A Revolução Farroupilha 1835-1845

Generalidades

De 1835-1845, teve lugar no Rio Grande do Sul a Revolução Farroupilha. Ela foi o resultado, segundo interpretações dominantes, de insensibilidade política do governo central e intolerância do provincial, em defesa de interesses do que na época eram classificados de "galegalidade", ou a lei dos galegos ou portugueses, que ainda exerciam grande influência no Brasil, em que pese a Independência, em 7 set. 1822.

Ela teve início em 20 set. 1835, com a conquista farrapa de Porto Alegre, e com ela o longo processo revolucionário gaúcho que, depois de transitar pelas revoluções de 1893, 1923, 1924-26 e 1930, teve seu epílogo, segundo Osório Santana Figueiredo, em 20 set. 1932, no combate de Cerro Alegre, em Piratini, com a prisão, seguida de exílio em Pernambuco, do Dr Augusto Borges de Medeiros.

Ela foi liderada pelo então cel de Estado-Maior do Exército Bento Gonçalves da Silva, na ocasião comandante superior da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul.

A Farroupilha foi também uma revolta da maior guarnição do Exército, depois da do Rio, em aliança com a Guarda Nacional e forças econômicas (fazendeiros e charqueadores), como protesto pelas discriminações feitas ao Exército e seus membros e sobre às quais a História tem silenciado.

Os fazendeiros e charqueadores foram à luta em protesto contra os escorchantes impostos sobre o charque exportado e légua de campo .Deste modo, o charque gaúcho não podia competir com o charque produzido no Rio da Prata por inimigos de ontem ,contra os quais o ônus da luta caíra mais pesado sobre o Rio Grande do Sul .

Os líderes militares dessa Revolução saíram de comandos de unidades do Exército: Bento Gonçalves, Bento Manuel, José Mariano de Matos, João Manoel de Lima e Silva (tio de Caxias) etc.

Esta revolução consagraria, aos 37 anos, como pacificador da Família Brasileira, ameaçada de dividir-se pelas lutas fratricidas do período 1831-45 e ,como estrategista e tático consumado - o maior de nossos generais - Luís Alves de Lima e Silva - o Duque de Caxias e atual Patrono do Exército Brasileiro e então comandante da atual 3ª RM, cumulativamente com as funções de Presidente da Província.

As operações em nível estratégico se desenvolveram em 5 fases distintas, segundo interpretamos, com o apoio na análise crítica de seguintes obras do cel Cláudio Moreira Bento .História da 3ªRM 1809-1953 e Antecedentes.Porto Alegre: 3a RM-SENAI,1995.v.1 : O Exército Farrapo e os seus chefes Rio de Janeiro: BIBLIEx,1992 .2v. e Porto Alegre ,memória dos sítios farrapos e da administração de Caxias .Brasília: EGGCF ,1989.Estas das obras mais recentes sobre esta revolução e que integraram a vasta bibliografia sobre o assunto .

 

1ª fase - Vitória da revolução

(20 set. 1835 - 15 jan. 1836 - cerca de 4 meses)

Consistiu na tomada e posse pelos revolucionários de Porto Alegre, em 20 set 1835, seguida, no mês de outubro, de diversas ações para superar reações. apresentadas pelo governo em Rio Pardo, São Gabriel, Pelotas, São José do Norte, Rio Grande e Colônia São Leopoldo.

Ao final do mês, as primeiras lideranças militares contra a revolução haviam sido neutralizadas ou obrigadas a imigrar. O Presidente da Província, deposto, havia se dirigido ao Rio de Janeiro. Ficou assim todo o Rio Grande do Sul em poder dos revolucionários que colocaram na Presidência da Província o Dr. Marciano Ribeiro (médico mineiro), deputado e, no local do comandante das Armas , o cel. Bento Manuel Ribeiro, então cel do Exército de Estado-Maior, há pouco destituído do comando da Fronteira do Rio Pardo.

A revolução ocorreu de surpresa, aproveitando a situação dos comandantes da Armas e da Fronteira do Jaguarão; principais reações esperadas, estarem em suas estâncias, crentes de que o líder político militar do movimento, o cel Bento Gonçalves da Silva, comandante superior da Guarda Nacional da Província, encontrava-se em Corrientes, na Argentina, em licença. O governo central era exercido pelos liberais.

 

2ª fase - a República Rio Grandense proclamada é obrigada a emigrar

(15 Jan. 1835 - 28 Mar. 1837 - cerca de 14 meses)

Com a nomeação do novo Presidente da Província, Dr. Araújo Ribeiro, pelo governo Central, esta autoridade assumiu o governo na cidade do Rio Grande, em 15 jan 1836, ponto estratégico militar que retornou ao controle do governo Central através de hábil manobra política.

Este ponto serviu para o governo, no Rio, introduzir, via marítima, importantes reforços militares terrestres e navais, para consolidar aquela posição e combater, a partir dela, a Revolução.

Aderiu à causa legal o cel Bento Manuel Ribeiro, comandante revolucionário das Armas , fator importante que evitou o ataque de reconquista da cidade de Rio Grande pelos revolucionários.

No confronto que se seguiu, segundo Canabarro Reichardt, houve divergências de estratégias entre Bento Gonçalves - líder político - militar e o major João Manoel de Lima e Silva,(tio de Caxias )que assumiu o comando revolucionário das Armas .

O primeiro foi favorável à concentração a fim de derrotar Bento Manuel para, a seguir, investir a cidade de Rio Grande.

O segundo foi favorável a um investimento ,a um só tempo, de Bento Manuel, na Campanha, e da cidade de Rio Grande.

Dessa hesitação decorreu serem os revolucionários batidos por partes, com a perda definitiva de Porto Alegre, em 15 jul 1836, reconquistada num ousado golpe de mão pelo então maj Manuel Marques de Souza, futuro Conde de Porto Alegre ,seguido da prisão dos líderes revolucionários em Porto Alegre que foram enviados para o Rio e confinados na Fortaleza de Santa Cruz .

Isso provocou a desistência de João Manoel de investir Rio Grande e, pouco depois, a prisão de Bento Gonçalves, em 4 out 1836, na ilha de Fanfa. Este fato ocorreu quando Bento Gonçalves se retirava de Porto Alegre, numa frustrada tentativa de reconquistar aquela capital ou mantê-la sob sítio terrestre.

Neste quadro extremamente adverso, o cel Antônio de Souza Netto, com sua Brigada Liberal, bateu em Seival, em 10 set 1836, a força legal do cel João da Silva Tavares, proclamando no dia seguinte, em Campo do Menezes, a República Rio Grandense, logo reconhecida pela Câmara de Jaguarão e, a seguir, pela de Piratini.

Pressionado por Bento Manuel, os chefes João Manuel e Antônio Netto reuniram suas forças em Piratini, na Serra dos Tapes, escolhida capital da República Rio-Grandense, para aí instalarem e estruturarem seu Exército.

Em 10 dez 1836, sob pressão de Bento Manuel, a República Rio-Grandense e o seu Exército foram obrigados a se internarem no Uruguai, deixando o Rio Grande sob o controle militar dos imperiais. Bento Gonçalves foi escolhido o Presidente da República e comandante em Chefe de seu Exército, quando se encontrava preso no Rio de Janeiro.

Assumiu a liderança militar farrapa o cel Antônio Netto, em substituição ao primeiro general da República - João Manoel Lima e Silva, que se internou no Uruguai para tratar de ferimento no rosto, recebido no combate de São Gonçalo, de 2 jun 1836, em Pelotas. Pois já se assinalava, nessa altura, reação à sua liderança militar, por condições de saúde precárias.

 

3ª fase - Retorno da República do Uruguai

(28 Mar. 1837 - 18 Jul. 1839 - cerca de 27 meses)

Desinteligências entre o Presidente da Província, brig Antero Ferreira Brito, e o comandante das Armas o cel Bento Manoel Ribeiro, terminaram por modificar o curso da revolução.

O Presidente saiu de Porto Alegre para prender e destituir o comandante da Armas . Mas este antecipou-se e prendeu o Presidente, em 28 mar 1837, no Passo de Itapevi, em Alegrete.

Assim, Bento Manoel, pela segunda e última vez, passou-se para o lado republicano, para onde levou a vitória, como fiel da balança e novo ponto de inflexão da guerra em favor da revolução.

Os republicanos então retornaram ao Rio Grande. Restabeleceram a capital em Piratini, conquistaram Caçapava em 8 abr. 1837 e colocaram sob sítio, em 13 mai 1837, a capital de Porto Alegre. Este sítio se prolongaria por três anos. Conquistaram Triunfo, em 15 agosto . Três dias depois, em São Borja, teve lugar a morte brutal, depois de emboscado e torturado, do gen. João Manoel Lima e Silva, aos 32 anos. Era tio reptimos do futuro Duque de Caxias.

 

 

Objetivos do sítio farrapo de Porto Alegre

Os republicanos farrapos , ao colocarem Porto Alegre sob sítio terrestre, objetivavam estrategicamente:

1. Fixar importantes efetivos imperiais na capital

2. Impedir apoio mútuo terrestre Rio Grande - Porto Alegre.

3. Impedir envio de reforços terrestres de Rio Grande a Porto Alegre pelo litoral, ou a partir de Santa Catarina.

4. Impedir expansão de pontos fortes terrestres, com apoio nava,l ao longo do Jacui e seus afluentes, assegurando, assim, a livre circulação e comunicações republicanas no interior do Rio Grande.

5. Melhor realizar a espionagem dentro dos muros da sitiada Porto Alegre, através de agentes republicanos infiltrados.

6. Assegurar ali, a articulação da Campanha com a região serrana (Cima da Serra) e, em decorrência, com Santa Catarina e São Paulo, por terra.

Assim, enquanto os republicanos mantiveram Porto Alegre sob sítio, viveram o período áureo e de maior segurança no campo militar. Foi em razão do alto sentido estratégico do sítio republicano em Porto Alegre que, por cerca de três anos, o esforço militar imperial concentrou-se em levantá-lo.

 

 

Um herói da defesa da sitiada Porto Alegre

Desempenhou então destacado papel, para defender e apoiar logisticamente Porto Alegre sitiada, o seu filho - o ten. cel. Francisco Pedro de Abreu, o futuro Barão de Jacui ,no comando do célebre Esquadrão da Barra e, depois, 5º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional.

Exerceu essa ação a partir de out 1837, através do Forte da Picada ou Chico Pedro, que estabeleceu como sua base de operações em ilha, na foz do rio Jacui com o Guaíba, ligado à margem oposta do porto de Porto Alegre por uma picada.

A partir dai, em diversas ações com Cavalaria e Infantaria, ao longo da Lagoa dos Patos até o rio Camaquã e, ao longo do rio Jacui até o Rio Pardo, e com apoio naval, realizou memoráveis golpes de mão sobre os republicanos, inquietando-os, aprisionando-os e trazendo gado para alimentar as tropas, a população e hospitais de Porto Alegre, aumentando ,assim, a capacidade de resistir da capital.

Atuou como uma espécie, hoje, de tropa de fuzileiros navais, transportado inclusive pela barca "Liberal", barco a vapor, pioneiro no Brasil em operações militares e construído em Pelotas, em 1832, por Domingos de Almeida e Cia.

Toda essa movimentação revolucionária de dois anos, até 15 set 1839, foi realizada com o governo central nas mãos do Partido Liberal. Nesse período foram enviados em reforço ao Rio Grande do Sul 1904 homens. Eles representaram cerca de 17% do efetivo total enviado até a Pacificação.

Assumindo o governo o Partido Conservador, foi intensificado o combate à revolução, com envio de reforços ao Rio Grande do Sul até abr. 1839, num total de 5772 homens, ou cerca de 30% do total enviado até a Pacificação.

 

 

Imperiais levantam o sítio de Porto Alegre

Em fev. 1838, o Presidente e comandante da Armas gen. Elzeário de Miranda Brito, visando a derrotar os republicanos que sitiavam Porto Alegre, executou a seguir manobra:

Embarcou sua tropa em Porto Alegre e as desembarcou na margem esquerda do Jacui. Por uma manobra desbordante dos rios Caí, Sinos e Gravataí, tentou cair sobre os sitiantes, pela retaguarda.

Estes, ao comando do cel José Mariano de Matos, levantaram o sítio e retraíram para a Cima da Serra, de onde avançaram sobre Lajes, em Santa Catarina.

Bento Gonçalves pressionou Porto Alegre, mas foi rechaçado pelo gen. Elzeário ao longo do Jacui, até Rio Pardo. Esta foi retomada pelos imperiais em mar 1838.

Os republicanos reagiram e recuperaram Rio Pardo, em 30 maio 1838, na maior e mais retumbante vitória das que obtiveram. Logo a seguir, restabeleceram o sítio de Porto Alegre.

A segunda tentativa do gen. Elzeário de desbordar os sitiares foi anulada com a vitória obtida pelos republicanos em Caí, em 1º fev. 1839, ao comando do gen. Bento Manoel Ribeiro.

No campo naval, os imperiais desalojaram os republicanos dos fortes do Itapuã e da Ilha do Junco, na estreita entrada à Lagoa dos Patos, do rio Guaíba. Neutralizaram a interferência de barcos farrapos na navegação imperial, ao longo da Lagoa dos Patos, por navegarem em comboios. Tentaram destruir o estaleiro republicano no rio Camaquã (Passo do Mendonça).Nesta ocasião Caxias como Ajudante de Ordens do Ministro da Guerra e em sua companhia esteve no Rio Grande do Sul quando conheceu o capitão Osório donde surgiu uma grande amizade .

 

 

A expedição farrapa a Laguna

Logo a seguir, em 1839, teve lugar a expedição republicana terrestre e naval a Santa Catarina, visando à conquista de um porto de mar, na Laguna, para a república Rio-Grandense. O cap José Garibaldi, comandante da Marinha da República, depois de construir os lanchões "Seival" e "Farroupilha" no estaleiro do rio Camaquã, atravessou a Lagoa dos Patos e transportou os barcos para o rio Tramandaí.

Fez então longa e épica travessia com os barcos transportados em enormes carretas. Do rio Tramandaí atingiu o oceano e depois Laguna, em Santa Catarina, somente com o lanchão "Seival", em razão do "Farroupilha" haver sido engolido por uma tempestade em alto mar. Existe réplica do Seival no Parque Histórico Mal Manoel Luiz Osorio em Tramandaí.No caderno iconográfico publica-se foto do Seival genuíno.

Proclamada a efêmera República Juliana, ela teve seu epílogo com a derrota da esquadra republicana pela Imperial, no combate naval de Laguna, de 15 nov 1839.

A expedição a Laguna, em jul 1839, acompanhada do abandono definitivo da causa republicana, para um período de neutralidade, pelo Gen. Bento Manuel Ribeiro, em 18 Jul. 1839, tiveram lugar com o Partido Liberal no poder, no Rio, desde abr 1839.

Assim, com a malograda expedição à Laguna e abandono da causa republicana pelo gen. Bento Manuel, encerrou-se a fase da república Rio-Grandense, com capitais em Piratini e Caçapava, de onde editaram o jornal oficial - O POVO.

 

 

4ª fase - Declínio da República Rio Grandense

(18 Jul. 1839 - Dez. 1842 - cerca de 3 anos e meio)

O ano de 1839 terminou para os republicanos com derrota naval em Laguna, em 15 nov 1839, e com a vitória terrestre de Santa Vitória (Bom Jesus)), 14 dez 1839, em que forças retirantes de Santa Catarina, ao comando do cel Joaquim Teixeira Nunes, e "a maior lança farrapa" - (Tasso Fragoso), bateram e dispersaram a Divisão Paulista, ou Divisão da Serra, que invadira o Rio Grande, a partir de Lages, em Santa Catarina, em apoio ao Rio Grande para levantar-se o sítio de Porto Alegre.

O ano de 1840 foi inicialmente de equilíbrio. Assumiu o comando das Armas o gen. Manoel Jorge Rodrigues, decidindo logo por atacar os republicanos que sitiavam Porto Alegre.

Planejou desbordar o sítio, como o tentara duas vezes, sem êxito, o gen. Elzeário. Só que agora com mais forças e depois de operar junção, na margem direita do rio Caí, com coluna ao mando do brig. oriental Izaias Bonifácio Calderon, após partir do canal de São Gonçalo, próximo a Pelotas e atacar Caçapava, a capital da República.

Como resultado desta manobra, teve lugar, em 3 maio 1840, a indecisa batalha de Taquari e, no campo estratégico, a consolidação do sítio republicano de Porto Alegre.

O grande endividamento interno e externo da República abalou seu crédito por esta época, com reflexos negativos no apoio logístico à guerra e na unidade do movimento. Tiveram então lugar as primeiras gestões visando à pacificação. Circunstância coincidente com a maioridade de D. Pedro II.

Em 10 jul 1840, já com o Partido Liberal novamente no poder, teve lugar o mais sangrento combate da Revolução, em São José do Norte, mas assinalado por nobres gestos dos comandantes rivais - Bento Gonçalves e o cel. Antônio Soares de Paiva. A falta de Infantaria tornou-se gritante para os republicanos.

Em 14 mai 1841, Bento Gonçalves reassumiu a presidência em São Gabriel.

 

 

Soares Andréa levanta o sítio em Porto Alegre

Assumiu a Presidência do Rio Grande e o comando das Armas o gen. Soares Andréa, o futuro barão de Caçapava. Concentrou seu esforço em obrigar os republicanos a levantar o sítio de Porto Alegre.

Andréa, com o concurso de forças navais e terrestres, em torno de Porto Alegre, tentou cercar os republicanos que a sitiavam.

Lançou contra eles, a partir de Santa Catarina, uma Divisão ao comando do gen Pedro Labatut, reedição da malograda Divisão da Serra. Assim, as forças imperiais em Porto Alegre serviriam de bigorna, e a Divisão Labatut, de martelo.

Em Taquari, interposto entre Porto Alegre e Campanha, Andréa deixou forte efetivo destinado a cortar a retirada dos sitiantes do Porto Alegre, pretendida reedição da armadilha da ilha do Fanfa.

Para fugir da armadilha, Canabarro e Bento Gonçalves, sucessivamente, deixaram o sítio de Porto Alegre e marcharam para Cima da Serra, ao encontro de Labatut, visando também atingir a Campanha por um amplo movimento desbordante que foi o mais épico feito terrestre farrapo.

Eles anularam a manobra de Labatut, conseguiram atingir a Campanha, por Santa Maria, desbordando Taquari, mas enfraqueceram o sítio de Porto Alegre.

Andréa, apesar do insucesso de Labatut, conseguiu uma grande vitória estratégica, alternativa da derrota pretendida dos sitiantes, ou seja, obrigá-los a levantar, em definitivo, o sítio de Porto Alegre.

A partir dessa vitória, as forças de terra imperiais, com apoio naval, foram se espraiando e se fixando em pontos fortes, bem como ao longo das barrancas norte do rio Jacuí e afluentes e ainda confinando os republicanos na Campanha Rio-Grandense e nas Missões (São Borja e Cruz Alta), tendo estes como capitais: São Gabriel e depois Alegrete. Nas Missões, com pontos fortes em São Borja e Cruz Alta. A região de Cima da Serra passou ao controle imperial.

 

 

A expedição do gen. João Paulo dos Santos

O gen. João Paulo dos Santos Barreto, agora o comandante das Armas , concentrou seu Exército, forte 5000 homens, na região de Cachoeira (Passo São Lourenço). Sua estratégia era penetrar na Campanha e travar uma batalha campal com os republicanos.

E ,assim, procedeu uma longa marcha pela Campanha, de 4 mar. - 13 jun 1841, ao longo da qual sofreu uma guerra de desgaste ou de recursos, eufemismo de guerra de guerrilhas, ou a Guerra à gaúcha.

Chegou ao final, na estância do Carmo, margem direita de Ibicuí, em 21 jul 1841, destituído do comando, com a Cavalaria quase a pé e a Infantaria extenuada e desfalcada pela peste, disenteria e deserções.

Enquanto acreditava estarem os republicanos fugindo de um combate decisivo, estes estavam desenvolvendo uma guerra de guerrilhas, típica da área, chamada então, repito - guerra de recursos ou guerra à gaúcha ,uma doutrina militar genuína desenvolvida nas guerras do Sul contra os espanhóis .

Aproveitando o insucesso desse raid, imaginaram os republicanos um ataque a Rio Grande que não foi efetivado, mas preocupou seriamente a Corte.

 

 

O mal Pereira Valente comprime a mola do Apoio Logístico

O governo Central, desde março sob controle dos líderes do Partido Conservador, substituiu no Comando das Armas o gen. João Paulo pelo mal Tomas Joaquim Pereira Valente e conde do Rio Pardo.

Este, durante o longo período de 14 meses, não alterou o quadro estratégico. O esforço operacional do Império voltava-se então para Minas e São Paulo. Mas dedicou-se a preparar-se logisticamente, ou seja, refazer-se dos desgastes sofridos pelo gen João Paulo. Recebeu esforços de 5.450 homens, ou metade do efetivo total de 11.000 enviados ao Sul, desde 1835.

As revoluções liberais de Minas Gerais e São Paulo haviam trazido um alento moral aos republicanos. Mas este espírito pouco perdurou, pois a discórdia entre os republicanos já começara a lavrar. Discórdia que se evidenciou, mais tarde, na instalação da Assembléia Constituinte, em Alegrete, em 1º dez. 1842, ocorrida cerca de 20 dias depois de Caxias haver assumido, em Porto Alegre, a Presidência da Província, cumulativamente com o comando da Armas .

 

 

5ª fase - A pacificação do Rio Grande do Sul

(5 Nov. 1842 - 1º Mar. 1845 - cerca de 28 meses)

Ao assumir a Presidência e o comando das Armas , em 9 nov 1842,em Porto Alegre , Caxias, precedido da justa aura de Pacificador do Maranhão, São Paulo e Minas Gerais, encontrou o seguinte quadro estratégico:

A tropa ao seu comando ,forte de 11.500 homens, mantinha grandes efetivos no corte de São Gonçalo, face a Pelotas, e em Porto Alegre e Rio Pardo.

O grosso dela acampava no estratégico Passo de São Lourenço, no rio Jacui, a montante de Cachoeira do Sul.

Era passo chave para o ingresso na Campanha Rio Grandense e nas Missões. Já fora usado, para concentrar o Exército Demarcador de Gomes Freire, na Guerra Guaranítica 1754-56, pelo Marquês de Barbacena; para concentrar o Exército do Sul, depois de Passo do Rosário - 20 fev. 1827 e mais pelo gen. João Paulo, em 1841, para investir n Campanha.

O grosso estava desmontado, mas refeito logisticamente da desgastante expedição do Gen. João Paulo. A Marinha exercia pleno domínio das águas navegáveis do Rio Grande: Lagoa dos Patos e Mirim e rio Jacui, etc.

Os republicanos dominavam a Campanha e as Missões com cerca de 3.500 homens. Estavam com o controle de quase todas as cavalhadas da província e fechavam as fronteiras do Uruguai e da Argentina ao recebimento de cavalos pelas forças imperiais .

Nas Missões, com base em São Borja, atuava o cel. Joaquim Teixeira Nunes, e, com base em Cruz Alta, o ten cel. Gomes Portinho. Em Cima da Serra atuavam contigentes republicanos esparsos.

 

 

O Plano estratégico de Caxias

Caxias iniciou a campanha transportando, por terra, 7.000 cavalos de Rincão dos Touros, em Rio Grande, após fixar Netto em Piratini e Canabarro, face ao Passo Lourenço. A montante de Cachoeira do Sul.

Atravessou o São Gonçalo no Passo da Barra. Depois de costear a Lagoa dos Patos e o rio Jacui, por cerca de 80 léguas, atingiu o Passo São Lourenço.

Caxias desenvolveu esforços nos seguintes pontos, o que conseguiu plenamente, em que pese desgastante e persistente ação do Exército da República, sob a liderança de Canabarro, de desgastar e evitar o combate: (Guerra à gaúcha).

1. Conquistar superioridade em cavalhadas, relativamente aos republicanos e, com isto, superá-los em mobilidade ou capacidade de manobrar; (O transporte aqui se enquadra);

2. Ocupar as povoações na Campanha e Missões com Infantaria e Policia e fortificá-los, se necessário, com trincheiras, caso de Canguçu, ou com fortes - caso de São Gabriel (Forte Caxias) e Santa Maria (Forte da Imperatriz);

3. Melhorar as fortificações de Rio Grande e Porto Alegre (Bases navais e terrestres);

4. Abrir as fronteiras nos rios Uruguai e Quarai e, em Santana do Livramento, ao recebimento de cavalos adquiridos no Uruguai e Argentina;

5. Fechar estas fronteiras para o mesmo fim aos republicanos;

6. Fazer transportar sua Infantaria a cavalo e abrir mão da Artilharia de Campanha, para maior mobilidade, conservando-a em sua Divisão;

7. Com o concurso dos caudilhos Oribe e Rosas, fechar as fronteiras, em Santana e nos rios Quaraí e Uruguai, às imigrações dos republicanos;

8. Estimular, no Rio Grande, no Uruguai e na Argentina, a reação e cooperação econômica e militar de imperiais ou dissidentes dos republicanos imigrados naqueles países, ou por eles neutralizados no Rio Grande;

9. Desenvolver, em Passo do Rosário, Rincão Del Rey, em Rio Pardo, e no Rincão dos Touros, em Rio Grande, junto ao canal São Gonçalo, invernadas de cavalos para manter a mobilidade de seu Exército superior a dos republicanos;

10. Não levar a guerra contra a população civil, estimulando-a a sobreviver economicamente e não requisitando dela recursos, como havia feito o gen João Paulo (mandou inclusive recuperar a igreja de Canguçu, base da Ala Direita de seu Exército , que estava quase em ruínas);

11. Proteger a invernada de Rincão dos Touros (Torotama), inclusive com auxílio da Marinha, no corte do São Gonçalo, e com expedições preventivas contra a Serra dos Tapes (Canguçu e Piratini), donde podiam partir ataques;

12. Oferecer o perdão e a anistia aos que depusessem armas (Dec. 18 dez 1844);

13. Tratar da paz em condições honrosas, negociar com firmeza, mas em alto nível de consideração aos negociadores republicanos, não transigindo com propostas de separação do Rio Grande do Império;

15. Conservar para si a direção estratégica da guerra e atuar taticamente com o concurso de oficiais rio - grandenses especializados naquele modo de luta típica das coxilhas que se estava travando - a Guerra à gaúcha .

Assim recorreu ao brig. Bento Manoel e ao ten cel Francisco Pedro de Abreu, ou Chico Pedro, conhecedores da terra e gente rio-grandense e da Guerra à gaúcha .

16. Lançar no centro do "reduto mais farrapo", a Serra dos Tapes (Piratini e Canguçu), com base de operações em Canguçu, atual, nó orográfico desta serra, a Ala Direita do seu Exército, ao comando do citado ten cel Francisco Pedro de Abreu, o célebre Moringue, o mais competente guerrilheiro imperial.

17. Lançar no momento decisivo suas reservas em cavalos, de Rincão dos Touros, para fechar a fronteira do Jaguarão à Revolução, ao único apoio externo que recebiam através do gen. Rivera.

18. Conduzir a guerra no inverno, para provocar o desgaste das cavalhadas republicanas e de seus soldados, por negar-lhes apoio nas povoações, quebrando uma tradição na área de interromper a guerra no inverno;

19. Desenvolver esforços para arruinar cavalhadas republicanas. Isto por obrigá-los à intensa movimentação, ao combate no inverno, por fechar-lhes as fronteiras à importação de cavalos, por localizar e tomar suas invernadas e proteger as dos imperiais de Passo do Rosário, Rincão Del Rey e Rincão dos Touros de incursões ,como a que aconteceu, com êxito, em Passo do Rosário e uma malograda, sobre Rincão dos Touros;

20. Procurar apressar a paz, para prevenir interferência de Rosas e da Inglaterra, que esboçaram desejos de proteger os farrapos, segundo Antônio da Fontoura em seu Diário.

Não se travaram encontros expressivos nesta fase. Os mais significativos foram os de Ponche Verde, a surpresa de Porongos, dois combates de Canguçu e o combate de Serro de Palma, em Candiota, última vitória republicana.

Em 1º mar 1845, em Ponche Verde, foi selada a Paz da Revolução Farroupilha.

Foi o reencontro da Família Brasileira, envolvida em lutas fratricidas desde a Abdicação de D. Pedro I, em 7 Abril 1831.

Por desejo dos revolucionários, Caxias foi mantido na presidência da Província e no comando das Armas . De Ponche Verde a Bagé e depois até Porto Alegre, Caxias foi ovacionado.

Ligou-se desde então afetivamente aos rio-grandenses republicanos, que se tornaram seus amigos e colaboradores nas guerras externas contra Oribe e Rosas, 1851-52, e da Tríplice Aliança contra o Paraguai de 1865-70.

Foi por eles eleito senador vitalício,cargo que exerceu por mais de 30 anos .

A Revolução Farroupilha, se por lado foi mal para a Unidade Nacional, pelas cerca de 3.000 vidas que imolou, resultou em beneficio para a preservação da Soberania e Integridade Nacional, por haver transformado o território do Rio Grande do Sul num laboratório de táticas e de formação de chefes de Cavalaria para as guerras externas de 1851-52 e 1864-70,nas quais imperiais e republicanos marcharam irmanados lado a lado, ombro, em defesa da Soberania e Integridade do Brasil.

Mais da metade do Exército Imperial esteve ao final da Revolução Farroupilha ao comando de Caxias, no Rio Grande do Sul.

Na ação de Caxias, observa-se a ênfase que emprestou aos princípios de guerra da Manobra, da Ofensiva, da Segurança e da Unidade de Comando.

Com isto foi -lhe posível enfrentar a estratégia do fraco contra o forte, ou a guerra de guerrilhas nas coxilhas do Rio Grande, baseada nos princípios de guerra da Manobra, da Segurança, da Economia de Meios e fundamentalmente da Surpresa.

 

 

Algumas conclusões

Quando tiveram início as negociações de paz que culminaram com a paz de Ponche Verde, segundo Henrique Oscar Wiedersphan, os farrapos reconheciam a precariedade de sua situação, confinados a uma área da Província quase sem recursos, sem disporem de nenhuma vila ou povoado com base de suas operações, ou para servir de sede ao que restava do governo e da administração civil, vagando pois sem destino certo e procurando evitar um confronto com a coluna principal de Caxias.

D. Pedro II decidiu ainda terminar a guerra nas condições propostas pelos farroupilhas, basicamente estruturadas por Bento Gonçalves, e disso encarregou Caxias que desde então declarou:

 

"Estar disposto a carregar com qualquer responsabilidade, que possa sobrevir, uma vez que tenho consciência que isto seja o bem da Província e do Brasil".

Por estar doente, Bento Gonçalves mandou o ten cel Ismael Soares da Silva representá-lo em reunião convocada por David Canabarro, para deliberarem sobre a paz. Independente da representação, mandou sua opinião a respeito, que sintetizamos a seguir na carta a Canabarro, de 22 fev 1845, da Estância do Velho Netto:

"Tendo emitido minha opinião.Resta repetir-vos que a paz é absolutamente necessária, que os meios de prosseguir a guerra se escasseiam, o espírito público (opinião pública) está contra qualquer idéia que tenda a prolongar seus sofrimentos, classificando de caprichosa a continuação da atual.

Uma conclusão é sempre preferível aos azares de uma derrota e a história antiga e moderna nos fornecem mil exemplos que não devemos desprezar". (o grifó é do autor).

E, em carta de 6 mar 1845 a Dionízio Amaro da Silva, cinco dias depois da paz de Ponche Verde, Bento Gonçalves faz justiça a Caxias ao escrever:

"Sabes melhor que ninguém que aceitei as negociações da Paz ao ponto de ir contigo ao Campo do barão de Caxias, depois de muitas viagens que para aquele efeito ali havia ido.

Sabes que mesmo o barão de Caxias havia acordado o meio de uma paz que só conseguimos algumas vantagens pela generosidade dele (Caxias). Deste homem verdadeiramente amigo dos rio-grandenses, que não podendo fazer-nos publicamente a Paz, por causa da péssima escolha dos negociadores e da estupidez sem igual dos que a dirigiram, nos fez o barão o que já não podíamos esperar, salvando assim, em grande parte, nossa dignidade".

Finalizando a carta escreveu:

"Sigo para a minha pequena fazenda, unicamente com a ingente glória de achar-me o homem, talvez, mais pobre do país".

Bento Gonçalves, em realidade, foi que fez as primeiras sondagens de Paz com Caxias, das quais resultou o esboço que se concretizou.

Caxias então mandou responder a Bento Gonçalves que dissesse as condições de paz solicitadas pelos farrapos, e que desde que não fosse a separação da Província, podiam pedir o que quisessem, pois tinha poderes para tratar do assunto e ,ainda, que o envio de emissários à Corte era só para preencher formalidades.

Assinalada a Paz, Caxias teve dificuldades, por pressão dos escravocratas do Sudeste de cumprir a "cláusula IV.

"São livres e como tais reconhecidos todos os cativos que serviram a República Rio-Grandense".

Os escravocratas julgaram-na uma afronta ao direito de propriedade.

Chegaram a exigir o cumprimento do artigo 5 das Instruções Reservadas de 18 dez. 1844, enviadas a Caxias que estipulava :

"5º - os escravos que fizeram parte das forças rebeldes apresentadas serão remetidos para esta Corte à disposição do Governo Imperial que lhes dará o conveniente destino".

Canabarro entregou 120 soldados negros dos célebres Lanceiros Negros Farrapos do 1º Corpo de Lanceiros e outros de um Batalhão de Caçadores para serem levados para a Real Fazenda de Santa Cruz no Rio de Janeiro, inicialmente como escravos estatizados.Local sede do atual Batalhão Escola de Engenharia .

Lanceiros negros farrapos sobre os quais escreveu o então major Cláudio Moreira Bento em O Negro na Sociedade do RGS (Porto Alegre : IEL, 1975).

Mas o Barão resistiu à pressão. Concedeu-lhes a alforria prometida, antes.

Aplicou então, o Aviso Ministerial de 19 nov 1838, que assegurou liberdade a todos os soldados republicanos ex-escravos que desertassem de suas fileiras e se apresentassem às fileiras imperiais.

Assim, entre cumprir a instrução reservada que implicava manter escravos fora do Rio Grande, os negros que lutaram pela República e o libertá-los totalmente, conforme a Convenção de Ponche Verde, o Barão conciliou a divergência, libertando os soldados negros da República e os incorporando como soldados e livres ao Exército nas unidades de Cavalaria Ligeira do Rio Grande onde prestaram assinalados serviços, inclusive em Monte Caseros.

Com isso Caxias tornou-se pioneiro abolicionista, Sob este título o cel Claudio Moreira Bento escreveu vários artigos. E ainda dele tratou em artigo sob o título "O Exército e a Abolição" na A Defesa Nacional . 743, 1989, (1º prêmio concurso sobre o tema promovido pela BIBLIEX).

Do comando de Caxias na Revolução Farroupilha, existem as seguintes fontes primárias publicadas:

- CAXIAS, Barão de .Ofícios 1844-46. Rio, Imprensa Militar, 1950.

- IDEM. Ordens do Dia 1844-45. Rio, Imprensa Nacional, 1943.

- IDEM. Documentos seu governo 1844. RIHGRGS, nº 56, 1914,( p. 128).

Os Anais do Arquivo Histórico do Histórico do RGS, publicados em 8v em em 1981, em Porto Alegre e por iniciativa do cel Aeronáutica Moacyr Domingues conté valiosos subsídios sobre Caxias .

Aspectos de seu governo no Rio Grande do sul foram abordados na Segunda Parte em Caxias presidente do Rio Grande do Sul.