A GUARDA NACIONAL DE NOVO!!!

Cláudio Moreira Bento(x)

Em 1831 surgiu na Câmara de São Paulo a idéia vitoriosa da criação da Guarda Nacional para fazer frente à crise decorrente da Abdicação de D. Pedro I, caracterizada por cerca de 13 anos de lutas fratricidas nas províncias. Lutas que só tiveram fim em 1º mar 1845, com a pacificação da Família Brasileira em Ponche Verde, com o fim Revolução Farroupilha. Esta ,no campo militar ,em realidade , liderada por comandantes de unidades do Exército, destacadas no Rio Grande, como os coronéis de Estado-Maior do Exército, Bento Gonçalves da Silva, Bento Manoel Ribeiro e os majores fluminenses Mariano de Matos e João Manoel de Lima e Silva, comandantes da Artilharia e Infantaria do Exército na Província e outros, conforme demonstramos em O Exército farrapo e os seus chefes(Rio de Janeiro: BIBLIEX, 1992. 2v)

Revolta provocado por medidas políticas, radicais e passionais tomadas contra o Exército, por haver apoiado D. Pedro I na outorga da Constituição de 1824, e que se sentiu traído depois de haver apoiado a Abdicação. Medidas consistentes em destinar o Exército "a missão de defender as fronteiras e o litoral". Na prática consistiu numa erradicação apaixonada e radical do Exército, deixando a Defesa Nacional em situação crítica com a redução drástica dos efetivos de nossas fortalezas e unidades .Estas confinadas nas fronteiras, como foi o caso do 8º BI, ao comando do Major João Manoel Lima e Silva, sobrinho de Caxias, em São Borja e a Artilharia em Rio Pardo e a nossas 4 unidades de Cavalaria no Rio Grande terem seus efetivos reduzidos a um esquadrão cada etc.

Depois de Revolução de 1842 em São Paulo e Minas, a Guarda Nacional, cujos postos deviam ser preenchidos por eleição, se tornou política, o que assinalou o início de sua degradação e incompetência para a Defesa Nacional. Historicamente a sua maior vítima foi o então Capitão Mallet, atual patrono da Artilharia do Exército, mandado embora, por ser considerado estrangeiro, ficando 20 anos fora. Na Província do Rio Grande, na pacificação da Farroupilha e guerras contra Oribe e Rosas 1851-52, contra Aguirre 1864 e do Paraguai 1965-70, a Guarda Nacional gaúcha prestou relevante papel e revelou grandes chefes militares como o General Andrade Neves, e o Cel Niderauer, hoje inclusive denominações históricas de unidades do Exército . Mas não no restante do Brasil e, especialmente no Vale do Paraíba, para prevenir que revolucionários liberais de Minas e São Paulo nela ingresassem .Sobre o candidato aprovado deveria constar esta expressão: "É amigo da ordem e da Monarquia Constitucional!" . Sobre um candidato reprovado constou na recusa : "Foi um dos mais encarniçados corifeus da Rebelião de 1842. Sua casa serviu de QG dos desordeiros e até hoje ele sustenta as mesmas idéias. É homem perigoso para se lhe confiar emprego na Guarda Nacional e não pode merecer confiança do governo".

A Guarda Nacional foi suspensa nas cidades revolucionárias de São Paulo e Minas Gerais, onde simpatizantes da causa liberal foram demitidos e não recompletados. Enfim, a Guarda Nacional se tornou braço político armado do governo.

Isto demonstra a degradação da Guarda Nacional, já em sua raiz, que por outro lado tornou-se anti-Exército. Foi extinta em 1918 pelo Presidente Wenceslau Braz. A este tempo a decadência era tamanha que foi oferecido aos seus oficiais um curso de atualização na atual Casa de Deodoro, para serem aproveitados e ninguém se habilitou. A Guarda Nacional passara a vender suas patentes a pessoas ricas que pudessem paga - las. E aos poucos o poder econômico, conquistou o poder militar e por via de conseqüência o poder político.

Creio que com a República com a extinção dos títulos de nobreza, as elites passaram a destacar-se ostentando os títulos hierárquicos da Guarda Nacional que traduziam o poder relativo econômico e político de cada titular. E aí parece residir a origem do fenômeno "Coronelismo político". Face ao caráter mais político do que militar da Guarda Nacional foi que Caxias sempre que era mandado pacificar uma província impunha a condição de comandante militar e presidente da Província. Isto em razão da Guarda Nacional ser subordinada ao Presidente da Província.

Ao enviar Osório para organizar o III Corpo de Exército no Rio Grande, este sentiu enorme dificuldade em razão de atitudes adversas do Presidente da Província, problema solucionado aos ser colocado o Barão Homem de Mello como Presidente da Província, o qual foi mais tarde destacado professor do (CMRJ) que proferiu a sua oração inaugural, A própria Proclamação da República liderada pelo Exército foi em grande parte devido ao anormal prestígio da Guarda Nacional pelo Gabinete Liberal, que negava aos militares o acesso à cidadania. A Guarda Nacional no Recrutamento preteria o Exército, que não conseguia atingir o efetivo permitido .. As armas de carregar pela culatra pretendeu-se destiná-las à Guarda Nacional ficando o Exército com as de carregar pela boca e, prioridade para a Guarda Nacional no uso das cavalhadas do Exército em exercícios e assim por diante, conforme demonstramos em O Exército na Proclamação da República(Rio de Janeiro: SENAI, 1989).

A sua extinção em 1918, combinada com a adoção do Sorteio Militar em 1916 se constituíram para o Exército a um só tempo na remoção de uma erva daninha que há 87 anos, atrasara o seu desenvolvimento como instituição e força operacional, ao lado do Sorteio Militar que se constituiu em fermento para o desenvolvimento do Exército, dispondo de reservas baratas e bem formadas, reforçadas agora não mais pela Guarda Nacional, mas pelas Polícias Militares, para se encarregarem em caso de conflito de missões militares na Retaguarda.

Como se pode concluir a experiência da Guarda Nacional que se pensou ressuscitar face as crises geradas por greve nas polícias militares e civis foi negativa. O nome Guarda Nacional poderia obrigar outro tipo de instituição, mas é um nome desmoralizado no Brasil e sem credibilidade histórica .

No início da Regência, foi mobilizado o Batalhão Sagrado, cujo subcomandante foi o mais tarde Duque de Caxias. E funcionou a contento e evoluiu no Rio para a atual PMRJ que assegurou cerca de 50 anos de paz e tranqüilidade ao Governo Central e a cidade do Rio de Janeiro , só alterada com a Revolta do Vintém em 1880, quando Caxias já se havia retirado da vida pública.

O momento está ao que parece exigir calma, tranqüilidade e muita reflexão na solução de qual força de status federal para a atuar em emergências.

E se impõe confiar nos conhecimentos dos chefes das Forças Armadas e Forças Auxiliares, evitando-se felizmente as já descartadas Guarda Nacional, fusão de polícias militares e civis e sim a integração progressiva das mesmas no desempenho de suas funções diferenciadas e complementares.

E hoje as Forças Armadas, a concluir-se por depoimentos de seus chefes militares na Nova República, publicados na obra Militares e política na Nova República(Rio de Janeiro: FGV, 2001) estão empenhados na construção da Democracia Brasileira, resgatando a promessa dos líderes da Contra Revolução Democrática de 1964, que afastou o perigo de comunização em curso do Brasil aquele tempo. Ë necessário muita "paciência esta árvore de raízes amargas ,mas de frutos saborosos". E consulte- se a História a mestra das mestras para não se correr o risco de se repetir erros ,como o de se querer restaurar a falecida Guarda Nacional .

Talvez uma solução a ser estudada a sua viabilidade fosse manter o nome de Polícia Federal que integraria no mais alto nível a Polícia Federal Civil e uma Polícia Militar Federal .Esta recrutada nas Polícias Militares e nelas instruídas e em condições de serem mobilizadas tão logo se visualize uma crise com potencialidade de serem empregadas .Seria um exemplo federal da sonhada integração de polícias civis e militares que a Sociedade Brasileira sonha para a suas polícias ,ao invés da apregoada unificação que esbarra em fortes barreiras sociológicas .Um exemplo de integração do que parecia impossível foi a criação do Ministério da Defesa .E ele esta ai funcionando irreversível!.

(x) Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil