MUNICÍPIO DE CANGUÇU-RS: FORMAÇÃO HISTÓRICA

Cel Cláudio Moreira Bento

Presidente da Academia Canguçuense de História

O presente artigo é um resgate sintético da História do município de Canguçu- RS, com apoio em interpretação a luz da História Militar Terrestre do Brasil no Rio Grande do Sul e, muito revelador de fatos e circunstâncias históricas relevantes que foram esquecidos por historiadores estaduais e nacionais e por falta de historiadores locais que os registrassem e impedissem que fossem esquecidos e cobertos pela patina dos tempos. E o autor espera que o leitor e pesquisador interessados concordem com o seu ponto de vista.

 

Localização e origem do nome indígena

Canguçu está incrustado na Serra dos Tapes que forma junto com a Serra do Herval a região fisiográfica gaúcha Serras do Sudeste. Serras divididas pelo rio Camaquã que limita ao norte o município e que se constituem dos solos mais antigos do Estado, como parte do Escudo Rio- grandense de formação no Período Arqueano.

A denominação de Canguçu deriva da palavra indígena Caa-guaçu, significando mata grande ou mato grosso, de igual forma que já foi denominada primitivamente a região onde se situa a célebre Avenida Paulista em São Paulo, bem como outros locais, segundo se conclui ou se lê em descrições mais antigas. Caa-guaçu era uma alusão a milenar mata grande que fazia parte da Mata Atlântica que encobriu primitivamente a encosta da Serra dos Tapes voltada para a Lagoa dos Patos.

Tapes os seus primitivos habitantes

Os primitivos habitantes de Canguçu foram os índios Tapes, tapuias, guaranizados e subordinados aos guaranis e que deram seu nome a região onde Canguçu se assenta. Vestígios deles ainda são encontrados nos traços de habitantes do Posto Branco, Canguçu Velho e Herval.

 

Canguçu na Revolução Farroupilha

Canguçu foi o 22º município gaúcho a ser criado, por desmembramento do de Piratini do qual "foi o distrito de mais perigo mais farrapo durante a Revolução Farroupilha", segundo Francisco Pedro de Abreu ou Moringue. Então Canguçu teve grande participação e projeção. Pois as tropas que integraram a Brigada Liberal de Antônio Neto que o apoiaram em 1836 na vitoriosa batalha de Seival e no outro dia na proclamação da República Rio- Grandense, era constituída por canguçuenses na proporção de cerca de 1/4 . Ao ser instalada a República Rio-Grandense em Piratini, em 6 de novembro de 1836 quem carregou o pavilhão tricolor pela primeira vez foi o canguçuense Major de Lanceiros Joaquim Teixeira Nunes - o Coronel Gavião, considerado pelo General Tasso Fragoso como a maior lança farrapo e que se tornou célebre no comando do Corpo de Lanceiros Negros Farroupilhas. Canguçu foi palco de dois combates denominados de Canguçu, respectivamente em 25/26 de outubro e 6 de novembro de 1843 e nos locais Pedra das Mentiras e, Cerro do Ataque ,nos fundos do atual Colégio N. S. Aparecida e, ambos, vitórias imperiais de Chico Pedro.

Foi em Canguçu que o maior cronista farrapo -, Manoel Alves de Silva Caldeira, veterano farrapo, escreveu cartas- depoimentos aos historiadores Alfredo Varela, Alfredo Ferreira Rodrigues, Alcides Lima e a Piratinino de Almeida que permitiram a eles resgatarem expressivamente a memória do Decênio Heróico. A vila de Canguçu em momentos difíceis da Revolução abrigou por diversas vezes Bento Gonçalves da Silva até agosto de 1843, conforme se concluiu de ofício do Barão de Caxias ao Ministro da Guerra.

Isto até que Canguçu fosse ocupada pela Ala Esquerda do Exército ao Comando de Caxias, de setembro de 1843 em diante. Comandou a referida ala o célebre guerrilheiro farrapo, cuja vida e obra resgatamos em Porto Alegre: Memória dos Sítios farrapos de Porto Alegre...

 

Canguçu município gêmeo do de Passo Fundo e seus primeiros funcionários

Canguçu foi criado ém 1857 município junto com Passo Fundo e por sugestão do simbolista farrapo Major Bernardo Pires, autor do desenho da bandeira da República Rio- Grandense, desde 1891 a do Rio Grande do Sul, conforme estudamos em Símbolos do Rio Grande do Sul.

Os primeiros funcionários públicos de Canguçu foram os ex- funcionários dos ministérios farrapos José lgnácio Moreira e Vicente Ferrer de Almeida, respectivamente da Justiça e da Câmara e trisavós dos ex- prefeitos Gilberto Moreira Mussi e Odilon Almeida Mesko que deram grande impulso à cultura local e têm representado o município na Assembléia do Estado. O primeiro professor régio do município foi Antônio Joaquim Bento, nosso bisavô.

 

O reconhecimento, exploração e povoamento de Canguçu

Da fundação portuguesa do Rio Grande do Sul em 1737, com o desembarque do Brigadeiro Silva Paes na cidade do Rio Grande atual, e até a criação do município de Canguçu em 1857, decorreram 120 anos.

O reconhecimento, exploração, conquista e povoamento das terras de Canguçu por Portugal, tiveram início após a conquista dos Sete Povos das Missões pelos exércitos de Portugal e Espanha, em 1756, ao final da Guerra Guaranítica.

Após eliminada a reação indígena as terras de Canguçu passaram a integrar o histórico caminho terrestre Rio Grande - Rio Pardo - Missões que já fora primitivo caminho indígena. Então, suas terras passam a serem trilhadas por grupos militares nas ligações das bases militares portuguesas em Rio Grande, estabelecida em 1737, e a de Rio Pardo em 1752.

Onde se ergue a cidade Canguçu, desde então passou a ser ponto obrigatório de passagem para quem procedente do norte do rio Camaquã demandasse a então Vila do Rio Grande. Isso por ser o local um nó orográfico onde possuem nascentes os cursos d'água que deságuam nos rios Piratini e Camaquã e Lagoa dos Patos.

 

Canguçu e as invasões espanholas do RGS em 1763 e 1774

Com a invasão do Rio Grande em 1763, pelos espanhóis ao comando do General . D. Pedro Ceballos e conseqüente domínio espanhol da Vila de Rio Grande por cerca de 13 anos (1763-1776), as terras de Canguçu, cujo povoamento já havia sido iniciado no vale do rio Piratini, passaram a servir de bases de guerrilhas contra os espanhóis dominando a vila de Rio Grande e adjacências e, a partir de 1774, contra eles dominando o Forte de Santa Tecla que estabeleceram próximo de Bagé atual. Guerrilhas que ao comando do legendário Major Rafael Pinto Bandeira, enviado desde o Rio Pardo espionava e ferreteava os espanhóis pela retaguarda particularmente no corte do Canal São Gonçalo.

Em 1773-74, a frustrada invasão do Rio Grande pelo Governador de Buenos Aires, o mexicano D. Vertiz y Salcedo, após derrotado em Santa Bárbara e Tabatingai e detido face Rio Pardo - A Tranqueira Invicta, foi obrigado a retirar-se, sob forte pressão guerrilheira, para a base militar espanhola mais próxima, que era Rio Grande. Nesta ocasião ele atravessou com seu Exército as terras do atual município de Canguçu, após difícil travessia do passo do Camaquã, desde então conhecido por Armada, em alusão a Real Armada de Espanha, designação na época de exército, e que por ali passou, quando deveria ter feito em melhores condições pelo passo do Camaquã de Baixo e atual Vao dos Prestes.

Um dos objetivos de D. Vertiz era eliminar as bases de guerrilhas portuguesas nas Serras do Sudeste. Na Serra dos Tapes, ao sul do rio Camaquã na Encruzilhada do Duro, atual Coxilha do Fogo, capitaneadas por Rafael Pinto Bandeira e para onde convergiam para o Sul os caminhos que atravessavam os passos do rio Camaquã.

Na Serra do Herval, as guerrilhas foram capitaneadas por Francisco Pinto Bandeira, pai de Rafael e após pelo paulista Cipriano Cardoso e baseadas na Guardas da Encruzilhada, atual cidade de Encruzilhada do Sul. Estas preveniam ataques sobre o Rio Pardo partidos de Rio Grande, através de Canguçu atual e do rio Camaquã, ou pelo Sul, a partir de Montevidéu. Estas guerrilhas incursionavam fundo nos territórios sob controle de Espanha, os atuais Uruguai, províncias de Corrientes e Entre Rios, Sete Povos das Missões e distrito de Entre- Rios (entre os rios Uruguai, Ibicui, Santa Maria e Quaraí). lncursões em operações militares denominadas arreadas que botavam abaixo instalações pecuárias espanholas naqueles territórios e ao mesmo tempo retiravam dos possíveis caminhos de invasão ao Rio Grande, o gado cavalar e vacum que encontravam.

Mapa da época assinala a região da atual cidade de Canguçu como depósito de bovinos e muares arreados por Rafael Pinto Bandeira e seus homens que ali também vigiavam os movimentos dos espanhóis na vila de Rio Grande a partir de 1763, tendo pouco antes tido seu território atravessado pelos Dragões de Rio Pardo, que dali foram transferidos ao comando do Cel. Thomaz Osório para erigirem e defenderem a Fortaleza de Santa Tereza, no atual Uruguai, que na ocasião foi conquistada pela Espanha .

 

Canguçu e o guerrilheiro Rafael Pinto Bandeira

Érico Veríssimo em sua trilogia O Tempo e o Vento focaliza com base histórica as aventuras de Rafael Pinto Bandeira mas não o local da mesma em grande parte feitas em Canguçu, ou a partir dele e inclusive, a partir de 1774 na vigilância ali, da Fortaleza de Santa Tecla, então erigida pelos espanhóis e somente arrasada cerca de 2 anos após por Rafael Pinto Bandeira e Major Patrício Correia Câmara, conforme detalhamos na obra 3a Brigada de Cavalaria Mecanizada-Brigada Patrício Correia da Câmara. A Patrício se deve a primeira descrição do caminho que percorreu em Canguçu atual, quando deslocou-se da conquistada fortaleza Santa Tecla , junto com seus Dragões do Rio Pardo, para ocupar posição no Taim que poderia ser atacada pelo Vice Rei do Prata, General D. Pedro Ceballos após este haver conquistado em definitivo a Colônia do Sacramento e haver invadido e dominado a lha de Santa Catarina em 1777.

Rafael Pinto Bandeira e seus guerrilheiros foram os primeiros a reconhecer e a explorar Canguçu e durante a Guerra de 1763-76 quando ele teria estado à morte no local da atual cidade de Canguçu onde ele coordenava a ação de seus homens nos vales dos rios Piratini e Camaquã e ao longo da Coxilha Santo Antõnio

 

Povoamento e os povoadores de Canguçu

Ao final da guerra, depois de expulsos os espanhóis de São Martinho, Santa Tecla e vila de Rio Grande, as terras de Canguçu se reabrem ao povoamento que fora interrompido com a invasão espanhola.

Os povoadores de Canguçu são guerrilheiros das tropas de Rafael, e muitos deslocados de Colônia do Sacramento que passou definitivamente ao domínio de Espanha, após quase um século de acirrada disputa diplomática e militar com Portugal e mais açorianos e descendentes mandados vir em migração oficial para povoarem os Sete Povos das Missões e que com a guerra permaneceram nas regiões litorâneas de Mostardas, Estreito, São José do Norte e em Povo Novo.

 

Canguçu fronteira de fato com a Espanha por 24 anos

A Comissão de Demarcação de Limites do Tratado de Santo Ildefonso pelo qual Canguçu foi fronteira de fato entre Portugal e Espanha por cerca de 24 anos, de 1777-1801, percorreu até 1884 as vertentes do rio Piratini e as encontrou bastante povoadas e, no branco representado por Canguçu registrou em mapa o Cerro Partido, acidente geográfico característico de Canguçu que mergulha nas nascentes do Arroio Pantanoso, no local conhecido como Banho do João Paulo Duarte , nos fundos da Associação Rural. Ao sul registra a estância de Luiz Marques de Souza, estabelecida antes da invasão de 1763 e que durante a dominação espanhola serviu de base de guerrilhas contra os espanhóis em Rio Grande e cujas ruínas nós identificamos com auxílio da historiadora Marlene Barbosa Coelho em 1972, conforme publicamos sob o título Tropeada Cultural à Zona Sul, no Diário Popular de Pelotas de 12, 19 e 26 de março de 1972.

 

A Real Feitoria do Linhocânhamo em Canguçu Velho 1783/89

De 1783-89 funcionou em Canguçu, com sede em sobrado de pedra em Canguçu- Velho, a Real Feitoria Linhocânhamo do Rincão do Canguçu. Suas terras se estendiam da Lagoa dos Patos pela encosta da Serra dos Tapes acima, até as nascentes do Arroio das Pedras (atual Arroio Grande) abrangendo o Rincão do Canguçu, situado entre este arroio e de Correntes e sem abranger as terras hoje conhecidas como llha da Feitoria, conforme, provamos com base em mapa da mesma feitoria existente na Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional e artigo na RIHGB (v. 340, jul./set. 83).

Ela funcionou com escravos vindos da Fazenda Real de Santa Cruz e outros apreendidos num contrabando cujos nomes revelamos em nosso livro Canguçu reencontro com a História .

Esta iniciativa que durou cerca de 6 anos deu bons frutos e foi a única bem sucedida no Brasil, tendo produzido linho, item estratégico essencial para a navegação marítima para o fabrico do velame e cabos das embarcações e de cujo fornecimento Portugal dependia da Inglaterra. Por razões desconhecidas até hoje a Feitoria foi transferido para São Leopoldo atual, numa das interinidades no governo do Rio Grande do agora Brigadeiro Rafael Pinto Bandeira. Suas instalações em 1824, iriam abrigar os primeiros imigrantes alemães para o Rio Grande do Sul.

 

A origem da cidade de Canguçu

Em torno do abandonado local da Real Feitoria , havia-se condensado alguns moradores que deram origem ao povoado Canguçu que passou a ser Canguçu- Velho após 11 anos, com a criação em 1800 da atual cidade de Canguçu, em invocação a N. S. da Conceição de Canguçu.

Estudo sobre as ruínas em Canguçu Velho levou um pesquisador a confundi-la com a primeira missão jesuítica no Rio Grande, equivoco que explicamos em artigo no Diário Popular de Pelotas sob o título - Canguçu primeira redução guaranítica? Para tal consultamos especialistas jesuítas no assunto no Seminário Cristo Rei em São Leopoldo. O artigo é de 22 de novembro de 1970.

A economia de Canguçu teve início com a iniciativa oficial da Real Feitoria, que além do linho desenvolveu a pecuária bovina e a lavoura de subsistência que incluía estopa para a confecção de roupas aos escravos.

 

Canguçu e as charqueadas em Pelotas

Com o estabelecimento das charqueadas em Pelotas, a população de Canguçu beneficiou-se da proximidade das mesmas para onde conduzia o gado que produzia ou, da exploração da infra-estrutura comercial de apoio aos carreteiros, viajantes e tropas de gado que por ali passavam demandando Pelotas e provenientes de diversas regiões do Rio Grande e, notadamente, entre o final da Guerra do Paraguai e até a revolução de 93, quando tropas de gado provenientes das Missões e de Cima da Serra, aproveitando a Ponte do Rio Jacuí acima de Cachoeira do Sul que fora mandada construir pelo Conde de Caxias como Presidente do Rio Grande e que entrou em funcionamento em 1870 e até 1893, quando seu piso foi incendiado por forças do governo para impedir o acesso de federalistas ao norte do Jacuí.

Este foi o período áureo da economia local. Data deste tempo a Mangueira Enterrada da Lacerda, feita de pedra e equipamento esperado com ansiedade pelos tropeiros que ali encerravam o gado que tinham uma folga das repetidas noites de ronda, para prevenir em campo aberto estouros da boiada. E deste tempo de grande movimento de viajantes por Canguçu que surgiu a lenda da Pedra das Mentiras, na Coronilha, e muito disputadas para pousos pela boa aguada e proteção dos ventos oferecidas pelas pedras. Lenda colhida em 1912 por J. Simões Lopes Netto na Revista do Centenário de Pelotas nº 4.

 

Canguçu foi grande produtor de trigo

O trigo sempre foi muito cultivado em Canguçu. Em 1815 o Bispo do Rio de Janeiro D. José Caetano da Silva Coutinho, passou em Canguçu nos dias 25, 26 e 27 de novembro. Entre outras coisas observou que a freguesia de Canguçu produzia 1000 a 2000 alqueires de trigo, o que a fazia uma das mais notáveis da Capitania neste particular e supunha que o próprio vigário Padre Tourem fosse um grande plantador de trigo.

Na Revolução Farroupilha Canguçu forneceu considerável quantia de trigo para alimentar a Brigada Liberal do Gen. Netto ocupando Pelotas e aquartelada no Teatro 7 de Abril e integrada por cerca de ¼ de filhos de Canguçu.

O General Revolucionário de 1923, Zeca Netto, sobrinho do citado General Antônio Netto e do Ten Cel Theophilo de Souza Mattos que comandou os canguçuenses na Guerra do Paraguai , ouviu de seus ancestrais da família Mattos da Armada, em Canguçu, que antes que aqueles campos fossem povoados de gado o foram plantados com trigo que era vendido no Passo Rico e depois Passo dos Negros no Canal São Gonçalo em Pelotas, conforme o registrou Fernando Luiz Osório em sua História de Pelotas, da qual existem as 3 edições no Armazém Literário de propriedade do acadêmico da AHIMTB Flávio Azambuja Kremer em Pelotas .Armazém que nos honrou dando-lhe o nome de Cel Cláudio Moreira Bento

. A abertura dos Portos do Brasil, em 1808, provocou a entrada no Rio Grande de trigo a melhores preços proveniente dos EUA, o que junto com a ferrugem determinou o quase abandono daquela cultura, com esforço na produção de gado para charque, para alimentar as concentrações de escravos em Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, e guarnições de navios e etc...Canguçu recordista em minifúndios

Canguçu é considerado o município brasileiro com maior número de minifúndios. Sua fronteira agrícola tem se expandido com a colônia alemã expressivamente sobre áreas outrora voltadas para a pecuária. Tem por diversas vezes ocupado a posição de maior produtor de batata e milho do Rio Grande. Canguçu é o único local onde se observa em seus cerros pedregosos a ocorrência do espinho de cruz, que em verdade deveria figurar em seu brasão e bandeira.

Entre a Guerra contra Oribe e Rosas (1852) e a Revolução de 93, Canguçu recebeu imigrantes alemães vindos da Pomerânia, próximo a Polônia, com características de linguagem e costumes bem como nível cultural, bastante diferenciados dos colonos vindos para São Leopoldo em 1824. Isolados, sua Cultura aos poucos se descaracterizou e estão a merecer um estudo urgente. Outro contingente foi o italiano que se fixou na Colônia Maciel. Ambos os núcleos tiveram grande expansão e têm contribuído grandemente para a grandeza do município. Mas ambas estão à merecer um estudo mais apurado.

 

O fundador de Canguçu em 1799

Canguçu foi fundado em 30 de dezembro 1799 pelo governador do Continente, o Tenente . General . Sebastião Xavier da Veiga Cabral que como coronel havia tido destacada atuação na reconquista da Vila de Rio Grande em 1º de abril 1776, dia de São Francisco de Paula.

Governou o Rio Grande por cerca de 20 anos e comandou de seu leito de morte em Rio Grande, a vitoriosa Guerra de 1801, da qual resultou a incorporação definitiva dos territórios das Missões, o do Piratini ao Jaguarão e do divisor do Tratado de Santo Ildefonso até o rio Santa Maria.

 

Contexto estratégico militar que presidiu a fundação de Canguçu

Canguçu foi criado dentro de um contexto estratégico, com vistas a ali bloquear o novo e projetado caminho de invasão ao Rio Grande. Este a partir do recém fundado Forte de Cerro Largo (atual Mello) via Herval, Pinheiro Machado, Piratini e Canguçu por via seca, sobre a Coxilha Santo Antônio e de onde poderia infletir, ou para Rio Grande ou para Rio Pardo, as principais bases militares de Portugal do litoral e na campanha.

 

Os povoadores de Canguçu e a guerra de 1801

Os povoadores de Canguçu na guerrade 1801 prestaram valioso concurso operacional e logístico. O comandante da expansão ocorrida entre os rios Piratini e Jaguarão, foi o Marechal de Campo Manoel Marques de Souza, o maior proprietário ao Sul de Canguçu atual, nas regiões de Cerro Pelado e Vila Freire atual, o qual estudamos na História da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada que leva seu nome por nossa sugestão acolhida pelo Exército . Outro grande proprietário na área foi o seu segundo, em comando o Cel. Jerônimo de Azambuja que foi o 1º inspetor da criada Capela de Canguçu. Para cuja construção concorreu com 600 mil réis.

 

Canguçu e as guerras de 1811/12,1816, 1820, 1825/28, 1851/52 e Guerra do Paraguai

Em nossas lutas externas de 1812, 1816-17, 1825-28 e 1851-52 na fronteira sobre o atual Uruguai, Canguçu concorreu com soldados mas foi poupado de envolvimento, dada a sua posição no interior e em serra. Na Guerra do Paraguai Canguçu enviou um Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional ao comando do Ten. Cel. Honorário do Exército Theófilo de Souza Matos. De retorno foi homenageado em cerimônia cívica no cerro desde então da Liberdade, com a libertação de duas escravas menores, tendo interpretado o sentimento da comunidade o que fora o 1º professor régio do município Antônio Joaquim Bento, orador da Sociedade Libertadora local, no âmbito da Maçonaria.

O Cerro da Liberdade, monumento natural e belíssimo em data recente foi arrasado para fornecer aterro para a Estrada da Produção Sul e Super Porto de Rio Grande.

Canguçu nas revoluções Farroupilha, Federalista e de 1923

Nas revoluções Canguçu teve envolvimento na Farroupilha, conforme abordado. Na Revolução de 93 não foi atingido direto pelas operações, mas a ele ligam-se, por laços de família, as suas maiores lideranças militares.

Gumersindo Saraiva era neto e filho de canguçuenses e batizado na Vila Freire e o Gen. Hipólito Pinto Ribeiro era canguçuense e foi o vencedor de Inhanduí e comandante superior da tropa que em Campo Osório pôs abaixo, com a morte do Almirante . Saldanha da Gama, a última esperança de restabelecimento do Império.

Na Revolução de 23 Canguçu foi cenário nas operações capitaneadas pelo General Zeca Netto que se defrontou com o canguçuense Cel Juvêncio Lemos. O maior combate foi em Canguçu Velho nas terras da antiga Real Feitoria do Linhocãnhamo. Em Porto Alegre o canguçuense Cel. G. N. Genes Gentil Bento, como Notário do 3º Oficio, foi encarregado de organizar a Guarda Republicana para defender Porto Alegre dos revolucionários.

 

Canguçu contribuiu com 10% dos gaúchos mortos na FEB

Na 2ª Guerra Mundial Canguçu concorreu com o pesado tributo em vidas representado por 10% dos mortos gaúchos da Força Expedicionária Brasileira - FEB.

No Cerro do Borges, na cidade de Canguçu, de onde há mais de 200 anos Rafael Pinto Bandeira vigiava o inimigo, hoje abriga a estratégica instalação do Sindacta 2 (Sistema Nacional de Defesa Aérea e de Controle do Tráfego Aéreo).

Canguçu foi chamado pelo professor alemão Eduardo Wilhelmy de "Jóia incrustada na Serra dos Tapes" e em data recente pelo historiador Osório Santana Figueiredo, de "A magnífica dos cerros'.

 

J.Simões Lopes Neto- foi o primeiro historiador de Canguçu

O primeiro historiador de Canguçu foi em 1912, J. Simões Lopes Neto na Revista do Centenário de Pelotas, nº4 com apoio em elementos que lhe foram fornecidos pelo Intendente Genes Gentil Bento e por Carlos Norberto Moreira, observadores e divulgadores da memória local oral. Obra continuada por Conrado Ernani Bento, filho do primeiro e genro do segundo que legou-nos valiosa documentação que vinha preservando e que a usamos em nossa pesquisa de mais de 25 anos e que traduzimos na obra:

BENTO, Cláudio Moreira, Cel. Canguçu reencontro com a História. Porto .Alegre: IEL, 1983 (com prefácio de Luiz Carlos Barbosa Lessa).

Esta obra indica a localização de exemplares da pesquisa original bem mais ampla que o livro.

Foi como nossa parceira em pesquisas ,preservação culto e divulgação da História de Canguçu e uma vida dedicada ao resgate da memória local a historiadora Marlene Barbosa Coelho. Sua obra se traduz na criação e desenvolvimento do Museu Municipal Cap. Henrique José Barbosa, seu ancestral que morreu em ação na Guerra do Paraguai, de onde enviou cartas à família com riquíssimas informações históricas de natureza militar.

Para dar continuidade a este esforço de pesquisa, preservação, culto e divulgação da História de Canguçu, fundamos em 13 de setembro de 1988 a Academia Canguçuense de História (ACANDHIS) tendo como patrono Conrado Ernani Bento que não sendo historiador teve a sensibilidade de guardar por mais de 50 anos documentos históricos da maior importância para a restauração da história de Canguçu que realizamos com grande esforço e amor, sobretudo à terra natal e aos nossos ancestrais das famílias Gomes, Silveira, Vaz, Borba, Matos, Oliveira, Moreira e, Bento, povoadoras de Canguçu.

 

Canguçu na atualidade e possível futuro

´Foi relevante o depoimento em 1906 do alemão Alfredo Wilhelmy natural de Stetin que residiu na Florida e conheceu Canguçu em 1869 ao final da Guerra do Paraguai em suas andanças como fotografo pelo Rio Grande do Sul. Ele escreveu:

"Exceto Bagé e Jaguarão achei Canguçu a vila mais animada de todas. Uma alegre e laboriosa população a habitava e todos os seus moradores se achavam satisfeitos com a sua situação, ganhando o suficiente para uma vida cômoda...Nesta época todos os estancieiros de importância tinham casa na vila e que habitavam , senão sempre , pelo menos a maior parte do ano . E hoje? De todas estas famílias poucas restam morando aqui. Vários chefes já morreram e outros se mudaram para o Uruguai e Pelotas etc...Suas casas se vão desmoronando desde os tempos da Revolução de 93. Outros venderam suas casas por menos de terça parte do custo. Lembro somente a do falecido Horácio Piegas que a Intendência comprou por 12 contos de réis , quando este palacete custou 38 contos....O vagoroso progresso que se nota em Canguçu vila e município contrasta com a inteligência de seus habitantes...Os vemos pelos muitos canguçuenses que hoje noutros pontos ,Pelotas e Porto Alegre ocupam posição digna na sociedade, já por sua cultura , já por sua atividade nos cargos públicos e particulares que bem desempenham."

Canguçu depois da Revolução de 93 passou por uma estagnação econômica que se prolongou por quase um século e que começou a despertar a partir da década de 80, quando lançamos nosso livro Canguçu reencontro com a História onde o esboço da cidade que apresentamos na página175 foi completamente alterado. E creio que Canguçu se reencontrou com o Canguçu próspero e feliz que Eduardo Wilhelmy conheceu em 1869.E isto se esta muito a dever ao progresso da colônia alemã que se irradiou de São Lourenço onde ele foi fundada em 1857 e para os místicos foi levantada uma maldição de alguma vítima canguçuense na revolução de 93.

Fico impressionado com o desenvolvimento que atingiu Canguçu agrícola que hoje contrasta com outras cidades da fronteira que tenho percorrido como Rosário do Sul, Alegrete, D. Pedrito, Bagé, Pinheiro Machado, Herval do Sul, Arroio Grande etc.

Que este progresso continue firme e forte,é o que sinceramenete desejo e que para isto tenha ajudado a nossa Academia Canguçuense de História que fundamos em 13 set 1988.

Nota :O autor é também o fundador e presidente das academias de História Militar Terrestre do Brasil e Piratiniense de História e do Instituto de História e Tradições do RGHS.

A presente interpretação buscou apoio nas seguintes obras

1 - ACADEMIA DE HISTÒRIA MILITAR TERRESTRE DO BRASIL, Revista

Canguçu 20O anos. Resende:ACANDHIS,2000

BENTO, Claudio Moreira. Canguçu reencontro com a História. Porto

Alegre: IEL, 1983.Prefácio de Barbosa Lessa)

2 - (____),Canguçu 200 anos.Resende:ACANDHIS,2.000.

3 - (____).Os 200 anos da Igreja Matriz N.S da Conceição de Canguçu.

1800/200. Resende;ACANDHIS,2.000.

4 -(____).O Exército farrapo e os seus chefes. Rio de Janeiro:BIBLIEX,1991.2v.

5 -(____). A Guerra de Restauração do Rio Grande do Sul 1774/77.Rio de Janeiro: BIBLIEx, 1996

6 -(____). O Negro na Sociedade do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IEL, 1975.

7-(____).História da 3a Região Militar 1889-1953.Porto Alegre:3ª RM, 1995

8-(____) Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu

1783/89. São Lourenço:ACANDHIS,1992

9-(____) Centenário de Conrado Ernani Bento.Rio de Janeiro:ed/autor,1988.

10-(____).O gaucho fundador da Imprensa Brasileira.Orinal na Biblioteca do

Colégio Aparecida e em fase de reedição

11-SIMÔES LOPES,Neto. Canguçu bosquejo histórico. Revista do

Centenário de Pelotas nº 4 1912.

12- NEVES,Ilka.Canguçu-RS-primitivos habitantes, primeiros batismos

.Pelotas:UFPEl,1998.(Apresentado por Cláudio Moreira Bento)