BICENTENÁRIO DO GENERAL ANTÔNIO DE SOUZA NETTO (1803-1866)

 

( Transcorreu em 25 de maio de 2003 , o bicentenário de nascimento em Rio Grande- RS ,do proclamador da Republica Rio Grandense e comandante da Vanguarda do Exército de Osório na invasão do Paraguai e de atuação destacada na vitória brasileira em Tuiuti, em 24 de maio de 1866, a maior batalha campal da América do Sul. A seguir sua real imagem que foi bastante fantasiada pela exelente minisérie A casa das sete mulheres )

Cel Cláudio Moreira Bento

Significação histórica

O General Netto prestou assinalados serviços à Integridade e a Soberania do Brasil nas guerras da Cisplatina 1825-28, contra Aguirre 1864 e da Tríplice Aliança contra o Paraguai, de 1865-66:

Na guerra da Cisplatina, como jovem e intrépido capitão de Cavalaria da Guarda Nacional, na cobertura de nossa Fronteira, no corte do rio Jaguarão.

Na Guerra contra Aguirre, 1864, no comando da Brigada de Cavalaria Ligeira que fez a Vanguarda do Exército Brasileiro, ocasião em que se destacou na conquista de Paissandú.

Na Guerra do Paraguai, no comando de uma Brigada de Cavalaria Ligeira de Voluntários, fazendo a vanguarda do Exército Brasileiro, ao comando de Osório, de Uruguaiana até Tuiuti.

Foi dos primeiros, junto com o General Osório a pisar no solo adversário, em Passo do Rosário, em 16 de abril de 1866.

Em 24 de maio de 1866, por ocasião da batalha de Tuiuti, a maior batalha campal da América do Sul, desempenhou com seus cavalarianos montando cavalos amilhados, importante função tática em Potrero Pires, de grande significação para aquela vitória de nossas armas ao conter uma tentativa de envolvimento de nosso Exército.

E logo depois dessa batalha, aos 63 anos que este grande campeador da Liberdade e da República veio a morrer vítima da febre e assim imolado em defesa da Soberania e Integridade do Brasil.

Na Revolução Farroupilha, foi a segunda figura militar, depois de seu grande amigo, o general Bento Gonçalves.

Iniciando a Revolução em 1835 como capitão da Guarda Nacional ascendeu, por seu valor e liderança, ao posto de general da República pela qual lutou como ninguém e sem descanso, do primeiro ao último dia, ou até a Paz de Ponche Verde que referendou, após o que foi residir no Uruguai, por ser o Império incompatível com o seu ideal.

Foi o maior cavaleiro e tornou-se o maior líder de combate da Cavalaria da República Rio Grandense. Comandou a Brigada Liberal integrada por filhos dos atuais municípios de Piratini, Canguçu, Pedro Osório, Pinheiro Machado e Bagé, até o Pirai, no combate de Seival, de 10 de setembro de 1836, o maior feito das armas dos republicanos, que criou condições para ele proclamar a República Rio- Grandense, em 11 de setembro de 1836. Em Seival recebeu o reforço do Corpo de Lanceiros Negros recém criado.

Seival foi um fato auspicioso que reacendeu a chama da esperança, num período extremamente adverso à Revolução Farroupilha, assinalado por derrotas frustrantes e a prisão de Bento Gonçalves, na ilha de Fanfa, em 4 de outubro de 1836, por Bento Manuel Ribeiro.

Netto desempenhou por largo tempo, até a fuga de Bento Gonçalves da Bahia, as funções de Comandante- em- Chefe do Exército interino . E , com retorno de Bento, à liderança da Revolução as funções de Chefe do Estado- Maior do Exército da República Rio- Grandense.

Desde 1866, os restos do grande campeão rio- grandense voltaram ao Rio Grande do Sul, do Teatro da Guerra do Paraguai. Estão descansando em Bagé, ao lado dos de Silva Tavares, seu adversário um dia em Seival, mas com ele unido, hoje, na glória pela coerência na defesa leal de suas verdades - a República para Netto e, o Império, para Silva Tavares e na grande verdade comum aos dois ilustres soldados - a defesa intransigente da Integridade, da Soberania e da Honra do Brasil.

 

Origem, ascendência e estudos

Nasceu em 25 de maio de 1803, na estância paterna, em Capão Seco, no distrito de Povo Novo, da atual cidade de Rio Grande, portanto, rio- grandino de nascimento. Lá e lembrado pelo CTG General Netto (de Povo Novo).

Era filho de José de Souza Netto, natural de Estreito e de Teutônia Bueno, natural de Vacaria. Era neto de Francisco Souza, natural de Colônia do Sacramento. O seu bisavô - Francisco de Souza Soares, fora oficial de Auxiliares no Terço Auxiliar de Colônia e que casara, em 1791, com Ana Marques de Souza, na capela da Fortaleza São João, ao lado da qual foi fundada a cidade do Rio de Janeiro, por Estácio de Sá

Descendia , pelo lado materno, do português João Ramalho que vivia em São Paulo, antes do povoamento e que casou coma índia Bartira (Isabel) filha do cacique Tibiriça. Também pelo lado materno, descendia do paulista Capitão-mor Armador Bueno, figura muito

O avô de Netto, Salvador Bueno da Fonseca, nascido em São Paulo, em 1724, fora estancieiro em Vacaria.

Segundo Simões Lopes Neto no nº 4 da Revista do Centenário de Pelotas, 1912, dedicada a Canguçu, a família Bueno fora atacada por índios em Vacaria, vindo para Canguçu alguns de seus remanescentes. Netto era do ramo dos Marques de Souza. Portanto, possuía rara estirpe genealógica que incluía os Leme da ilha da Madeira e que se fixaram em São Paulo. Os Buenos eram de ascendência espanhola.

Netto fez seus estudos iniciais na incipiente, mas muito progressiva Freguesia de São Francisco de Paula( Pelotas atual). Morava na margem do São Gonçalo, junto ao histórico passo dos Negros, então chamado Passo Rico, pela imensa riqueza que por ali passava e que pagava impostos à Fazenda de Portugal. Antes chamou-se passo das Neves, segundo Barbosa Lessa.

Adiantando-se nos estudos, residiu largo tempo em São Francisco de Paula, na época, talvez a povoação que assinalava maior progresso depois da expulsão dos espanhóis da Vila de Rio Grande, em 1º de abril de 1776, no dia São Francisco de Paula, razão do nome primitivo de Pelotas.

Homem feito foi se estabeleceu em Bagé, fundada em 1811-12 por D. Diogo de Souza, e dali no atual Uruguai quando este foi incorporado ao Brasil com o nome de Província Cisplatina de 1821-28.

Nesta época, em Bagé estabeleceu-se com estância. Dedicou-se à compra e venda de gado e a seu hobby, a criação de cavalos para corridas (ou parilheiros para cancha reta).

Como comerciante de gado, criador e desportista (carreirista), percorreu o Rio Grande e o Uruguai atuais, onde estabeleceu largo círculo de amizades e despertou admiração.

Era exímio cavaleiro e dançava muito bem, além de possuir muito boa figura. Era o que se diria hoje, um "boa pinta" e um grande partido. E solteiro permaneceu muito tempo e sempre disputado pelas mulheres.

 

Na defesa da Integridade, no Jaguarão

 

Sua vocação guerreira despertou cedo. Na guerra Cisplatina 1825-28, foi nomeado capitão de Milícias, encarregado da vigilância e defesa da Fronteira, por duas vezes invadida pelo general Alvear, por Aceguá.

Data daí o início de uma sólida amizade e admiração recíproca com Bento Gonçalves, que nesta guerra teve saliente papel. na proteção da junção do Exército do Sul, no arroio Lexiguana, em 5 de fevereiro de 1827. Exército que em feito estratégico brilhante aí se interpôs entre Alvear, em Bagé, e os principais centros do Rio Grande e que na própria Batalha do Passo do Rosário, de 20 de fevereiro de 1827, coube-lhe comandar a Ala Direta do Exército do Sul e cobrir a retirada para o passo São Lourenço, no Jacuí.

Com a Regência, por Lei de 18 de agosto de 1831, foram extintas as Milícias e em seu lugar criada a Guarda Nacional. Esta subordinada ao Ministro da Justiça.

 

Netto na eclosão da Revolução Farroupilha

 

Quando estourou a Revolução Farroupilha, Netto aos 28 anos, era comandante do Corpo da Guarda Nacional do Piratini, composto de 2 esquadrões, ou 4 Companhias recrutadas em Piratini, Canguçu, Cerrito atual e Bagé até Piraí que abrangiam, à época, o município de Piratini, criado em 1831, cuja sede seriai a primeira capital da República Rio- Grandense que viria a ser proclamada, em 11 de setembro de 1836, após a memorável vitória de Seival do dia anterior. Vitória obtida com o Corpo da Guarda Nacional citado, transformado no início da revolução em Brigada Liberal e reforço do incipiente Corpo de Lanceiros Negros.

Com a organização do Exército da República, em 2 de novembro de 1836, sob a égide do General João Manoel de Lima e Silva, o primeiro

Esta unidade, mais tarde, em espírito ou por tradição, foi mobilizada e atuou nas guerras externas contra Oribe e Rosas 1851-1852 e contra Aguirre 1865 e contra Solano Lopez do Paraguai, em 1865-1870, integrada por muitos republicanos farrapos que pegaram em armas em defesa do Brasil e não do Império.

 

 

Traços do perfil militar de Netto

 

Caldeira, o cronista farrapo que viveu em Canguçu , onde escreveu sobre o que testemunhou como revolucionário farrapos e que muito conviveu com Netto, assim definiu seu perfil militar:

"Netto, este oficial era um dos mais bem apessoados que havia na República Rio-Grandense. Era um dos fiéis amigos que Bento Gonçalves tinha nas nossas fileiras. Antes da revolução tinha o posto de capitão da Guarda Nacional. Era um dos valentes daquele tempo e dava muita importância ao homem valente. Conquanto não fosse muito estratégico, sabia fazer a guerra (tático). Era um bom general de Cavalaria, no que diferia de Bento Gonçalves que sabia manobrar um Exército composto de três armas. Netto era prudente, atencioso, de bom trato e muito estimado. Foi um dos primeiros que Bento Gonçalves contou para fazer a revolução e foi dos últimos que dela se retirou. Isto é retirou-se quando foi assinada a Paz de Ponche Verde (1º de março de 1845). Felizmente salvou-se da cilada de Porongos. Foi ele que sustentou a Revolução na ausência de Bento Gonçalves e a quem o inimigo sempre respeitou."

E completa o depoente noutra parte.:

"Antônio Souza Netto foi o general que soube desempenhar o seu posto com muita honra e denodo. Atacava o inimigo indo à frente de sua coluna de espada em punho. Era general muito resoluto na ocasião do ataque. Era senhor da espada, muito alto e apessoado, muito reservado, sério e reflexivo. Amigo de seus amigos. Ele era um herói ! ".

Netto participou pessoalmente de muitas lutas vitoriosas e insucessos, sem esmorecimentos. Nenhum general farrapo lutou mais que ele. Constatar isto basta ler-se as obras sobre a Revolução de Alfredo Varela, Assis Brasil, Arthur Ferreira Filho, Dante de Laytano, Morivalde Calvet Fagundes, Souza Docca e Walter Spalding

Em 10 de setembro de 1836 impôs fragorosa derrota aos imperiais, no Seival, comandados pelo Coronel João da Silva Tavares, mais tarde Visconde de Cerro Alegre. Personagem que mereceu do Dr. Álvaro Tavares de Souza e Tarcísio Taborda, bons estudos que fazem justiça a este ilustre soldado que soube defender com brio e valor a sua verdade, quase sozinho, no início da Revolução.

Segundo Arthur Ferreira Filho, na manhã do combate de Seival:

"Netto montado em seu cavalo, aperado (enfeitado) de prataria e de espada em punho, conduz sua Brigada Liberal na direção do adversário. Ao avisar a cavalaria imperial, ordenou a sua Cavalaria : - Não quero ouvir só um tiro. - Vamos acabar com isto, a espada e a lança !

E prossegue , "Então foi realizado o mais brilhante feito das armas farroupilhas" ,

No dia seguinte, 11 de setembro, no Campo do Menezes, Netto proclamou a República Rio- Grandense. Em 4 de outubro de 1836, decorridos pouco mais de 20 dias da proclamação, Bento Gonçalves foi feito prisioneiro na ilha do Fanfa e enviado preso para o Rio e depois Bahia. No início de agosto fora levantado o bloqueio farrapo da entrada do Guaíba, na região de Itapoã..

Em 17 de outubro de 1836, João Manoel de Lima e Silva desocupou Pelotas e rumou para Piratini.

Em 6 de novembro, em Piratini, foi instalada a República Rio- Grandense, eleito Bento Gonçalves, ausente, para seu Presidente e Comandante- em- Chefe do Exército. Instituição organizada por Decreto de 8 de novembro e 1836, de inspiração de João Manoel de Lima e Silva, eleito o primeiro general do Exército Rio- Grandense que organizou, além de ser nomeado Comandante- em- Chefe interino. A Netto, de fato, coube a liderança político- militar na ausência de Bento Gonçalves e o comando da 1ª Brigada de Cavalaria da República( a que vencera em Seival)

A sabedoria popular captou e definiu esta realidade através de quadra popular que dizia:

"Bento Gonçalves foi preso, foi desterrado, mas deixou o bravo Netto para cumprir os seus tratados."

E de fato, ao fugir da Bahia e chegar ao Sul, Bento Gonçalves assumiu a Presidência e o Comando- em- Chefe. Este vinha sendo exercido inteiramente por Netto, desde 7 de dezembro de 1836, quando lhe foi passado pelo General João Manoel de Lima e Silva que o exercera de 1º de novembro a 7 de dezembro de 1836, quando, por doença que lhe dificultava o pleno exercício funcional teve de internar-se no Uruguai, a conselho do seu grande e verdadeiro amigo, o Major José Mariano de Mattos, então Ministro da Guerra farrapo e mais tarde Ministro da Guerra do Império em 1864.

Pouco depois o Exército da República teve de internar-se no Uruguai pelo passo do Centurión do Jaguarão em princípios de janeiro de 1837, na mesma época que ao norte do Rio Grande o coronel republicano Agostinho Mello até 13 de fevereiro atuou em Santo Amaro e Rio Pardo.

 

Netto, Chefe do Estado- Maior do Exército da República

 

Com o retorno de Bento Gonçalves, Netto passou a ser o seu braço militar no exercício das funções de Chefe do Estado- Maior do Exército , e já general desde janeiro de 1837.

Em 18 de agosto de 1837, em ataque vitorioso a Triunfo, terra natal de Bento Gonçalves, Netto comoveu-se com a heroicidade do coronel do Exército Imperial Gabriel Gomes Ribeiro, que escolheu morrer lutando de espada em punho, numa batalha desigual "do que rendê-la a rebeldes".

Neto, então formou sua tropa e a fez desfilar respeitosa em honra e continência ao herói que soubera lutar e morrer heroicamente por sua verdade, conforme conta-nos Fernando Castro Freitas.

Netto dava então uma demonstração que além de cavaleiro, o melhor do mundo segundo Garibaldi era um grande cavalheiro.

Este seu gesto lembra o de alguns pilotos na 1a Guerra Mundial, que depois de abaterem um adversário, sobrevoavam a aeronave abatida, não em escárnio, mas em tributo à coragem e ao valor da "águia abatida.

Netto era a síntese do autêntico gaúcho histórico brasileiro. Em Triunfo deu demonstração das virtudes dos farrapos de Firmeza e Doçura. Firmeza ao lutar com garra e denodo. Doçura depois do combate demonstrado pelo respeito, ao gesto heróico e nobre do vencido, ao morrer lutando por sua verdade. Ele admirava a valentia onde ela despontasse.

Sobre o exímio cavaleiro e talvez o maior dentre os farrapos, escreveu Garibaldi "que montar tão bem um cavalo, não vi ninguém que superasse Bento Gonçalves a não ser o general Netto - modelo completo para um cavaleiro..."ou ginete.

Antes e depois das guerras contra Oribe e Rosas de 1851-52, Netto esteve duas vezes no Rio na defesa de interesses de 40.000 brasileiros, no Uruguai.

Numa delas propiciou à Família Real, na Quinta da Boa Vista, uma memorável demonstração de equitação gaúcha (gineteada) no qual gozava a merecida fama de virtuose. Fama que já chegara ao Rio. Foi muito aplaudido e admirado pelos assistentes.

Netto depois da vitória de São Felipe, em 18 de novembro de 1840, assim respondeu as sondagens de pacificação de Domingos José de Almeida:

"Diga ao general Bento Gonçalves que enquanto tivermos 1.000 piratinenses e 2.000 cavalos a resposta e está: E bateu nos copos da espada com a mão direita".

Piratinenses na época eram os filhos hoje de Piratini, Canguçu, Cerrito, Pedro Osório, Pinheiro Machado e Bagé até o Piraí e outros surgidos de Bagé.

Por ocasião da discutida surpresa de Porongos da qual escapou de ser preso ou morto, conta-se que se dirigiu a Canabarro, então Comandante- em- Chefe do Exército com esta observação:

" - Canabarro o Moringue anda por perto, é necessário redobrar a vigilância. "

E teria recebido resposta mais ou menos assim, de Canabarro:

" - Não te preocupa Neto - O Moringue sentindo a minha catinga, não vem cá ! "

E Netto como humor respondeu:

" - Canabarro apesar da tua 'catinga', eu vou passar a noite em vigília com a minha tropa."

Caso verdade, "Moringue" ou Chico Pedro o mais competente guerrilheiro imperial atacou Porongos e não conseguiu prender Netto.

 

Netto nas guerras externas

 

Netto nos múltiplos embates do Decênio Heróico, de capitão da Guarda Nacional a general farrapo, aprendeu muito ao ponto de tornar-se um dos maiores líderes de Cavalaria.

Sua Academia Militar foi a das coxilhas no dizer de Moro Mariante, entre "para tatás de centauros, pontaços de lanças, tilin-tilins, de armas brancas e cargas de Cavalaria", ou na Arte Militar dos Pampas, tão exaltada por Garibaldi em suas Memórias escritas por Alexandre Dumas.

Segundo ainda Mariante em Farrapos - guerra à gaúcha (Porto Alegre, M. Livreiro, 1985), Netto possuiu farda azul de pano fino, com bordados a ouro de general e divisa escarlate bordado a ouro com a inscrição EXÉRCITO REPUBLICANO RIO-GRANDENSE. O azul era a cor da . No diário o traje de Netto era um poncho branco, às vezes jaqueta de brim e chapéu de abas grandes . Característica de Simplicidade e Rusticidade.

Na guerra contra Oribe e Rosas 1851-1852, não participou, pois, segundo Wiedersphan, "vivia no Uruguai, suspeito e espiado pelo Império", para onde recolheu-se, embora signatário da Paz de Ponche Verde.

No entanto, nas guerras contra Aguirre do Uruguai (1865), e contra Solano Lopez do Paraguai (1865-1870), teve oportunidade de prestar relevantes serviços à Integridade e à Soberania do Brasil, bem como aos interesses da Colônia Brasileira no Uruguai, como líder natural da mesma, no comando de uma Brigada Ligeira de Cavalaria. Isto ao fazer a vanguarda do Exército, ao comando do marechal João Propício Mena Barreto, tendo destacada atuação em Paissandú, então como brigadeiro.

Na campanha contra o Paraguai, até 1866, fez a vanguarda das forças do Brasil, ao comando do General Osório, de Uruguaiana a Tuiuti.

Destacou-se no comando de sua Brigada Ligeira de Voluntários, que fazia a vanguarda de Osório na invasão do Paraguai em Passo da Pátria, em 16 de abril de 1866 e nos dias seguintes no estabelecimento da cabeça- de- margem no território adversário, para o prosseguimento das operações.

Em 24 de maio de 1866, em Tuiuti, a maior batalha campal da América do Sul, vencida pelo general Osório, nela, Netto com seus esquadrões de cavalos amilhados, desempenharam relevante e muito importante papel em Potrero Pires, ao retardar a tentativa de envolvimento do flanco esquerdo do Exército Aliado, tentado por Barrios, até que Osório pudesse enviar reforços para anular a tentativa envolvente por aquele lado.

A amizade antiga de Antônio Netto com o General Osório

Já se passavam 30 anos do encontro, em 7 de abril de 1836, na barraca do general republicano Antônio Netto, nas imediações da sitiada Caçapava do Dr. Sebastião, filho do brigadeiro Bento Manuel, com o Tenente do Exército Osório, com permissão de seu comandante superior. Encontro assistido por Netto e Jacinto Guedes da Luz, no qual o Dr. Sebastião Ribeiro, citado, convidava Osório ,em nome do pai, para passar para o lado republicano ao que este respondeu:

"Meu lugar, foi, é e será sempre nas fileiras da legalidade. Aí tenho combatido, aí hei de vencer ou morrer. Aí foi que eu comprometi a minha lealdade e nada haverá no mundo quem me fizesse abandoná-los. "

Perguntando se aquela era a última palavra Osório respondeu:

" - Uma e única. Costumo ter uma só palavra."

Após pedir licença despediu-se com um aperto de mão dos presentes, Dr. Sebastião e dos farrapos Netto e Guedes que haviam em silêncio assistido à entrevista e lhe estendido a mão. Montou em seu cavalo e a seguir Netto dirigiu-lhe a palavra:

" - Adeus bravo patrício, breve haveremos de vê-lo rendido. O sítio há de ser rigoroso!"

E o tenente Osório respondeu-lhe:

" - Será o que Deus querer!"

No dia seguinte Osório em companhia do irmão José e mais 39 soldados de Cavalaria, com auxílio de um escravo que abria picada através do mato, a machado, conseguiu escapar ao sítio indo apresentar-se a Rio Pardo, ao comandante Cel Gabriel Belo Lisboa, pouco depois, conforme referimos, morto em ação em Triunfo, de modo heróico em defesa do local, até então essencial ao abastecimento de charque da sitiada Porto Alegre.

Netto e Osório foram companheiros de mocidade em Bagé antes da Revolução e nutriam admiração recíproca. Agora juntos no início da guerra, Netto Brigadeiro Imperial e Osório Marechal- de- Campo do Exército Imperial e seu comandante em operações contra o Paraguai, escreveram as mais belas páginas de nossa História Militar - Marcha até Corrientes, Travessia do Passo da Pátria e Batalha de Tuiuti.

Osório e Netto foram dois expoentes da Cavalaria e do gaúcho brasileiro histórico e cultores das virtudes de Firmeza e Doçura que aqui referimos e simbolizados nos amores-perfeitos do brasão da Republica Rio Grandense elaborado pelo Cel José Mariano de Mattos.

A morte do General Netto em Campanha

Por está época, Netto com 63 anos, foi tomado de forte febre, em conseqüência da qual veio a falecer, cerca de 40 dias depois de Tuiuti, no Hospital Militar de Corrientes, cidade onde foi sepultado com honras militares. E ainda há quem duvide do patriotismo de Netto e de seus companheiros que sonharam com a República, uma realidade desde 1889.

Como últimas vontades manifestou, em vida, o desejo de abrir mão dos vencimentos de oficial general que lhe eram devidos desde a Campanha contra Aguirre e de seus restos mortais irem descansar em mausoléu que em vida mandara construir em Bagé, onde ligara-se muito à sociedade.

Netto desde o final da Revolução Farroupilha radicara-se no Uruguai como estancieiro. Casara cinqüentão com a filha de um estancieiro, de cujo consórcio teve duas filhas, e de muito pouca idade quando faleceu.

 

Retorno ao pago para o sono eterno

 

Em 1966, no ano do centenário de sua morte, Neto foi exumado em Correntes. Um avião da FAB aterrou em Bagé transportando os restos de um dos mais destacados líderes de Cavalaria do Brasil. Restos endereçados à Chefia do Estado- Maior do III Exército. Em meio à tocante cerimônia, o general comandante da 2ª Divisão de Cavalaria, em Bagé, Gen de Brigada Fritz Azevedo Manso introduziu a urna do grande cavalariano farrapo e depois imperial e vanguardeiro de Osório, até Tuiuti, na defesa da Integridade e da Soberania do Brasil, num mausoléu de mármore branco com o seguinte epitáfio:

"Aqui descansam os restos mortais do Brigadeiro Antônio de Souza Netto, falecido na cidade de Corrientes, em 1º de julho de 1866."

Entre os discursos pronunciados recolhi estas pérolas:

"O Brigadeiro Antônio Netto, também foi representativo do torrão continentino e do maior quilate, figura espartana de soldado e modelo de lealdade."

O historiador Tarcísio Taborda ligado à família de Silva Tavares, por parentesco, assim falou em discurso no cemitério em seus trechos mais expressivos:

"Os manes do herói voltam à Pátria. E voltam à frente da Cavalaria Rio- Grandense. Foi de Bagé que ele saiu à frente do Exército Brasileiro para lutar no Paraguai...

Seus restos aqui vem se juntar aos de seu adversário constante - Silva Tavares, Visconde de Cerro Alegre. Unidos como durante o período em que lutaram contra nossos vizinhos em defesa da Integridade do Brasil. Unidos, na morte, como unidos estiveram na glória, dois ilustres rio-grandense e heróis do Brasil."

E completaríamos dois grandes, valorosos e autênticos soldados do Brasil, no Rio Grande do Sul exemplares e coerentes, na luta pelas suas verdades à República e à Monarquia na Revolução Farroupilha, mas unidos numa verdade comum - à defesa da Integridade e da Honra do Brasil.

Os Anais do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul trazem interessantes subsídios sobre Netto.

 

Descendência

 

Netto casou em Paissandu, em 4 de dezembro de 1860, aos 57 anos, com Maria Medina Escayola. Deste consórcio nasceram no mesmo local em 1862, Teotônia Netto e em 1863 Maria Antônia.

Teotônia casou com o coronel francês Guillards e faleceu na França, sem descendentes.

Maria Antônia casou em Montevidéu, com o Dr. Domingo Mendilaharsei, onde faleceu em 1949. É seu único filho Carlos Mendilaharsei que morava em Montevidéu, com duas filhas. Antônio Netto foi proprietário no Uruguai das estâncias Zamora e Queguai.

Segundo Décio Vignole Neves, era irmão de Florisbelo de Souza Netto, pai do general revolucionário de 1923 Zeca Netto (José Mattos Netto) com Rafaela de Souza Mattos, por sua vez, irmão do Tenente-Coronel Teófilo de Souza Mattos, nosso bisavô e comandante dos canguçuenses na Guerra do Paraguai e casado na família Borba com ramos em Canguçu na Armada e em Bagé.

Nesta ano em outubro ser;a comemorado os 80 anos da conquista de pelotas por alguma horas pelo General Zeca Netto, numa imitação de feito do seu tio ilustre realizado na Revolução Farroupilha ,quando sua Divisão Liberal acantonou no Teatro 7 de Abril.


(X) Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul e da Academia Cnguçuense de História