate, nas quais revelaram aspectos particulares da contenda, além de omitirem aspectos essenciais e, no caso dos vencedores, exagerarem um pouco os feitos darmas, e, no caso dos vencidos, procurarem negar a surpresa que sofreram, aliás, defeitos inerentes à natureza humana.
A descrição de Lopes Santiago permite, por si só, reconstituir todos os lances da batalha, além de possuir um sabor literário épico.
As partes de combate servem para confirmar a descrição de Santiago, e esta àquelas, para reduzir às devidas proporções falhas motivadas por entusiasmo do vencedor e desculpas de derrotas dos vencidos, recursos, como disse, normais à natureza humana.
Santiago não só descreve com isenção de ânimo as dificuldades holandeses no Boqueirão, como também as nossas.
Era um historiador autêntico, sem preocupação de ligar o nome à sua obra. Deus sabe quem foi Diogo Lopes Santiago, a quem a nacionalidade brasileira deve uma grande gratidão, por ter-lhe descrito sua origens. Creio que Santiago, aqui chegado como professor de gramática, por sua altas qualidades evidenciadas em seu trabalho, se tenha tornado soldado, bem como participado ativamente da luta, e, em reconhecimento, foi-lhe confiado, ao final da luta, o comando do importante forte da Barreta, conforme mencionou Pereira da Costa ao pesquisar o "Inventário das armas e petrechos bélicos deixados pelos holandeses em Pernambuco", segundo J. A. G. de Mello, em sua obra já citada (Referência a um Diogo Santiago).
Coerente com Camões, em "Os Lusíadas", quando escreveu "que a disciplina militar prestante não se aprende senhores na fantasia, mas pelejando.", Lopes Santiago, por certo, como professor de gramática transformado em militar de emergência, dispôs de nove anos de Insurreição Pernambucana para aprender a disciplina militar prestante.
Parece ter sido uma reedição de Camões, o poeta soldado.
Os patriotas pernambucanos, em sua maioria, eram civis dedicados a tarefas econômicas e transformados em militares por contingências da situação.
A rigor, a Batalha do Monte das Tabocas foi uma vitória do civil pernambucano em armas, treinado, enquadrado e conduzido à vitória por um profissional militar, o bravo Sargento-Mor Antônio Dias Cardoso, enviado secretamente da Bahia pelo Governador Geral para auxiliar o líder civil do movimento João Fernandes Vieira, até então próspero comerciante e senhor de vários engenhos. João Fernandes Vieira, de civil, tornou-se em breve destacado militar com o posto de mestre de campo.
O fato de Lopes Santiago residir próximo ao Arraial Novo não exclui a possibilidade de ter ele sido militar.
Era normal, nos fortes, residirem a soldadesca e, os oficiais, próximos, com suas famílias, e estes só procuravam a proteção do forte na iminência de perigo.
Para que Lopes Santiago tivesse tanta intimidade com os fatos militares, necessariamente privava da intimidade da cúpula e participava dos combates.
Ao autor dá impressão de que, durante a 1ª batalha, Lopes Santiago estivesse inicialmente junto a Filipe Camarão e, após, no Boqueirão.
A inclusão do trecho de Santiago neste trabalho é a homenagem do autor a este grande historiador.
Os patriotas, por ocasião do cerco do Recife em razão de dificuldades logísticas conseqüentes do domínio marítimo exercido pela Holanda , foram obrigados a estabelecer, na linha de cerco, estâncias-redutos, nas quais dividiam o tempo entre lavrar a terra para obterem o alimento e a luta contra o inimigo.
Após a primeira batalha, os holandeses passariam fome no Recife, havendo caso, segundo cronistas da época, de mortes por inanição, ocasião em que foram consumidos cavalos, gatos, cães e até ratos, e os escravos foram vistos desenterrando restos de cavalos mortos e os oficiais apanhando caranguejos no Capibaribe.
Sofriam igualmente os sitiados de enorme sede, pois os poços que abriam eram de água salobra.