A Cabanagem no Pará 1831-1840

Generalidades

Foi uma revolta popular com ponto focal em Belém que envolveu a grande área ocupada pelo Pará, Amazonas, Roraima e Amapá onde ,no último ,ela quase põe em jogo a Integridade Nacional ao ser apoiada por franceses no Amapá.

O nome Cabanagem tem origem na população amazônica pobre que morava em cabanas humildes nas margens dos rios e que se constituíram na tropa dos líderes cabanos.

A região era povoada por brasileiros mamelucos e índios .Os brancos e os negros eram minorias.

O branco português bem sucedido em suas empresas econômicas e desfrutando de privilégios, menosprezava o mameluco e o índio , se constituía no espoliador , na visão dos nacionais

Por esta razão eram irreconciliáveis os interesses do grupo nacional com o português .O nacional possuía forte sentimento nativista e o português o espírito de colonizador .Assim ,a notícia da Abdicação causou grande alegria no grupo nacional que alimentou esperanças de os portugueses serem afastados do poder local .

Os portugueses com grandes interesses na área passaram a resistir aos governos de nacionais e vice e versa.

E este seria o ingrediente ou combustível da Cabanagem ,de certa forma uma continuação das agitações ali contra a Independência do Brasil ,marcada por desordens e motins e imortalizada pelo trágico e lamentável episódio da morte de cerca de 200 revolucionários contra a Independência, que morreram asfixiados no porão do navio Palhaço, onde haviam sido confinados, na repressão à reação à Independência.

Os imensos vazios e a rarefeita população da região norte iriam dificultar sobremodo a pacificação desta revolta que ocorreu em concomitância com outras, como no Rio de Janeiro e Maranhão 1838-1840 onde , em ambas, o futuro Duque de Caxias atuou expressivamente ,quer combatendo ,quer prevenindo revoltas, como foi o caso no Rio no comando dos Guardas Permanentes (PMRJ atual) .

Tinha curso mais as dos Cabanos de Alagoas e Pernambuco 1832-1835 , a Sabinada na Bahia 1837-1838 e a Farroupilha em 1835-1840,todas na Regência, além de outras citadas de menor intensidade .Fatos que se constituíram num grande desafio ao Poder Central como que consagrando a idéia de que na época a presença de um trono era fator de Unidade Nacional e de que a adoção prematura da República poderia ter sido um desastre político e fator de desintegração e desunião nacional.

 

Desenvolvimento da Cabanagem

O início da Cabanagem tem lugar com o pedido de afastamento do Comando das Armas do Pará do mal Francisco Soares Andréa ,por considerado ligado aos interesses de portugueses, mas que, por ironia ,será a autoridade que efetivamente devolverá a paz a região afetada pelos cabanos .Personagem cuja vida e obra foi abordada em :

ANDRÉA, José.O Marechal Andréa nos relevos da História. Rio:BIBLEx,1977.(Coleção Taunay).

Obra que merece ser lida para que se faça justiça a este chefe ,vítima de manipulação da História e que vinha predominando na literatura sobre sua atuação. História e verdade e justiça !

Outras obras úteis :

CRUZ,Ernesto.Nos bastidores da Cabanagem.

Belém,1942

REIS,Arthur Cézar.Síntese de história do Pará.Belém.1942.

Em 2 jun 1831 o 24 o Batalhão de Caçadores do Exército se revoltou estimulado por nativistas locais. Revolta contra seus chefes e Governo do Pará. Indisciplina reflexo de medidas preconceituosas e radicais tomadas pelo Parlamento contra o Exército ,o que se refletiu por todo o Brasil.

As alterações continuaram, sendo necessário a criação de um Corpo de Guardas sugerido por português prestigioso. Prosseguindo os desencontros entre nacionais nativistas e conservadores que incluíam portugueses ,expressivamente ,em jul 1831 foram enviados pela Regência um Presidente e um Comandante das Armas brasileiros natos.E continuaram as desconfianças e desencontros entre os grupos disputantes do poder.O presidente com a conivência de seu Comandante de Armas foi obrigado a renunciar e vários nacionalistas foram exilados ,inclusive o líder cônego Campos .Este conseguiu fugir e proclamou um governo autônomo sob sua presidência ,se constituindo no " 1 o presidente cabano."

A Regência enviou para pacificar a Província do Pará o general Machado de Oliveira que promoveu o retorno dos nativistas exilados.E continuaram as agitações e desencontros.

No final de 1832 novos Presidente e Comandante das Armas foram enviados e considerados ligados aos interesses de portugueses. As tropas da guarnição do Exército envolveram-se na questão a favor dos nativistas ,ou a favor da permanência do general Machado de Oliveira.

A situação política se apresenta inconciliável. Os "caramurus" ou conservadores com influência de interesses portugueses ameaçam os liberais nativistas.

A Província do Pará era guarnecida por 1 Batalhão de Caçadores,1 Batalhão de Artilharia de Posição que guarnecia os fortes e ,por 1 Batalhão da Guarda Nacional com 4 companhias em Belém e 4 no interior.

Em 16 abr 1832, líderes caramurús entraram em choque com o Governo e tem lugar intenso tiroteio .O presidente Machado de Oliveira conseguiu intervir e dominar a revolta.

Em 5 set 1833, mais uma vez a Regência substituiu o Presidente e o Comandante das Armas .Esta administração promoveu anistia geral a todos os envolvidos em revoltas e levou a efeito uma administração competente.

Mas a conspiração continuava em Belém e no interior.Este terra de ninguém e domínio de lideranças locais que podiam levar existência independente do Governo, pois a natureza era pródiga em frutos de sobrevivência..

E aí atuou com resultados o cônego Campos ,aliciando os cabanos e compondo-se com o prestigioso e rico fazendeiro coronel Malcher da Guarda Nacional, no vale do rio Acará.

E decidiram depor o governo da Província. Reuniram armas e munições, mobilizaram caboclos cabanos para a revolução , em cuja frente se colocariam ,entre outros mobilizados, os irmãos Vinagre: Francisco Pedro, Antônio, Raimundo ,Manoel e José e ,mais o Eduardo Angelim .

O Governo da Província enviou contra eles ao Acará uma expedição. Ela foi surpreendida em 22 out 1833 por Francisco Vinagre e Eduardo Angelim ,líderes cabanos ,do que resultou a morte do comandante legal major José Nabuco de Araujo e mais 3 homens de sua tropa. Outra expedição foi enviada sob a chefia do comandante da Guarda Nacional, cel José Marinho Falcão que também foi morto pelos cabanos.O comandante naval De Ingles substituiu o chefe morto e conseguiu prender os líderes cabanos cel Malcher e Raimundo Vinagre e matar Manoel Vinagre.

A Regência reforçou militarmente o Pará e recolheu o armamento que fora distribuído ao povo.

Em 7 jan 1835 .os cabanos investiram e conquistaram Belém sob a liderança de Antonio Vinagre e Souza Aranha. Dominaram fácil a guarnição do Exército e o Palácio do Governo.E comunicaram sua conquista à Regência em 16 mar 1835, firmando-se solidamente no poder por diversas medidas de controle militar acertadas.

A guarnição da Marinha resistiu e não se rendeu .

Do Maranhão foi enviada expedição naval ao comando de Pedro Cunha. Ela foi calorosamente recebida em Belém. E tentou Pedro Cunha insistentemente, junto ao "2 o presidente cabano "Antônio Vinagre,mas sem resultados,pacificar o Pará e reimplantar ali o império da ordem e da lei.

Tentou um desembarque naval em Belém ,mas foi repelido com grandes perdas em pessoal e sérias avarias em sua força naval.

A fraqueza e a falta de visão da Regência e as ambições irreconciliávies dos partidos locais ameaçavam Belém de caos.

E o domínio cabano cada vez mais encontrava apoio no interior.

Em 1 o abr 1835, foi nomeado Presidente e Comandante das Armas o mal Manoel Jorge Rodrigues ,estudado pelo cel Claudio Moreira Bento na História da 3 a Região Militar,v.1,

Ele aportou em Belém em 10 jun 1835,apoiado em forte esquema militar. Foi calorosamente recebido ,inclusive por cabanos.

Antônio Vinagre premido pela realidade da força ,manifestou o desejo de transmitir o governo ao marechal, sob o argumento:

"De que ocupava o cargo a contragosto."

E em 25 jun 1835 passou o governo do Pará que exercera por meio ano ao mal Manoel Jorge. Este substitui as forças cabanas pelas suas. Os cabanos simbolicamente devolveram suas armas e munições.Em realidade as melhores, em número estimado de cerca de 3.000, incluindo canhões ,eles as contrabandearam para o interior, para suas bases.

Pouco adiante os cabanos promoveram um massacre em Vila do Vigia. E foram tomadas medidas repressivas contra eles. E por isto Antônio Vinagre, Eduardo Nogueira Angelim e Gavião e outros líderes cabanos decidiram mais uma vez investir e dominar Belém.

Em 14 ago 1835,menos de 2 meses da posse do mal Manoel Jorge, os cabanos atacaram Belém. Em 22 ago pela desproporção de efetivos tornou-se insustentável a situação do mal Manoel Jorge ,por sitiado por terra.

Na madrugada de 23 ago o mal Manuel Jorge evacuou Belém e estabeleceu o Governo e seu Quartel General na ilha Tatuoca e bloqueou o porto de Belém.

Em 26 ago 1835 ,Eduardo Angelim foi aclamado o "3 o presidente cabano" e passou a ter grande dificuldade para dominar a situação, por não conhecer os manejos da administração ,estar sob bloqueio naval e mesmo por desentendimentos entre as lideranças cabanas que o sustentavam no poder.

A partir de sua base naval o mal Manuel Jorge fez bem sucedidas incursões em Chapéu Virado, Colares, Vigia, Curaça e Vieira Vale.

Em 9 abr 1836 ,o mal Andréa reassumiu a Presidência e o Comando das Armas.Em operações conjuntas foram retomando varias posições cabanas .

Os cabanos em Belém sentindo dificuldades incontornáveis pediram anistia que não foi concedida nas condições propostas.

E em 13 abr 1836, depois de cerca de 7 meses sob domínio cabano ,Belém retornou em definitivo ao controle da Regência.

Os cabanos deixaram Belém em pequenos barcos e foram em grande número capturados nesta situação pela Marinha. Andréa tratou de reorganizar Belém.

No interior da província a fraqueza demonstrada pelo governo em se fazer presente ,os espaços vazios deixados foram ocupados por lideranças cabanas que conquistaram o apoio popular expontâneo ou por coação. Pois ali imperava a impunidade e a lei do mais forte.

O mal Andréa procurou identificar concentrações cabanas e batê-las por partes,sem no entanto conseguir capturar Eduardo Angelim e outros líderes escondidos no labirinto aquático da Amazônia.

Em 20 out 1836, no rio Pequeno ,próximo do lago do Porto Real ,as forças legais em operação conjunta conseguiram capturar Eduardo Angelim e outros líderes cabanos.

Em dezembro, o marechal Andréa conseguiu retomar Santarém dos cabanos.

Nesta altura se apresentou a um perigo potencial a Integridade Nacional do Brasil, traduzido pelo apoio aos cabanos ,no Amapá ,de parte dos franceses que ali litigavam com Portugal e depois com o Brasil em torno de limites.

Mas o esforço para desintegrar a resistência cabana atomizada na imensidão da Amazônia, prosseguiu durante os anos de 1837 e 1838 quando a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina atingiam o seu apogeu e para onde seguiria breve o mal Andréa depois de passar o governo do Pará ao dr João Antônio de Miranda que realizou exelente administração que terminou por reintegrar os cabanos .Trabalho de reintegração e pacificação que foi consolidado em 1840 ,com a maioridade de D,Pedro II.

Viveu pois o Pará durante a Regência agitação permanente que ameaçou a Unidade Nacional e a Integridade com a possibilidade de apoio francês aos cabanos no Amapá.

Enquanto tinha lugar a Cabanagem ,a Regência enfrentou distúrbios e motins na sua sede no Rio, a revolta da Balaiada 1838-1840 no vizinho Maranhão,a revolta dos cabanos de Pernambuco e Alagoas 1832-1835,a Sabinada na Bahia 1837-1838 e a Revolução Farroupilha 1835-1839 no Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

Tudo nos parece evidenciar e demonstrar que o trono no Brasil foi fator de Unidade Nacional e que a adoção prematura da República constitucional poderia ter transformado o Brasil numa colcha de republicas fracas e hostis entre si.

Eis um assunto para reflexão por simulação !

A impunidade cabana estimulada pela ausência do estado na imensa área amazônica estimulou esta guerra quase sem fim que teria sido vitoriosa se mais capacidade intelectual e política tivessem tido as lideranças cabanas.

 

"Para alimentar o cérebro de um Exército na paz para melhor prepará-lo para a eventualidade indesejável de uma guerra não existe livro mais fecundo em lições e meditações do que o da História Militar" segundo o mal Foch .

.E este tema Cabanagem, no momento em que a Amazônia se torna prioridade na Defesa Nacional é rico em meditações e lições e esta a exigir um aprofundamento interdiciplinar.

Não se dispõe até hoje de uma História Militar da Amazônia integrando todos os conflitos internos e externos que a envolveram. .\Sendo a História Militar um Laboratório da Tática e da Estratégia, conforme nos ensina o brasilianista Mac Cann, impõe-se urgente um estudo integrado de todos os eventos bélicos ali ocorridos ,bem como de todos os planos militares históricos desenvolvidos desde a sua incorporação a Portugal para preservá-la . Pois o Brasil necessitará seguramente dos mesmos no limiar do 3 o Milênio .Gostariamos de conhecer proposta documentada contrária a esta necessidade aqui levantada nesta História do Duque de Caxias .

Esta foi uma revolta com causas sociais e não político -republicanas .Foi feita por massas despossuídas ,ao contrário da Revolução Farroupilha que será liderada por elites políticas e econômicas do Rio Grande do Sul contra lideranças do mesmo teor, dominantes do Sudeste e por via de conseqüência do Brasil.