CAMPO DE CONCENTRAÇÃO NO BRASIL – DE  PRISIONEIROS ALEMÃES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

 

Sérgio Gustavo Couto Rodrigues 

 

  

Historiador formado pela PUC-SP, Professor de História, Documentalista no Arquivo Público do Estado de São Paulo e
membro correspondente da Federação de  Academias de História Militar Terrestre do Brasil FAHIMTB

 

 

 

 

 

Contato: s1rodrigues@hotmail.com

 

 

 

No auge da segunda guerra mundial a Marinha americana capturou    em águas nacionais marinheiros alemães, e os entregou ao Exército no Recife sendo todos enviados para o 8º Regimento de Artilharia Montada (R.A.M), quartel da cidade de Pouso Alegre - MG, onde ficaram confinados de 24 de agosto de 1943 até 15 de abril de 1944.

            Localizada no sul do estado de Minas Gerais, esta cidade tornou-se, assim, o palco do único campo de concentração militar para prisioneiros alemães de que se tem conhecimento no Brasil.

            É justamente essa questão que se propõe este artigo, cujo objetivo é o de expor uma parte da história infelizmente esquecida, e acrescentar aos trabalhos do Coronel Cláudio Moreira Bento, maior conhecedor do assunto, uma analise nova com um conteúdo inédito sobre a história desse campo de concentração, a vida que os prisioneiros levavam em Pouso Alegre e a reação que isso tudo causou naquela cidade mineira e no Brasil.

            Neste local estiveram confinados, 62 prisioneiros de guerra alemães, dos quais 42 eram da Marinha Mercante e 20 da Marinha de Guerra (Kriegsmarine). Ao todo, eram 14 oficiais, 13 suboficiais e 35 marinheiros. Os primeiros pertenciam ao navio mercante alemão "Anneliese Essemberg", que foi afundado pela própria tripulação em 21 de novembro de 1942, quando foi interceptado por navios da 4ª Esquadra Americana baseada em Recife.

            Os marinheiros chegaram a Pouso Alegre em 21 de setembro de 1943 e os oficiais 3 meses mais tarde, em 29 de dezembro de 1943.

            Ora, Pouso Alegre é um município brasileiro do Estado de Minas Gerais fincado em uma área de 545,354 km², cuja população, em 2011, foi calculada em 130.586 habitantes, sendo o 2º município mais populoso do Sul de Minas e o 19º do estado de Minas Gerais. No entanto, naqueles idos de 1940, tratava-se de uma pequena cidade do interior mineiro e, como tantos outros, conhecido por seus provincianismos, sua vida pacata e rotineira.

            Com posição privilegiada a cidade localiza-se às margens da Rodovia Fernão Dias, a 180 km do Município de São Paulo, a 373 km da Capital de Minas Gerais e a 391 km do Rio de Janeiro. Uma cordilheira de morros e montanhas que também a margeia termina no Estado do Rio de Janeiro. A altitude máxima encontrada no município é de 1347 metros (na Serra de Santo Antônio) e a altitude mínima encontrada no município é de 810 metros (na foz do Rio Cervo). Portanto, um entroncamento perfeito para abrigar um campo de Concentração se pensarmos no isolamento geográfico, na interioridade territorial e nas conexões com a então capital do país.

            Esta pequena cidade, com costumes e tradições típicas de uma pequena concentração urbana do interior de Minas Gerais, onde a vida corria de forma pacata, com poucos estranhos adentrando a seus espaços, em que as relações de vizinhança se sobrepunham a quaisquer outras, onde o assunto do dia costumava ser relativo ao quotidiano da vida privada, recebe um conjunto de prisioneiros de guerra e vê instalado no quartel militar ali sediado, um campo de concentração para nazistas. Em principio, só esta palavra “campo de concentração” já poderia representar uma violência para esta cidade.

            Sabemos que os campos de concentração foram amplamente disseminados na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, e na Rússia, durante a era stalinista. As atrocidades cometidas contra os prisioneiros em muitos desses campos, fez com que fossem associados a campos de extermínio, de que, de fato, constituem um subtipo, principalmente porque a maior parte deles abrigou civis. Um exemplo de campo extermínio para civis foi Auschwitz, no Sul da Polônia. Ou até mesmo o campo de Sachsenhause, na Alemanha. Eram locais muito semelhantes a complexos penitenciários. Havia distinção de alojamentos de homens e mulheres. Era praticado trabalho escravo, e também servia para confinar e liquidar opositores do governo, judeus, ciganos, homossexuais, testemunhas de Jeová e etc.

            O tratamento dado a prisioneiros de guerra, tanto civis quanto militares, nos campos de concentração em tempo de guerra, é regulado por leis ou normas de caráter internacional. Durante a Segunda Guerra, o tratado vigente era a Terceira Convenção, escrita em 1929. Anteriormente, já haviam sido firmados, desde 1864, os princípios que os países beligerantes deveriam seguir.

Após os holocaustos e diversas outras atrocidades cometidas pelos nazistas que levaram também à exploração de mão-de-obra em regime de escravidão, bem como ao extermínio de presos políticos, prisioneiros de guerra e membros de grupos étnicos, por motivos ideológicos, políticos ou militares, foi instaurada uma Quarta Convenção, ampliando-se o espectro do que passou a ser considerado “crimes de guerra”. Firmada em Genebra, em 12 de agosto de 1949, essa normatizou as regras de confinamentos para prisioneiros de guerra e definiu a obrigatoriedade do tratamento humanitário a ser garantido a essas pessoas. Em tese, tais regras já estavam definidas desde 1929, mas foi apenas após 1949 que as nações signatárias das convenções se tornaram passíveis de serem fiscalizadas pelas organizações internacionais de defesa de direitos humanos.          

Analisando uma situação como esta, pensamos: Por que Pouso Alegre? Por que uma cidade tão pacata e do interior de Minas Gerais foi escolhida para abrigar um campo de concentração desse porte quando havia muitas outras bases militares mais próximas do lugar em que os alemães foram aprisionados? Sobre o que os habitantes da cidade pensaram sobre tal fato? Ao longo deste artigo, essas questões serão sanadas e enfim, uma parte da história há muito tempo esquecida se revelará.

            É sabido que o Brasil lutou ativamente na Segunda Guerra Mundial. Mesmo que tenha sido relativamente modesta se comparada à de outros países que entraram antes no conflito, nem por isso deixou de ser significativa.

Por uma questão de analise, busco aqui resgatar alguns dados para se entender os reais motivos que tivemos um campo militar para prisioneiros aqui no Brasil. Em 1942, Getúlio Vargas declarou guerra contra as forças nazistas de Hitler;. Por volta de 1937 – 1945, o Brasil se encontrava no Estado Novo, ditadura comandada por Getúlio Vargas. Foi nesse mesmo período que as grandes potências mundiais entraram em confronto na Segunda Guerra, onde observamos a cisão entre os países totalitários (Alemanha, Japão e Itália) e as nações democráticas (Estados Unidos, França e Inglaterra). Ao longo do conflito, cada um desses grupos em confronto buscou apoio político-militar de outras nações aliadas.

            A importância da participação do Brasil não foi apenas lutando na Europa, com os pracinhas, mas também se explicita pelo impacto que provocou na correlação de forças entre países latino-americanos e o conflito europeu que se tornou mundial. Por exemplo, a Argentina declarou-se neutra, porém apoiava as forças do eixo e, inclusive se beneficiou disso, tornando-se um importante fornecedor de produtos para a Alemanha, para a Espanha e a Itália. Por conta destas relações, navios alemães circulavam na costa atlântica.

            Assim, quando o pêndulo do Brasil voltou-se para os aliados, - por pressão norte-americana que entrara tardiamente no conflito-, isto significou também um contraponto na correlação internacional em guerra. Por um lado, colocava-se a necessidade de vigiar melhor a costa atlântica, de outro impedir o comércio argentino com o Eixo.

            Significou também a ameaça de ataques aos navios brasileiros baseados na costa, cujos bombardeios de submarinos e navios alemães e italianos eram noticiados com grande destaque pela imprensa, gerando muita indignação popular. Um dos destaques foi o afundamento do Navio Itapagé. De acordo com o Jornal Diário de Notícias de Alagoas, de 2 de Outubro de 1943:

“O ataque ao navio da Costeira foi realizado em pleno dia por um submarino alemão (...) Cerca de 30 pessoas, entre passageiros e tripulantes, acham-se mortas ou desaparecidas – Mulheres e crianças entre as vítimas - Requinte de Selvageria do comandante do Corsário.”

 

 

Também os navios norte-americanos passaram a costear esta parte do Atlântico, visando auxiliar a marinha brasileira e impedir que os navios do Eixo tentassem usar nossos portos para abastecimento, ou mesmo interceptando suas passagens para o sul.

            O Brasil assumia grande importância estratégica para a defesa do continente. Por sua proximidade relativa com a África, o Nordeste brasileiro se constituía num alvo provável de uma eventual invasão da América do Sul e, ao mesmo tempo, representava um local ideal para a partida de aeronaves que se dirigissem para a África e União Soviética desde o continente americano. A cidade de Natal apresentava grande interesse militar, podendo servir de base de apoio à travessia de aviões do Atlântico Sul e, no caso de uma eventual tentativa de invasão do continente, num ponto estratégico para um possível ataque ao Canal do Panamá.

            Diante disto, a Alemanha nazista resolveu torpedear qualquer navio que transportasse mercadorias que poderiam de algum modo, ajudar no esforço de guerra dos Aliados. A Alemanha passou, então, a torpedear tanto navios Aliados quanto de países neutros. Com essa decisão, ela também pretendia prejudicar a União Soviética, impedindo que os soviéticos recebessem, por meio das rotas marítimas, qualquer ajuda de britânicos e norte-americanos.

            Dessa maneira, em 1941 um avião militar alemão atacou um navio brasileiro no Mediterrâneo, vindo a falecer o comandante e tendo ficado feridos treze tripulantes. Era a primeira agressão alemã a embarcações brasileiras. Algum tempo depois o navio brasileiro -Santa Clara- desaparecia próximo às ilhas Bermudas, em condições de bom tempo, o que gerou suspeitas de que havia sido afundado por um submarino alemão.

            No ano seguinte, houve um rompimento das relações diplomáticas entre o Brasil e os países do Eixo, iniciando-se uma longa série de ataques de submarinos alemães à marinha mercante brasileira.

            Era evidente que a opinião pública se indignava com os ataques e se comovia com a tragédia de tantas vidas humanas perdidas. A cada navio afundado, mais brasileiros tomavam partido contra a Alemanha e saiam às ruas em manifestações, exigindo do Governo a declaração de guerra ao Eixo. Assim, Getúlio Vargas declara guerra contra os italianos e alemães em agosto de 1942.        

            Após a introdução do contexto do Brasil na Segunda Guerra e de situarmos as medidas tomadas e as causas pelas quais o Brasil entrou em Guerra contra a Alemanha Nazista, retornamos ao ponto chave da pesquisa buscando responder as indagações que nos colocamos sobre o citado campo de concentração naquela cidade do interior mineiro.

Conforme indicado, os prisioneiros alemães foram transportados para Pouso Alegre e ficaram sob a vigilância da 8º R.A.M. Este Regimento de Artilharia  Montada foi criado em 19 de Março de 1918, tendo participado ativamente de acontecimentos importantes para o Brasil, como nas revoluções de 1924, 1930, 1932 e na Segunda Guerra Mundial, enviando tropas para o combate. Teve seu nome e sua função alterados em 1972, durante o Estado Novo, para 14º Grupo de Artilharia de Campanha.

            Tais prisioneiros permaneceram no Brasil, por cerca de 16 meses, período transcorrido entre a sua prisão aqui e o embarque para os Estados Unidos. De lá os 62 prisioneiros de guerra alemães  foram enviados para Portugal, onde foram trocados por 144 brasileiros do corpo diplomático na Europa, presos pelos alemães.

O campo de Pouso Alegre foi regulamentado pelo Ministério da Guerra por meio do Aviso Reservado número 411/348, de 24 de agosto de 1943, no qual o general Mario José Pinto Guedes, respondendo pelo expediente, designou o quartel do 1º Grupo do 8º Regimento de Artilharia Montada de Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais, como sede do campo de prisioneiros de guerra a ser instalado e regulamentado pela Convenção de Genebra.

Com o Atlântico sendo vigiado pelos EUA, e constantemente havendo incursões nazistas nas costas marítimas brasileiras, era de se esperar que em um determinado momento algum navio alemão seria afundado. De tal maneira, em 1942, o Anneleise Essberger, um cargueiro furador de bloqueio, destinado a abastecer os submarinos alemães no Atlântico de combustível, mantimentos, munições e matérias-primas e que rumava do Japão pelo Atlântico Sul, foi interceptado pela 4ª Esquadra Americana, sediada em Recife, sob o comando do Almirante norte-americano Jonas Ingran, já na linha do Equador.

Desde o início de novembro, cruzadores e contratorpedeiros norte-americanos aguardavam a chegada de furadores de bloqueio do Eixo, quando, no dia 22, o Somers da esquadra americana aproximou-se de um navio desconhecido intimidando-o a se identificar. A demora visava retardar sua captura pelos Estados Unidos possibilitando que a própria tripulação o destruísse.

Sendo assim, foi afundado pela própria tripulação, em 22 de novembro de 1942, na posição 00.54-N — 22.34-W, próximo do Equador, após ter sido descoberto, disfarçado em navio no­rueguês de nome Skjilbred, pelo Grupo Ta­refa 23-2 dos EUA. Reservo um capítulo final à parte para tratar sobre este navio.

Ao cair da noite, com o cargueiro afundando, seus tripulantes foram capturados e levados para Recife. Os 62 prisioneiros alemães, 15 oficiais e 48 suboficiais e marinheiros, foram entregues aos cuidados do General Mascarenhas de Moraes, por não dispor o Almirante Ingram, comandante da 4ª Esquadra americana, de instalações apropriadas em seu navio.

O General brasileiro era comandante da Polícia Militar de Pernambuco (PMPE), desde abril 1941. Por indicação do General Mascarenhas de Moraes, o Capitão de Infantaria José Arnaldo Cabral de Vasconcelos (em 1991 general-de-brigada reformado), foi o responsável por cuidar dos prisioneiros, estes lhe foram confiados por cerca de 7 meses, de novembro de 1942 a julho de 1943.

Os prisioneiros foram recebidos pesso­almente pelo Capitão José Arnaldo, na Praça do Derby, vindos de bordo do cruzador Cincinatti em viaturas do Exército.

O Capitão José Arnaldo, em alemão, ex­plicou em breves palavras, como os prisio­neiros deviam se conduzir. "Eles se mostra­ram obedientes, atenciosos e disciplinados, à exceção de dois, que foram encaminhados à Casa de Detenção do Recife, até embarca­rem para o Rio. Ali eles ficaram afastados dos prisioneiros de Justiça".

Os prisioneiros foram ouvidos por uma comissão da 7a Região Militar, formada por um oficial médico descendente de alemães e outro da Reserva, descendente de holande­ses. Ambos falavam alemão. Depois foram ouvidos por uma comissão vinda dos EUA, presidida por um almirante.

De Recife foram conduzidos para o Rio de Janeiro pelo navio brasileiro Poconé, aportando na capital federal em 03 de julho de 1943 e recolhidos pela Polícia Militar do Distrito Federal, no Regimento Caeta­no de Faria de Cavalaria, da Polícia Militar do Estado, comandada pelo Coronel Odylio Denys. Os prisioneiros foram identificados e registrados pela Polícia Mili­tar, no Livro Registro Geral dos Prisionei­ros Alemães no Brasil, Livro de n- 24. Per­maneceram no Rio de 3 de julho a 21 de se­tembro de 1943, ou cerca de 2 meses e 19 dias.

Os alemães capturados do navio Anneleise Essberger foram encaminhados a Pouso Alegre em dois grupos. Em 21 de setembro de 1943 chegaram 48 homens, entre suboficiais e marinheiros, que ficaram alojados na 2a Bateria do quartel. Em 29 de dezembro foi a vez dos 14 oficiais, que foram alojados na seção extraordinária. No grupo de 62 prisioneiros, todos alemães, mais da metade tinha entre 15 e 25 anos, e os demais de 25 a 40 anos. Johann Prahn, comandante do navio, era o mais velho, com idade em torno de 52 anos. No navio cumpriam funções de engenheiros, operadores de rádio, eletricistas, operadores de máquinas, cozinheiros, enfermeiros, padeiros, açougueiros.

O trajeto pela Rede Ferroviária Mineira de Viação Sul da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, até a pequena estação próxima ao quartel do Exército de Pouso Alegre levava 12 horas, com uma baldeação na cidade paulista de Cruzeiro. Além da desconfortável viagem, os prisioneiros alemães ignoravam o destino do trem devido às venezianas bloqueadas, que os impediam de ver a paisagem. Ao chegarem a Minas, em trajes civis, com uma ou outra peça remanescente do uniforme da marinha alemã, traziam pouca bagagem, com mudas de roupas e raros objetos pessoais. Marcharam da estação de trem até o quartel, escoltados por cinco sargentos, três cabos e 15 soldados do Batalhão de Guardas, sob o comando do Primeiro-Tenente Diniz Silva.

O impacto que o trem com os prisioneiros causou na população quando chegou à estação foi registrado originalmente pelo jornalista Daniel Linguanoto, da Revista O Globo, que colheu as impressões de um Sargento anônimo. Anos depois o artigo foi reproduzido pela revista Coletânea. Assim descreve o Sargento o impacto da população:

 

(...) a população invadiu a plataforma na expectativa de ver de perto um soldado nazista – as "feras do Terceiro Reich". Muitos pouso-alegrenses ainda estavam combatendo na FEB, Itália. Por isso ouviam-se entre as pessoas retalhos de frases rancorosas sobre os soldados e a pergunta "Por que escolheram Pouso Alegre, para abrigá-los?". Os prisioneiros foram desembarcando um a um e se perfilando na plataforma da estação. Seus uniformes consistiam em uma túnica escura, calças brancas e quépis onde brilhavam o metal da águia simbólica. Diz o artigo da revista que nem o saco de roupas que carregavam no ombro disfarçava a postura arrogante e orgulhosa. Para quem estava na estação, houve um clamor de certa decepção. Os soldados não passavam de guris, com idade por volta de dezoito anos, e isso fez com que o bom humor e a cordialidade dos pouso-alegrenses se manifestasse: "Tanto estardalhaço por causa de uns meninos!".

 

A considerar os depoimentos da época, o fato dos soltados alemães serem muito novos foi o que mais causou impacto, conforme se comprova com mais um relato do anônimo Sargento, no citado artigo:

 

“O oficial brasileiro que os acompanhara desde o Rio começou a chamada nominal:

- Capitão Leo Hoffmann! Ouviram-se o bater de tacos e um resmungo.

- Hans Stener Julius Hiller!  Á medida que os olhos se foram habituando à obscuridade, percebemos que a maioria dos marinheiros não teria mais de 18 anos, com exceção dos oficiais. Um dos espectadores, que transmitia informações aos que estavam mais longe e nada podiam ver, exclamou um tanto decepcionado:

- Ora são todos uns guris. Não tardou que a animosidade se desvanecesse. Multiplicaram-se os cochichos e os comentários, sem a nota colérica e ameaçadora de há pouco, mas num tom amável e despreocupado. Em menos de cinco minutos, ouvia-se a primeira piada, seguida de outras, apoderando-se de todos o bom-humor e a cordialidade caracteristicamente nacional. Uma senhora observou: - Esta é boa! Tanto estardalhaço por conta de uns meninos! (...)”.

 

Creio ser interessante esse pequeno trecho, pois além de descrever como se vestiam e se portavam, também mostrou que assim que foram avistados os alemães, perdeu-se o medo, o temor deles, e logo os pouso-alegrenses mostraram despreocupação com o assunto.

Mas quem nos conta com maiores detalhes o momento da chegada dos prisioneiros a Pouso Alegre foi o já citado Sargento, no mesmo artigo:

 

“Na noite escura, no mês de Junho de 1943. A estação ferroviária de Pouso Alegre (Minas Gerais) apresentava um aspecto fora do comum. Conforme vinha acontecendo com freqüência, a cidade mais uma vez ficara às escuras. Não se tratava de "black-out" motivado pela guerra, mas de mera deficiência da esclerosada usina elétrica local. Em frente à gare aglomeravam-se praticamente todos os moradores de Pouso Alegre - exaltados, inquietos, ardendo de curiosidade. Vibravam ainda em seus nervos os ecos dos últimos acontecimentos; o Baependi posto a pique e a consequente indignação do povo enfurecido que depredara estabelecimentos de alemães e italianos. Agora, aguardavam a chegada de 62 prisioneiros de guerra: marinheiros alemães que procediam do Rio para o "campo de concentração" em Pouso Alegre.

 

Naquele tempo, o povo brasileiro estava enfurecido com os alemães e conseqüentemente com os italianos também, aliados do Eixo, por conta dos afundamentos dos navios brasileiros por submarinos nazistas, e ao saberem da chegada de prisioneiros de guerra, os pouso alegrenses descontaram a fúria até mesmo em estabelecimentos de imigrantes italianos e alemães. Com relação à falta de luz, o motivo é que o país crescia num ritmo acelerado e não havia rede elétrica para atender a todos.

“- Logo hoje é que foi faltar luz! Este povo é capaz de linchar os prisioneiros. Tomem nota do que estou dizendo! - Depois, dirigiu-se a mim: - Sargento! Chame todos os taxis da cidade e trate de formar uma fileira de faróis acesos ao longo do percurso ao quartel”.

 

No artigo de Daniel Linguanoto também nos é descrito como foi montado o campo de concentração:

 

 “(...)Uma cerca de arame farpado circundava um alojamento de dois pisos, no centro da imensa área ocupada pelo quartel do 8º Regimento de Artilharia Montada, a dois quilômetros de Pouso Alegre. Inteiramente isolado dos demais edifícios, o referido alojamento dispunha de uma vasto espaço de terra livre. Era aí o "campo de concentração". Mas a essa expressão sinistra, a rigor, imprópria para designar o presídio que as autoridades brasileiras recolheram os prisioneiros de guerra nazistas. As janelas foram guarnecidas com grades de ferro e todas as portas substituídas e reforçadas com um complicado sistema de segurança que tornava impossível abrir-se uma porta sem antes fechar a outra. Nas edificações próximas, holofotes apontavam para o "campo". E, no corpo da guarda do quartel, um sistema de alarme mantinha-se em comunicação permanente com o corpo da guarda do presídio. (...)”.

            Lendo esses trechos percebe-se que a intenção de manter um local de isolamento para os presos foi bem cumprida, de fato a fuga de um lugar como esse seria praticamente impossível, visto o nível de segurança que nos foi descrito.

Com relação ao treinamento que os soldados brasileiros tiveram para “hospedar” os prisioneiros, nos é dito que:

 

 “(...) muito antes da chegada da primeira e única leva de prisioneiros, fora submetida a uma série de longos e penosos exercícios para o cabal desempenho de suas funções. A qualquer momento (alta madrugada ou a hora do rancho) a sereia de alarme punha-se a uivar e tínhamos de correr, para sem perda de um segundo, os pontos estratégicos do "campo". E ali, permanecíamos, vigilantes e dispostos a tudo, a fim de impedir a fuga espetacular de fantasmas...”.

 

Vemos nesse pedaço de texto que o quartel de Pouso Alegre se preparou bem para uma situação de emergência, o que é padrão no Exército Brasileiro em casos de extrema necessidade de atenção e de cumprimento de ordem. Os militares sempre estão a disposição e equipados para o que der e vier.

Após isso, dando continuidade ao texto de Linguanoto, nos é descrito como estavam os aspectos dos soldados alemães:

 

“Pouco antes de chegarem ao "campo" os caminhões que levavam os prisioneiros, a usina elétrica, após titânica luta com seu emperrado equipamento, voltara a funcionar e as luzes brilharam outra vez. Toda a oficialidade do 8º RAM aproveitou então a claridade e dirigiu-se ao "campo" para examinar os internados. Destes, os que pertenciam à marinha mercante chegaram bem barbudos, mas os da marinha de guerra estavam perfeitamente escanhoados. Todos, porém, necessitavam com urgência de aparar as compridas e louras melenas”.

 

É de praxe de qualquer exército bem preparado manter-se apresentável, mostrando um elevado grau de higiene e impondo respeito dessa maneira. A marinha mercante, por se tratar em partes de civis, estava desleixada, mas os militares por serem um símbolo de um país devem sempre dar o exemplo.

Em Pouso Alegre, o comandante do quartel determinou que o prisioneiro mais velho dentre os de maior graduação fosse o intermediário entre o comando militar brasileiro e os prisioneiros de guerra alemães. Assim, em 21 de setembro de 1943, ao chegar ao campo de concentração o primeiro grupo de prisioneiros, Rudolf Genkow, de 32 anos, suboficial assumiu o comando do seu grupo, dando ordens em alemão aos marinheiros.

 

Todo o alojamento fora cuidadosamente limpo pelos soldados brasileiros, mas, ainda assim, os alemães puseram-se a varrer e a esfregar, como se estivessem em seu navio. Afixado à porta de uma privada com defeito [...] [lia-se]: Nicht benutzen! (Não utilizar). Dividiram o espaço do alojamento, repartiram as camas entre os homens e colocaram os primeiros avisos. Genkow controlava tudo, olhando, perguntando, chamando a atenção [...].

 

Um caso curioso que no começo gerou uma reação ruim por parte dos brasileiros, por pensar que os alemães estavam de alguma maneira fazendo um motim, ou algo do tipo, como descreve o Sargento anônimo no artigo de Linguanoto:

“[...]apareceu-me um soldado com os olhos quase a saírem das orbitas e uma expressão de assombro na fisionomia. Bradou-me ele:

-Sargento, corra aqui! Venha ver, por favor! Aquela gente é louca. Corra, corra sargento! Algo de anormal ocorrera e os meus pressentimentos foram os piores possíveis. Seria milagre se não surgisse uma alteração numa noite em que a guarda ficava ao meu cargo. Sem dúvida, as "feras nazistas" começavam a mostrar as garras e já estavam fazendo desordem.

Perguntei ao soldado:

- Mas de que se trata, no fim das contas?

- Venha ver - tornou ele. Venha ver, Sargento. Aquela gente é louca! Sabe o que estão fazendo. Faxina! Faxina!”

 

Os marinheiros do Anneliese Essberger não trabalhavam em Pouso Alegre, mas a limpeza do próprio alojamento era feita por eles. Passavam o dia estudando, tendo aulas de navegação, de máquinas, de sinalização semafórica ou de História e Moral e Civismo, esta acompanhada de canções militares e religiosas ministradas por eles próprios. Faziam ginástica, liam, jogava, ou simplesmente passeavam e conversavam sob o sol ameno da região mineira.

 

            Daniel Linguanoto em seu texto, nos descreve as atividades físicas:

 

“...Os prisioneiros começaram com simples flexões musculares e terminaram com uma partida de “bola militar”, uma espécie de “rúgbi” violentíssimo, no qual todos os golpes são lícitos. Disputaram ainda um jogo parecido com aquele que no Brasil chamamos de “rugby” – porém muito mais violento do que este. Ao que parece, divertiam-se muito, se bem que um dos digladiantes chegasse a fraturar um braço. Os demais não se impressionaram e continuou o jogo, enquanto os padioleiros do 8º RAM socorriam a vitima, rapaz imberbe de 17 anos. Tratando-se de uma simples ginástica “para espichar as pernas”, por pouco um dele não espicha a canela...”.

 

A bola militar é utilizada também pelo Exército brasileiro. Nos meus tempos de quartel, quando fui soldado do 28º Batalhão de Infantaria Leve de Campinas, também pratiquei esse esporte por inúmeras vezes. De fato é um esporte bruto, porém divertido. Acidentes aconteciam ocasionalmente.

Os horários determinados para as refeições e recreio não eram os mesmos para oficiais e marinheiros e suboficiais. Os menos graduados tinham uma hora de recreio às 9h30 da manhã e outra às 14h00, almoçando e jantando, respectivamente, às 10h50 e às 16h30. Os oficiais faziam suas refeições no segundo horário, imediatamente ao término dos suboficiais e marinheiros. O intervalo da tarde foi concedido apenas a partir de janeiro de 1944.

Durante os sete meses de funcionamento desse campo, oficiais da 4a Região Militar (Minas Gerais) e do Estado Maior do Exército inspecionaram o local. “Consta que os prisioneiros receberam visita de diplomatas do Itamaraty, da embaixada espanhola e da Cruz Vermelha Internacional, esta última também incumbida da troca de correspondências, como de praxe.”

Inclusive, o sargento anônimo conta a Daniel Linguanoto que os alemães foram muito bem tratados pela embaixada da Suíça, enquanto os brasileiros se alimentavam mal, pois o governo havia aumentado o efetivo do quartel, sem aumentar a verba da comida, como descreve:

 

 “(...) No Regimento havia então uns mil homens, mal acomodados e que se entregavam a estafantes exercícios. Com o aumento do efetivo, a alimentação piorou consideravelmente. Certo dia, um pracinha recusou o “jabá” (carne seca) que lhes serviram, sob a alegação de que estava deteriorado (...) Exatamente nesta ocasião, chegaram várias caixas enormes para os prisioneiros, enviadas através da Embaixada da Suíça, contendo desde livros, revistas e papel de cartas até charutos finos, cigarros, bombons, apetrechos de esporte, conservas, presuntos, queijos, etc.”  E continua o Sargento a descrever mais a frente: “ Ora, não poderia haver momento mais impróprio para a chegada de tais coisas. Verdade e que os “boches” comiam a mesmíssima comida da tropa. No entanto, eles recebiam, apesar de prisioneiros e conforme as praticas internacionais, os rendimentos correspondentes aos postos, que eram mesmo os dos soldados rasos, muito superiores aos dos nossos pracinhas. Um marinheiro alemão, por exemplo, percebia mais ou menos 140 mensais, enquanto um pracinha arranchado recebia 21 cruzeiros. Assim, os prisioneiros estavam em condições de comprar frutas, leite e café, e suprir dessa maneira as deficiências do “rancho”.

 

Como prisioneiros de guerra, os oficiais alemães deveriam receber o soldo que lhes fora pago a partir de um crédito extranumerário que o 1/8° RAM recebia da 4a Região Militar, aprovado pelo Decreto-lei n.5594-A.

Os prisioneiros também receberam visitas freqüentes de membros da Embaixada da Espanha, que representava os negócios da Alemanha no Brasil e que lhes pagava os vencimentos, bem como da Cruz Vermelha Internacional.

A Cruz Vermelha era responsável por intermediar o intercâmbio entre os prisioneiros e seus familiares, na Alemanha, e fornecia-lhes material de esporte e alimentos especiais. Em Pouso Alegre, ficaram na memória local os salames, mortadelas e presuntos pendurados. Tantos “mimos” chegavam a provocar indignação nos soldados brasileiros, como conta Linguanotto:

 

 “Essa é boa” – murmuravam os soldados “Enquanto nos martirizamos em exercícios estafantes para combatê-los, eles, aqui, nas barbas da gente, levam este vidão.” E a tropa, até então disciplinada, confiante, passou a ser dominada pelo rancor e pela má vontade”.

 

Apesar desse mal estar, a convivência entre os prisioneiros e seus guardas foi amigável. Os guardas forneciam-lhes cigarros, item que não era farto entre eles. Houve apenas um mal estar ocorrido durante esse evento. De acordo com o artigo de Daniel Linguanoto:

 

“Desde o inicio, um dos prisioneiros fez convergir sobre a sua pessoa todas as antipatias da tropa. Descarnado, alto, beirava os quarenta e vivia fechado num mutismo que a todos afigurava arrogante. Cobria-lhe o rosto comprido uma intensa barba castanha. Tinha o posto de tenente e, segundo parecia, não usava de muita cordialidade nem com os próprios companheiros. Os pracinhas chamavam-lhe “Conde de Monte Cristo” e ninguém acreditava que ele fosse apenas tenente. Sob tal disfarce, não estaria ali uma alta personalidade do Reich? Seria, no mínimo, um perigoso espião!

 

As maneiras um tanto insolentes e ao mesmo tempo singulares do “Conde de Monte Cristo” concorriam para reforçar a hipótese. Não trocava palavra com ninguém e tinha por hábito instalar-se a uma janela do segundo pavimento, de onde podia observar toda a atividade do quartel. Deixava-se ficar ai o dia inteiro e foram incontáveis as noites em que o encontramos no mesmo lugar. Não perdia nada de vista, mas a verdade e que seu rosto nunca transparecia qualquer interesse ou sentimento. Era uma perfeita mascara imóvel de encontro às grades.

 

Por tudo isso, a atitude de escárnio atribuída ao “conde de Monte Cristo” causava indignação. No tenente barbudo e taciturno concentrava-se toda a raiva reprimida da soldadesca: ele encarnava o terceiro reich. Ao avistá-lo, os pracinhas dirigiam-lhe aos berros os piores insultos que se podem articular no idioma Bocage. Esta visto que o “Conde de Monte Cristo” escutava tudo com suprema indiferença: não entendia patavina de português. Talvez o homem fosse apenas um pobre maníaco, talvez sentisse a alma dilacerada pela nostalgia da pátria ou pela saudade da família. Todavia, ninguém cogitava disso. A ninguém preocupava a condição humana do “Conde de Monte Cristo”.

 

Certa noite, de súbito, um estampido quebrou o silêncio noturno e abalou o quartel inteiro com a força de uma explosão.

 

Ao ouvir o tiro, não houve um único soldado que permanecesse em seu lugar. Corremos todos para os lados de onde viera a detonação, fomos encontrar um pracinha como que alucinado, de mosquetão em punho e preparando-se para desfechar um segundo tiro no “Conde de Monte Cristo”. A pontaria do rapaz falhara na primeira tentativa e o “Conde” continuava impassível à janela...

 

Foi difícil dominar o pracinha e mais difícil ainda fazê-lo recobrar a sanidade habitual. Mas por fim, tudo voltou à normalidade e a vida do “Conde de Monte Cristo” não correu mais perigo daí em diante”.

 

 

Por mais que a situação estivesse controlada, sempre houve um temor entre os soldados que aquelas figuras do Terceiro Reich pudessem estar tramando algo, era uma situação sinistra da qual se encontravam. Mas apesar de tudo, houve momentos em que os militares nazistas pareciam mais humanos, como expressar sua cultura por meio de concertos e teatros. Conta o Sargento anônimo:

 

“Certa tarde, porém, estourou uma “bomba”: o “Conde de Monte Cristo” pedira permissão para dar um concerto!

 

Surpresa maior não nos poderia proporcionas aquele homem sinistro. Reuniu uma dezena de garrafas vazias. Enchendo-as gradativamente de água, afinou-as como marimbas. O barbudo tenente possuía excepcional aptidão para a música. Envolveu dois pedaços de seu instrumento improvisado. Durante uma noite inteira tocou valsa de Strauss, Waldteufel, Kalman e Luhar. E tudo sem que o seu rosto de estátua perdesse por um momento seque a imobilidade de pedra.

 

A não ser os próprios prisioneiros, ninguém mais obteve permissão de assistir ao concerto. Mesmo assim, no dia seguinte não se falou noutro assunto. Foi tal o êxito do “Conde de Monte Cristo” que diversos elementos prestigiosos da cidade solicitaram ao comandante a necessária licença para uma audição publica das “garrafas afinadas”. Isto, porém, seria contrariar o regulamento e o comandante não transigiu. De “qualquer forma, a partir dessa data desvaneceu-se toda e qualquer prevenção contra o “Conde””.

 

Interessante um campo e concentração ter uma atividade tão descontraída e fora dos padrões.

 

“Depois do concerto do “Conde de Monte Cristo”, o Capitão Hoffmann pediu licença para organizar um espetáculo teatral entre os prisioneiros. Escreveu uma comédia, ensaiou-a e por fim levou-a a cena. O naipe feminino compunha-se de marinheiros cujos “vestidos” eram toalhas de banho com fios de sacos de aniagem improvisaram cabeleiras. Foi outro sucesso”.

 

Por fim o artigo se encerra com um resumo do que foi o modo de vida no campo de concentração brasileiro:

 

 “O hábito e a convivência com os prisioneiros acabaram por extinguir qualquer ressentimento. Eles, por sua vez, mostravam-se mais amáveis. Só não conversávamos com eles devido a rigorosa proibição e por ignorarmos o seu idioma. Tão calma era a vida para os alemães que os mais graduados começaram a lecionar os outros. Usavam os quadros negros do alojamento, dispunham de giz, caderno e lápis. O mais curioso é que ninguém se lembrou de indagar em que consistiam as lições. Cultivavam também uma bonita horta. “Herr” Hiller, um dos mais idosos, resolveu plantar rosas. Desta forma, oito meses após sua chegada ao “campo de concentração” os 62 prisioneiros de guerra nazistas tinham uma vida feliz e tranqüila, sem sofrer o mínimo vexame. Para aquele grupo de guerreiros não havia guerra nem sobressaltos, graças à magnanimidade do comandante do campo, homem enérgico e inflexível, mas que sabia sobrepor-se as paixões vulgares e mesquinhas.

 

Quando as rosas de “Herr” Hiller começaram a desabrochar chegou para os prisioneiros a ordem de embarque. Seriam trocados por 144 brasileiros detidos na Alemanha. À hora da revista noturna o capitão Hoffman pediu licença para dirigir algumas palavras de gratidão às autoridades brasileiras pelo humano tratamento que lhes fora dispensado. “Herr” Hiller, antes de sair, ainda colheu algumas rosas e meteu-as no saco de roupa. Já na manha seguinte, um trem especial deixava Pouso Alegre com destino ao Rio, onde uma belonave norte-americana aguardava os marinheiros germânicos.”

 

Os prisioneiros de fato foram muito bem tratados, melhor inclusive se estivessem que estar lutando na segunda guerra, passando fome, frio, cansaço, dor.

Para finalizar a epopéia dos prisioneiros, em “15 de abril de 1944, no trem que partia rumo a Pouso Alegre às quatro horas, os 62 prisioneiros alemães, escoltados por soldados da 2o Bateria do 1/8° RAM, deixaram o campo militar no sul de Minas Gerais e regressaram ao Rio de Janeiro, onde foram novamente alojados no Regimento Caetano de Farias da Polícia Mi­litar, posteriormente, rumando para Recife por via marítima, sendo acomodados no Campo de Instrução do Exército de Engenho da Aldeia até embarcarem para a Flórida, onde seriam repatriados”.

Por fim, retornando aqui as questões que nos foram pertinentes durante todo o artigo, Pouso Alegre é uma cidade bem localizada e era, naquela época, bastante avançada comparativamente às da região. Uma rápida recuperação do traçado urbano original da cidade pode ser obtida passeando-se por suas ruas nos dias de hoje e tal reconhecimento, agregado de outras informações, me permite afirmar ter sido ela uma referência no Sul de Minas Gerais, por ser mais avançada que as cidades vizinhas, melhor organizada e espaçosa. Possuía uma linha férrea que era ligada às principais cidades brasileiras, e por ela passavam, como ainda hoje, estradas essenciais ao desenvolvimento, como a Rodovia Fernão Dias que escoa toda a produção de Minas para o Sul e para os portos de Santos e do Rio de Janeiro.

Do ponto de vista militar, Pouso Alegre, sempre foi referência por causa de seu quartel. Convivi com pessoas que serviram lá e sempre soube que, desde sua fundação, o Grupo de Artilharia e Campanha de Pouso Alegre é bem equipado e nele são desenvolvidos cursos de sargentos do Brasil.

Havia também espaço para abrigar os 62 prisioneiros alemães, e o fato de Pouso Alegre ser bem no interior do Brasil também foi decisivo para isso. Também é um ponto estratégico: Minas não tem mar, não teria como os prisioneiros fugirem pelo oceano tão facilmente, em termos técnicos militares, seria mais fácil recapturá-los caso escapassem.

Sobre o que os habitantes da cidade pensaram sobre tal fato? Teriam eles conhecimento sobre o assunto? E o que os jornais noticiaram sobre isto? Isso é algo que até hoje fico um pouco espantado. Na época em que os nazistas chegaram a Pouso Alegre, a cidade esboçou uma reação, mas depois que viram que se tratava de uma boa parte de meninos, creio que aquela curiosidade desapareceu, assim como a antipatia e raiva contra eles. Hoje o assunto é nulo na cidade, infelizmente ninguém sabe ou se importa em saber o que houve lá, tendo visto que até mesmo o museu da cidade parece não se preocupar em resgatar esse passado único.

Quanto ao conhecimento sobre o assunto, isso foi se perdendo com o tempo, os jornais noticiaram pouco, notas de rodapé no máximo, na época não foi um assunto espetacular, apenas a chegada e a saída dos prisioneiros que tomaram as páginas dos jornais, como mostram os poucos artigos que encontrei.

Apesar do pouco conhecimento que o Brasil tem sobre o tema, isso não tira a importância do evento ocorrido no passado.

 

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