A ACADEMIA REAL MILITAR – UMA DECORRÊNCIA DA VINDA DA FAMÍLIA REAL PARA O BRASIL EM 1808

 Cláudio Moreira Bento

 

 

            O Príncipe D. João, decorridos quase dois anos de sua chegada no Brasil, criou a Academia Real Militar destinada à formação de oficiais do Exército de Portugal para todo o Reino.

            Ela foi  instalada na Casa do Trem, atual local do Museu Histórico Nacional aonde vinha funcionando a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho fundada pelo Vice Rei Conde de Resende sob a égide do Príncipe Regente D. João, e em 17 de dezembro de 1792, aniversário da Rainha D. Maria I.

        Real Academia Militar   destinada a formar para a Colônia oficiais de Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenheiros militares e civis, consagrando-se historicamente como o berço do Ensino Militar Acadêmico nas Américas e  do Ensino Superior Civil no Brasil, com a formação de engenheiros civis e militares, pois a Academia Militar de West Point  só foi criada pelo Congresso dos EUA em 1802.

            A Academia Real Militar foi criada por D. João, por Carta de Lei de 4 de dezembro de 1810 e  instalada na Casa do Trem em 23 de abril de 1811, aproveitando a estrutura de Ensino da Real Academia que ali funcionara por cerca de 19 anos, de 1792 a 1811.

            De 1812 a 1858, a Real Academia Militar funcionou no Largo do São Francisco, local  hoje considerado o Santuário da Engenharia Civil e Militar do Brasil. 

          E a dirigiu por largo período desde a Casa do Trem o Ten Gen Augusto Napion, atual patrono do Serviço de Material Bélico do Exército. No Largo do São Francisco (Largo Real da Sé Nova) ela funcionou como Academia Militar da Corte, 1832/38 e  Escola Militar, 1839/58.

            Nesta Academia estudaram os oficiais que lutaram nas guerras da Independência (1822/24), na Guerra Cisplatina (1825/27), na Guerra contra Oribe e Rosas (1851/52), na Guerra contra Aguirre (1864) e Guerra do Paraguai (1865/70). 

          E entre eles os patronos no Exército: Duque de Caxias – Patrono do Exército, Marechal Emílio Luiz Mallet – Patrono da Artilharia e Ten Cel João Carlos Vilagran Cabrita – Patrono da Arma de Engenharia.Esta arma  centenária em 2008 por criada pelo General Hermes Ernesto da Fonseca no contexto da centenária e grande Reforma do Exército que ele promoveu em 1908  na qual foram criadas as Brigadas Estratégicas, as  raízes históricas de muitas Grandes Unidades que comemoram este ano 100 anos, sem se esquecer o centenário dos velhos fuzis Mauser 1908 que tão assinalados serviços prestaram à Defesa Nacional.

            Ali no Largo do São Francisco pontificou como aluno, diretor e mestre de Artilharia, Fortificações e Mecânica o Visconde de Rio Branco que foi Ministro da Guerra 1858-59.

            Segundo Mario Barata, ” poucos edifícios são tão queridos no Rio quanto ele”, que foi o primeiro, segundo Paulo Pardal,” a ser construído especialmente para abrigar uma Escola de Nível Superior.”

            Em 1939 o Marechal José Pessoa escreveu na Revista da Escola Militar do Realengo a História do Espadim de Caxias que havia sido instituído por sua proposta como arma privativa dos Cadetes do Exército.

            E declarou que assim procedia para não acontecer o que havia acontecido com a Academia Real Militar que então apenas se sabe que existira.

            E novos elementos foram sendo descobertos ou achados sobre a sua História.

            O falecido patrono de cadeira na AHIMTB, General Francisco de Paula Azevedo Pondé, pesquisando, descobriu em dependências do Largo do São Francisco os livros de Registros da Academia Real e divulgou  várias matérias sobre o tema nos Anais  do Sesquicentenário da Independência, publicados pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

            Cedidos estes exemplares por empréstimo ao Arquivo Histórico do Exército quando éramos o seu Diretor, os microfilmamos e organizamos um Instrumento de Trabalho do Historiador com os nomes e alterações de todos os seus alunos.

            Mais tarde, o professor Paulo Pardal resgatou grande parte da Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho, demonstrando que seu nome camuflava a sua finalidade maior, a de formar oficiais de Infantaria, Cavalaria, Artilharia e Engenheiros militares e civis para a Colônia Brasil.

            Entre seus ex-alunos encontravam-se os pais de Duque de Caxias e de seu  amigo Miguel Frias.

          As matérias previstas no 1º ano Matemático da Academia Real eram Aritmética, Álgebra (equação 3º, e 4º graus), Geometria, Trigonometria Retilínea e noções de Esférica e Desenho. Eram indicadas obras específicas dos seguintes autores franceses:

         Sylvestre François Lacroix (1765-1843) – Matemático, Adrien Marye La Gendre (1752-1834) – Geometría, Jean Baptista J. Delambre (1759-1808) – Astrónomo e Euler Leonard (1707-1783) - Geômetra (suíço).Conhecido por Eulero.

        No 2º Ano Matemático da Academia Militar Real as matérias previstas eram Resoluções de Equações, Analítica, Cálculo Diferencial e Integral, Descritiva e Desenho.

         A Carta de Lei indicativa as obras específicas dos seguintes mestres franceses: Sylvestre François Lacroix(1765-1843) Matemático e Gaspar Monge(1746-1818) Geometria

          No 3º Ano Matemático da Academia Militar as matérias previstas eram Mecânica (Estática e Dinâmica); Hidráulica (Hidrodinâmica e Hidrostática); Balística e Desenho. Foram indicados os seguintes autores franceses e dois ingleses: Louis Benjamin Fracoeur Mecânica, Gaspard Clair François M. Prony (1755-1839)-Hidráulica, Olinthus Gilbert Gregory (1774-1841) Mecânica, (inglês),Jean Antoine Fabre (1749-1834) – Engenheiro, Adabe Charles Bossut (1730-1814) Matemático, Etienne Bezout (1730-1783) – Matemático, Benjamin Robins (1707-1751) Matemático (inglês) e Leonard  Euler (1707-1783) - Geômetra (conhecido  como Eulero)

      O 1º Ano Militar Academia Real Militar era atribuído a dois professores. O primeiro lecionava Tática, Estratégia, Castramentação (Arte de Acampar), Fortificação de Campanha e Reconhecimento de Terrenos. O segundo professor lecionava Químico.

       Para assuntos militares devia-se atentar no que de importante havia aparecido sobre a matéria e, em especial, nos escritos dos seguintes generais franceses:

         O Barão Simon François Gai de Vernon (1760-1822). Havia sido capitão de Engenheiros em 1790 e servido com distinção no Exército do Reno (1792-93). Como major-general no Exército do Norte ele fez aceitar o plano de campanha de que resultou as batalhas Honds, Choote e Menin e a libertação de Dunkerque. Integrou a direção da Escola Politécnica - 1798-1811. Fez a campanha de 1812 e dirigiu, em 1813, a defesa de Torgau. Era o autor de duas obras notáveis sobre Fortificações de Campanha.

        O Conde de Cessac, Jean Girard Lacuée (1752-1841). Capitão em 1785. Integrou em 1789, o Comitê instituído pela Assembléia Francesa para reorganizar o Exército da França. General de Brigada, em 1793, encarregado de organizar a defesa da Fronteira dos Pirineus. Dirigiu o Bureau de Guerra em 1795. Presidente de Seção de Guerra do Conselho de Estado, em 1803. Ministro da Guerra em 1808, Inspetor Geral de Infantaria 1814.

         O guia de oficial em campanha - 1786, 2v, Projeto de Organização do Exército Francês – 1789 e Arte Militar (sobre Tática e Estratégia depois da Revolução Francesa).Portanto, a  obra sobre fortificações em campanha do General e Barão Gay de Vernon junta com as sobre Artilharia (Estratégia e Tática) e Serviço em Campanha do Conde Cessac  tiveram grande influência na formação dos oficiais egressos de nossa Academia Real Militar.

Curiosidade, D. João, obrigado por Napoleão a transferir-se para o Brasil com a Família Real  estruturou  o ensino Matemático na Real Academia em cientistas franceses e o ensino militar em obras de dois generais franceses que se destacaram na formulação da Doutrina Militar da Revolução Francesa que foi abordada pela Cadeira de História da Academia Militar e de forma sintética na obra:AMAN - História da Doutrina Militar na Antigüidade a II GM. Barra Mansa, Gazetilha. 1979 - p.79-83.

                  O brasileiro General Abreu e Lima que foi general de Bolívar  Lima o único dos libertadores da América Espanhola que havia sido formado numa Academia Militar estudou nestas obras em 1815 e o futuro Duque de Caxias em 1819.

A ênfase dada a Engenharia na Real Academia e Academia Real demonstram que elas foram estabelecidas para prioritariamente construírem o Brasil, o que perdurou até a Revolução Industrial  que obrigou a um preparo mais sofisticado da Infantaria, Cavalaria e Artilharia para sobreviverem num campo de batalha coberto por grande intensidade de projéteis de armas leves e de Artilharia forçando os Exércitos a procurarem a proteção em fortificações e trincheiras.

 


 

 

FONTES PRINCIPAIS

-         AMAN- Cadeira de História. História da Doutrina Militar da Antiguidade a 2ª GM. Barra Mansa: Gazetilha,1978.

-        BARATA, Mario. Escola Politécnica do Largo do São Francisco. Rio de Janeiro: Clube de Engenharia, 1973.

-        BENTO, Claudio Moreira. Escolas de Formação de Oficiais das Forças Armadas do Brasil. (Disponível na Internet em Livros no Site da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, WWW.RESENET.COM.BR/USERS/AHIMTB e foi publicado álbum pela FHE POUPEX, 1987..

-        (______). Os 60 anos da AMAN em Resende. Resende: Academia de História Militar Terrestre do Brasil, 2004.

-        (______). O Espadim de Caxias. Letras em Marcha, nº 82, agosto 1978 e Revista Militar Brasileira, jul/set 1978.

-        (______).O Brasileiro que foi general de Simon Bolivar.A Defesa Nacional.Nº725, mãe/jun 1986.

-        CARTA DE LEI de 4 dez 1810. Criação da Academia Real Militar. Rio de Janeiro: Imprensa Militar, 1961.

-        PARDAL. A sucessão do pioneiro ensino militar de 1792. RIHGB. 155 (383), 428-435 abr/jun 1994.

-        (______). Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho. Rio de Janeiro: Odebrecht, 1990.

-        PIRASSINUNGA, Adailton. O Ensino Militar no período colonial. Revista da Escola Militar. Nº 30 e 34, 1936.

-        PESSOA, José. O Espadim, o Barão das Armas, O Corpo de Cadetes e o Uniforme da AMAN. Revista da Escola Militar, 1939.

-        PONDÉ, Francisco de Paula e Azevedo. Academia Real Militar. Anais do Congresso da Independência do Brasil. Rio de Janeiro: IHGB, 1975. (Encontrei farta documentação sobre a Academia Real que se encontra no Arquivo Nacional e foi microfilmado pelo Arquivo Histórico do Exército, 1985/91).

-        PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Decreto nº 1718 de 17 jun 1937. Considerou a Escola Militar tendo como raiz histórica a Academia Real Militar. Considero raiz oficializada por decreto, mas não histórica, a qual   em realidade é a Real Academia de 1792, anterior a Academia de West Point, criada em 1802.