ELOGIO AO MEU PATRONO DE CADEIRA, O CONDE DE PORTO ALEGRE, NA ACADEMIA DE HISTÓRIA MILITAR TERRESTRE DO BRASIL

Carmen Lucia Ferreira da Silva
Acadêmica da AHIMTB e Jornalista

Herói – Nas Guerras contra Rosas e do Paraguai contra Solano Lopez. Comandando as vitórias nas batalhas de Caseros contra o tirano argentino e na 2ª de Tuiutí decisiva para o triunfo dos Aliados.

Guerreiro e Pacificador – Nas lutas em defesa das fronteiras territoriais do Brasil, em prol dos ideais  humanitários e de liberdade, pela legalidade e principalmente pelo profundo amor à Pátria pela qual colocou em risco sua vida por inúmeras vezes.

          É o “Centauro de Luvas” que assinou seu nome nas páginas da História do Século XIX – Tenente General MANOEL MARQUES DE SOUZA III, CONDE DE PORTO ALEGRE.

          Neste evento, no Colégio Militar, a Academia de História Militar Terrestre do Brasil inclui o nome do Conde de Porto Alegre entre seus selecionados patronos. Sobre justificativa de escolha de nome e de líder há uma história curiosa contada por Affonso de Carvalho, na obra “Caxias”, da Bibliex:

“Uma das mais sensíveis qualidades de Caxias, como chefe, é, sem dúvida, a sua acuidade psicológica. O general sabe onde está o verdadeiro soldado, por mais perturbadoras que sejam as suas aparências. E, como o soldado, sabe escolher, com constante felicidade, o homem necessário para certa e determinada missão. Ninguém o excede nessa penetrante faculdade de seleção. Os exemplos são numerosos: Gonçalves Magalhães, Paranhos Carneiro Leão. Entre militares: Bento Manuel, Osório, Miguel de Frias e Caldwell. E o exemplo mais expressivo de todos – o General Marques de Souza.

Quando Caxias ainda se encontra em Santa Lucia, Honório Hermeto lhe pede uma conferência em Montevidéu para ouvir a sua palavra autorizada e definitiva a respeito de um assunto de maior gravidade.

        Sr. marechal, diz-lhe Honório Hermeto. Pelo tratado com Urquiza, o Brasil compromete-se a entregar-lhe uma divisão de três armas. É um comando da maior importância.

        Assim o creio.

        Já pensou V. Exa. a quem vai entregá-lo?

        Ao Brigadeiro Manoel Marques de Souza, responde Caxias, Carneiro Leão quase tem um desmaio.

        Ao General Marques de Souza! Não é possível! Sr. Conde! – exclama o embaixador estupefato – o seu coração parece dominar a sua cabeça!

E na imaginação do diplomata certamente perpassa, naquele momento, como numa visão dourada, o porte fidalgo do general brasileiro, sempre preocupado com a elegância e os bordados dos seus uniformes – figura de salão, faiscante e envernizada, adaptada, não há negar, à moldura aristocrática do Paço e à quadrilha das mais formosas damas, mas, infelizmente, pensa Honório, incompatibilizado com as tacanhas exigências da guerra, em íntima convivência com índios, soldados entrerrianos de chiripás vermelhos.

Mas Caxias não deixa muito tempo a que o diplomata, com quem tem intimidade, permaneça assombrado com a escolha. E, batendo-lhe no ombro, encerra o diálogo, gracejando:

        Meu amigo, meta-se com a sua diplomacia, porque de militança você não sabe nada!

Caseros viria a ser a gloriosa confirmação da escolha vidente de Caxias.”

 

          Então, quem é o nosso Patrono?

          O Conde de Porto Alegre recebeu o mesmo nome do avô e do pai – Manoel Marques de Souza. Os três eram oficiais de cavalaria. Deles herdou nobreza de caráter e valentia. O avô viveu de 1743 a 1822 e o pai, de 1780 a 1824. Manoel I iniciou a carreira direcionando as tropas para libertar Rio Grande dos espanhóis; e foi o primeiro brasileiro a comandar  as Armas e a presidir a Província de São Pedro do RS. Manoel II, ao falecer, envenenado, estava de posse de decreto imperial nomeando-o para o comando em chefe do Exército em operações na Cisplatina.    

          Esta herança familiar nobre e guerreira também teve exemplos femininos: a trisavó Anna na inquirição pelos espanhóis, a bisavó Quitéria Marques personagem única nas crônicas da época, a avó fidalga Joaquina de Azevedo Lima descrita por Saint-Hilaire e a mãe Senhorinha Ignácia da Silveira, descendente açoriana de antiga nobreza flamenga segundo o padre Cordeiro em “História Insulana” por pesquisa de Goycochea. 

          Manoel Marques de Souza III nasceu em 13 de junho de 1804, na cidade de Rio Grande, e cedo, aos 12 anos conseguiu acompanhar o avô nas campanhas. Meses depois já era cadete num Regimento de Cavalaria Ligeira da Divisão de Voluntários Reais, participando das operações do Exército Brasileiro na Cisplatina.

          Antes de irromper a Revolução Farroupilha, ainda combateu em Chafalote, Índia Muerta, Pando, Manga, Las Piedras e Passo do Rosário. Em 1835, Major do Exército Imperial, firmou posição pela legalidade e assumiu importante papel nos momentos decisivos. Entre eles: ao capitular em Pelotas para evitar derramamento do sangue de seus inexperientes recrutas; ao liderar a retomada da cidade de Porto Alegre, e como emissário de Caxias na difícil negociação da Paz ante aos Ministros em dezembro de 1844 e, ainda, na própria assinatura do Tratado que os farroupilhas demoravam a firmar.

          Em trecho de um dos documentos, ele se expressou sobre a retomada da cidade de Porto Alegre: “Lançado no porão da “Presiganga” se viu o suplicante entregue a todos os incômodos e horrores de uma prisão imunda e perigosa, onde era a cada passo ameaçado de igual sorte, se, por qualquer modo, buscasse subtrair-se à tamanha penúria e absoluta falta do necessário. Entretanto, intentavam alguns abnegados legalistas restabelecer o império da Lei e conhecendo os sentimentos do suplicante não hesitavam em consultá-lo e iniciá-lo em seus projetos. Mais de uma vez, por falência de meios, abortaram os planos e mais de uma vez teve por isso o suplicante a sua vida em risco iminente. O bárbaro assassinato do Coronel Vicente Freire, pelo mesmo motivo, não o fez fraquear; e arrostando os inúmeros perigos a que se achava exposto, não desistiu de seu intento: continuou do fundo da masmorra a trabalhar com os seus beneméritos companheiros e a força de trabalhosas diligências fizeram aparecer a reação de 13 de junho de 1836.”

          O historiador Alfredo Ferreira Rodrigues destacou que “O requerimento de  Marques de Souza é uma página histórica de alto valor”  e confirmou que “Mesmo na prisão conspirava. Conseguiu aliciar parte da guarnição do velho pontão e pôs-se em comunicação com amigos na cidade, entre eles o velho marechal Gaspar Menna Barreto.”

          O vencedor da batalha de Monte Caseros, em 1852, à frente da Divisão Brasileira, foi aclamado pelo povo nas ruas de Buenos Aires. Ladislau dos Santos Titára nas “Memórias do Grande Exército Aliado” conta que o general argentino Justo José Urquiza, na despedida afirmou: “Brasileiros! A Justiça, a Liberdade e a Glória vos chamaram ao Rio da Prata, e cooperastes para salvação de duas Repúblicas e o aniquilamento de seus tiranos.Graças e imort

 E diretamente a Marques de Souza: ...“Quando a História traçando o horrível quadro da ditadura argentina, tributar o merecido elogio aos libertadores desta terra, o nome de V. Sa. e de seus valentes companheiros de armas, ocupará o honroso lugar que lhes compete, como dignos aliados da Civilização e da Liberdade.”

          Foi Comandante das Armas da Província do RS em 1852. Mas,o sofrimento físico causado pelo reumatismo crônico contraído no “presiganga”, levou Marques de Souza a solicitar reforma em 1856, obtendo patente de tenente-general, a que por lei fizera jus. Ao deixar a carreira militar, o Barão de Porto Alegre passou a dedicar-se à atividade política. Em 1852, com Oliveira Belo, criou o Partido Liberal Progressista no RS e, em 1858, entrou na lista tríplice para senador, não sendo escolhido. Elegeu-se deputado para a Assembléia Geral nas décima (1856), décima primeira (1860) e décima quinta (1872) legislaturas.

          Fundou e presidiu o Segundo Instituto Histórico do RS em 1860. Em 1862, foi nomeado Conselheiro de Estado e Diretor do Imperial Instituto Rio Grandense de Agricultura. Também  assumiu o cargo de Ministro da Guerra por cinco dias, no 17o Gabinete do 2º Império, de 24 a 30 de maio de 1862. No âmbito da Sociedade Partenon Literário, fundou e presidiu a abolicionista Sociedade Libertadora, em 1869. Na Maçonaria, era membro das lojas Fidelidade e Firmeza, e Cruzeiro do Sul de Uruguaiana.

          Quando as forças paraguaias invadiram o território brasileiro, colocou-se à disposição do governo, sendo nomeado comandante em chefe do exército em operações no RS. Em Uruguaiana, em 1865, como Comandante em Chefe do Exército Brasileiro no Rio Grande do Sul, promoveu rendição pacífica do paraguaio Estigarribia.  Com a firmeza de posição diante dos estrangeiros proferiu: “Estamos no território brasileiro e na presença de S. M. o Imperador. Só assina esta capitulação quem for brasileiro.” E de fato, os documentos relativos à rendição só trazem duas assinaturas: a do ministro da Guerra e a do Barão de Porto Alegre.

          Na Guerra do Paraguai, foi vencedor nas batalhas de Curuzú (1866), e na segunda de Tuiutí (1867). Sofreu derrota em Curupaití, porque não foi atendido ao solicitar mais tropas e imediato ataque. Mas deixou claro: “Em Curupaití, ficou ilesa a honra da Bandeira Brasileira”.

Na obra “Conde de Porto Alegre”, um dos seus autores - Cel. Jaime  Ribeiro da Graça – examinou liderança civil e militar. Em resumo destacou: qualidades de chefia, respeito à opinião pública, subordinação consciente aliada ao zelo pela autoridade, espírito de previsão e flexibilidade, iniciativa, estratégia, competência profissional, exemplo permanente, serenidade permanente geradora de decisões acertadas e oportunas, e bravura desmedida  no “grande militar que tanto contribuiu para a formação histórica e para a consolidação do Brasil.”

          Por seus altos méritos ganhou a Cruz de Prata das Campanhas de 1818 a 1822; o Hábito da Ordem de Cristo; as insígnias de Comendador da mesma Ordem; as insígnias de Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro; o título de Dignatário da mesma Ordem; as insígnias de cavaleiro da Imperial Ordem de São Bento de Avis; a medalha de ouro da Batalha de Monte Caseros, pendente de fita azul do pescoço; a Grã-Cruz da Imperial Ordem de Cristo; a da Cisplatina; a de Uruguaiana, a de Mérito e Bravura Militar e a Geral da Campanha do Paraguai.

          Após conquistar as vitórias em Caseros e no Paraguai, recebeu por decreto imperial os títulos nobiliárquicos com honras de grandeza, tornando-se um dos “Grandes do Império”. Passou a ser denominado Barão de Porto Alegre em 3 de março de 1852, Visconde em 28 de agosto de 1866 e Conde em 11 de abril de 1868.  A identificação do seu Brasão tem origem na  nobre ascendência com escudos dos antepassados, com as Armas dos Sousas do Prado, Sousas Chichorros, Leitões, Azevedos, Limas e Marques.       

          O Tenente-General e Conselheiro de Estado Conde de Porto Alegre faleceu, em 18 de julho de 1875, no Rio de Janeiro.

          Pelo testamento do pai - Manoel II - deixou os irmãos Joaquim, Joanna e Joaquina, filhos de Senhorinha Ignácia; e ainda Sebastião Tibúrcio e Domingos Miguel.

          Casou em 1ªs núpcias com Maria Balbina Álvares da Gama com quem teve a filha Maria Manoella. Teve ainda a filha legitimada Manoella Mesquita Marques. Casou em 2ªs núpcias com Bernardina Soares de Paiva e teve as filhas Maria Bernardina, Clara ( falecida bebê), e Clara. O nome das descendentes do Conde de Porto Alegre estão registrados em seu inventário.

          Quando no dia seguinte a seu falecimento... “a Câmara dos Deputados  recomenda ao respeito e à memória da posteridade o desinteresse com que o ilustre Conde de Porto Alegre serviu a Pátria na última, longa e gloriosa campanha do Paraguai” certamente se referia ao fato dele ter “renunciado todos os vencimentos a que havia direito”. Mas cada deputado poderia ter na memória a imagem valente e garbosa do guerreiro de 63 anos no combate de vida ou morte.

Sobre esta batalha de 3 de novembro de 1867, Tasso Fragoso, na obra “A Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai” escreveu: “A figura do general Porto Alegre destaca-se com brilho imorredouro. Ele patenteia, mais uma vez, as suas qualidades excepcionais de heroísmo e tenacidade. Embora compreendendo a gravidade do momento mantém-se firme no cumprimento do dever. Perde duas vezes o cavalo em plena refrega, recebe contusões por balas inimigas, mas continua à testa dos elementos disponíveis, eletrizando-os com o seu exemplo e inflamando-os no desejo de colher a vitória naquele lance”.

          O registro do general Bormann testemunhado pelo Coronel Cunha Júnior  confirma a atuação extraordinária do comandante do 2º Corpo do Exército:

“Aí a luta é na relação de 1 para 20!

 Por ente o fumo que se desprende das armas, os paraguaios reconhecem o general brasileiro, o que não era difícil porque ele não abandona o seu uniforme; apontam-lhe as espingardas, e, por duas vezes matam-lhe os cavalos.

Assim, por duas vezes achou-se o bravo Porto Alegre a pé mas sempre combatendo – A infantaria não era arma para ele desconhecida, mas é que assim deixava a sua homérica figura de ser vista pelos nossos bravos soldados – Caiu o general! – disseram eles.

O grito de furor que soltaram os nossos bravos ainda deve impressionar aquelas regiões tão célebres na sempre memorável guerra do Paraguai. Impelidos por uma mola, todos os oficiais e soldados agruparam-se e cercaram o general, dispostos a venderem caro, muito caro, a vida, em sua defesa. O inimigo acreditou que a vitória se inclinava para o seu lado, e, vendo cair o general, supôs tê-lo morto. Num arranco desesperado, esforçou-se para romper a nossa linha, ou antes a nossa muralha para se apossar do seu cadáver. O grande poder de Deus, que se manifesta nos lances supremos, inflamando o valor e o patriotismo dos nossos bravos, deteve-lhe o ímpeto e mudou a perspectiva do quadro. Rápido, o general cavalgou outro animal em substituição do que o inimigo matara. Acendeu-se o entusiasmo nas nossas fileiras. O inimigo, ou admirado de tanta audácia, ou para recompor as suas fileiras, recuou. Porto Alegre mandou carregar a baioneta. Obedecendo à bravura, os nossos soldados arrojaram-se como leões. Toda a linha inimiga cedeu – como cede o arco quando sobre o seu centro se atua. As suas extremidades, porém, com as sirtes de um dilema, queriam prender o punhado de heróis que lhe disputaram a vitória.

Nesta gloriosa ação o general Porto Alegre, apesar dos seus 63 anos de idade, combateu com a mesma agilidade de um moço, e nenhum ferimento recebeu apesar de terem sido crivados de balas dois cavalos em que montara e de nas abas da farda que vestia se contarem 47 furos de projéteis de infantaria.

A jornada de 3 de novembro de 1867 foi uma das mais importantes das que se feriram na sempre memorável campanha do Paraguai. Foi a única talvez, em que combatemos com notável inferioridade numérica. Si o ousado plano de Lopez tivesse vingado não é lícito aventurar de que modo teria mudado a face da guerra.”

          O general em chefe marquês de Caxias, anunciando aos exércitos aliados a vitória do dia 3 de novembro, em a sua ordem do dia de 12 de dezembro de 1867 o mandou elogiar “pela heróica e brilhante defesa que naquele dia opôs ao inimigo, sustentando a sua posição contra o ataque inesperado de forças superiores em número, patenteando mais uma vez a sua nunca desmentida bravura.”

          Ao completar 10 anos de sua morte, recebeu reconhecimento e carinho dos contemporâneos  com a inauguração da primeira estátua de Porto Alegre. Quando a estátua foi transferida da Praça da Matriz para a atual Conde de Porto Alegre, em 12 de outubro de 1912, houve solenidade em que pela primeira vez formou o Colégio Militar de Porto Alegre. Como vulto histórico seu nome e título estão inscritos em ruas e monumentos pelo Brasil. Foi escolhido Patrono do Regimento Conde de Porto Alegre – 8o RCMec de Uruguaiana. Atualmente, na capital gaúcha está sendo restaurado o prédio onde morou – trata-se do Solar Conde de Porto Alegre, tombado pelo Patrimônio Histórico e Cultural do Município, atual sede do IAB.

          Todas as afirmações aqui feitas foram resgatadas através de pesquisa e exame documental. Agradecimentos pela criação da cadeira “Conde de Porto Alegre” na Academia de História Militar Terrestre do Brasil, ao presidente Coronel Cláudio Moreira Bento e seus acadêmicos e todos aqueles que pesquisam, analisam e divulgam a VERDADE HISTÓRICA.

 


Nota : A autora foi a segunda mulher a ser consagrada Acadêmica da AHIMTB e realizou valioso trabalho de resgate do conteúdo da Revista Hyloeia do CMPA