O ESPÍRITO MILITAR NO POETA MÁRIO QUINTANA

 

Cláudio Moreira Bento

 

Pouco conhecidas e divulgadas são as ligações do poeta Mário Quintana com a vida militar e a influência desta em seu espírito e em sua vida.e aqui recordadas no ano de seu centenário.

          Ele era neto do Capitão Médico Cândido Manoel de Oliveira Quintana, herói da Retirada de Laguna, na Guerra do Paraguai, e chefe do Serviço de Saúde da tropa que participou daquela épica operação militar. Ele e o Capitão Médico Dr. Manoel de Aragão Gesteira, ao lado do qual foram depositados seus restos mortais no Monumento aos Heróis de Laguna e Dourados, na Praia Vermelha, no Rio, foram os dois heróis que resistiram até o fim da Retirada, dos 12 médicos que iniciaram aquela operação militar, imortalizada internacionalmente, em francês, na pena de Alfredo de Taunay. Eles prestaram desvelada e comovente assistência aos coléricos da coluna.Coluna da qual participou como artilheiro o porto alegrense João Thomaz Cantuária ilustra soldado que comandou a 3 ª Região Militar em 1896 com a missão de consolidar a Paz de 93 firmada em Pelotas . Foi Ministro da Guerra a seguir .Em 1898 foi o primeiro Chefe do Estado-Maior do Exército , órgão criado pelo filho de Bagé Marechal João Nepomuceno Medeiros Mallet  como Ministro da Guerra e filho do heróico Marechal Emílio Mallet, patrono da Artilharia do Exército. O marechal Cantuaria é denominação histórica da 6ª Região Militar , por iniciativa do Gen Div João Carlos Rotta quando comandante daquela região, o qual  como comandante da 3ª  Região Militar teve a iniciativa de criar e nos encarregar de desenvolver o Projeto História do Exército no Rio Grande do Sul que já conta com 13 livros publicados .Entre eles merece destaque a História da 3ª Região Militar criada junto com o atual Estado do Rio Grande do Sul em 1807 e que completarão em 2007 , 200 anos de existência.

          Terminada a Guerra, o Capitão Manoel Quintana chegou em Alegrete incorporado ao 3º Regimento de Cavalaria, Unidade Militar que, terminada a Guerra do Paraguai, lá permaneceu até 1876 e que, por transformações, fusões e denominações posteriores, aquartelado em Jaguarão, resultou no atual Regimento Osório, de Porto Alegre. O Dr. Quintana passou a residir e a trabalharna Enfermaria Militar de Alegrete, ali vivendo até falecer, onde deixou sua descendência e, nela, o hoje seu neto famoso Mário Quintana.

          O General Alberto Martins da Silva biografou o Capitão Quintana em seu livro Cândido Manoel de Oliveira Quintana (Brasília: Thesaurus Ed. 2002), resumindo na 4ª capa a projeção, a seguir, do heróico avô do poeta Mário Quintana:

 

 

“O Capitão médico Candido Mariano de Oliveira Quintana, Herói da retirada da Laguna, nascido no Rio de Janeiro, no ano de 1829, foi integrante da Coluna Expedicionária formada para combater a invasão paraguaia de Mato Grosso, participando da famosa Retirada da Laguna. Enfrentou, na longa caminhada, a fome, as doenças e a falta de medicamentos, com coragem, estoicismo e patriotismo. Na vida civil radicou-se em Alegrete, tendo sido o tronco de grande família que ali construiu. Hoje seu restos mortais repousam no monumento aos Heróis de Laguna e Dourados, na cidade do Rio de Janeiro”.

 

            Mário Quintana nasceu em 1906, cerca de 18 anos depois do falecimento de seu heróico avô. E muito aprendeu sobre o avô com o seu pai farmacêutico, que também o alfabetizou usando como cartilha o jornal Correio do Povo.

          E foi influenciado pelas histórias de seu heróico avô na Retirada da Laguna, na Guerra do Paraguai, e mais as da Revolução de 93 em Alegrete, como a Batalha de Inhanduí e a tomada e incêndio da ponte do Ibirapuitã. Nesta época, dos 13 aos 19 anos, de 1919  ao início de 1924, adolescente, o poeta Mário Quintana cursou, como interno contribuinte, o Colégio Militar de Porto Alegre, no Casarão da Várzea.

          E ali acompanhou o desenvolvimento de um período revolucionário, as revoluções de 1922, 1923 e 1924, com fortes repercussões no Corpo de Alunos, e que envolveram, como a de 93, mais duas vezes, expressivamente, seu berço natal: Alegrete. Revolução que, neste particular, bem como a citada de 93, abordamos em nosso livro em parceria com o Cel Luiz Ernani Caminha Giorgis – História da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada – Brigada Charrua. (Porto Alegre: AHIMTB/IHTRGS/Metrópole, 2006), o 13ª volume do Projeto História do Exército da Região Sul, que estávamos desenvolvendo desde 1994.

          Foi no Colégio Militar de Porto Alegre que o poeta iniciou sua carreira literária como colaborador de sua histórica revista Hyloea.

          E no Colégio Militar de Porto Alegre ficaram os seguintes registros burocráticos de sua passagem por ali, em sua adolescência, segundo dados fornecidos pelo Museu Casarão da Várzea, através do citado Cel Caminha, professor de História daquele Colégio Militar.

          “Em 1º de abril de 1919, satisfeitas as exigências regulamentares Mário Miranda Quintana foi incluído no Colégio Militar de Porto Alegre como aluno interno contribuinte e classificado no 1º ano. Em Dezembro nos exames finais foi aprovado plenamente: Com grau 8 em Francês, grau 7 em Português, grau 6 em Aritmética, e simplesmente com grau 5 em Geografia e Desenho, tudo do primeiro ano. Nos exames práticos foi aprovado plenamente com grau 7 em Ginástica (hoje Educação Física) e simplesmente com grau 4 em Infantaria. Em 1º de abril de 1920, foi transferido da 1ªCompanhia para a 2,ª por conveniência do serviço. Em 20 de abril foi promovido a cabo de Esquadra de Infantaria, para o Batalhão Colegial. Em dezembro , nos exames finais foi reprovado em Desenho e aprovado simplesmente com grau 4 em Português e Aritmética e Geografia . Em 1921  nos exames de 2ª época foi reprovado em Desenho. Em setembro, a pedido de seu pai Celso de Oliveira Quintana foi desligado do Colégio Militar. Em abril de 1922 foi reencluido como aluno interno contribuinte. Em dezembro, nos exames finais foi reprovado em Álgebra e Geografia e aprovado plenamente com grau 4 em Aritmética e plenamente com grau 7 em Português e com grau 8 em Francês. Em março de 1923 nos exames de 2ª época foi reprovado em Álgebra e aprovado simplesmente com grau 5 em Geografia. Em dezembro, nos exames finais foi reprovado em Álgebra do 3º ano. Em 28 de janeiro de 1924 foi desligado do Colégio Militar de Porto Alegre, conforme pedido de seu correspondente.”

           Foram seus contemporâneos de 1919 a 1923 no Colégio Militar dois presidentes da República, Ernesto Geisel e Emílio Garrastazu Médici, e um vice-presidente, Adalberto Pereira dos Santos.

           Um pouco antes de ele ingressar no Colégio Militar ali se formaram os futuros presidentes Arthur da Costa e Silva e Humberto de Alencar Castelo Branco. O presidente Eurico Gaspar Dutra estudou um ano no Casarão da Várzea, ao tempo em que ali funcionou a Escola de Guerra. O presidente Getúlio Vargas não estudou no Casarão da Várzea e sim em Rio Pardo na Escola Preparatória e Tática do Rio Pardo, na virada do século 19 para o século 20, conforme abordamos no livro Escolas Militares de Rio Pardo 1856/1911. (Porto Alegre; AHIMTB/IHTRGS. Metrópole, 2005), porém ali serviu como Praça no 25º BI, após ter sido desligado daquela Escola. Obra em parceria com citado historiador Cel Caminha. Nele desfizemos dúvidas relacionadas com o injusto desligamento de Getúlio Vargas daquela Escola, junto com outros 19 companheiros, por culpa da atuação de um inábil e imprudente instrutor, cuja ação levou a serem punidos 100 cadetes dos 200 da Escola. Instrutor assim julgado por antigos alunos que atingiram os mais altos postos e projeção no Exército, como os marechais Mascarenhas de Morais, Pantaleão Pessoa e César Obino, os dois últimos também punidos. Mascarenhas de Morais, já havia ido para a Escola da Praia Vermelha e Pantaleão Pessoa pertencia a outra companhia que não foi envolvida no incidente. 

          Mário Quintana foi obrigado por motivos de saúde a desligar-se do Colégio Militar em janeiro de 1924. Em 1930 lhe surgiu nova oportunidade de retornar a vida militar. Apresentou-se como voluntário ao 7º Batalhão de Caçadores, atual 7º Batalhão de Infantaria Motorizado - Batalhão Gomes Carneiro, Santa Maria, que se encontrava em Porto Alegre em 3 de outubro de 1930, atendendo ao apelo “O Rio Grande de pé pelo Brasil!”. E seguiu para o Rio de Janeiro, via ferroviária, para apoiar a derrubada do presidente Whashington Luiz e a consolidação da Revolução de 30 na capital federal.

          Na capital permaneceu por cerca de 6 meses como soldado da Revolução de 30, retornando em 1931, onde retomou, em Porto Alegre, a sua consagrada carreira de poeta.

          Em 1978 ele retornou ao Rio de Janeiro representando a sua família nos atos de translado de seu heróico avô de Alegrete para o Rio de Janeiro onde nascera, e para ser colocado, com pompa e circunstância, no Monumento dos Heróis da Laguna, na Praça General Tibúrcio na Praia Vermelha.

          Na ocasião fez entrega às autoridades que organizaram a cerimônia, de toda a documentação militar do avô, conservada com orgulho por sua descendência.

          E o poeta acompanhou todo o cerimonial de translado desde Alegrete, passando por Porto Alegre e até o Rio de Janeiro, a bordo de um avião da FAB.

          E se hospedou com toda a Comissão encarregada do trabalho no Hotel do Clube Militar na Lagoa, tendo mencionado que possuía grande orgulho da participação do avô na Retirada da Laguna, mas que até então desconhecia a sua consagração pelo Exército Brasileiro com um de seus heróis.

 

  

Na foto, da esquerda para a direita, o terceiro é o poeta Mário Quintana, representando a sua família no traslado de seu avô, herói da Retirada da Laguna, cuja urna com seus restos mortais estão à frente do Gen Ex José Pinto, presidente  da cerimônia e comandante do I Exercito, atual comando Militar do Leste e ex presidente do Clube Militar. No fundo, dos 4 oficiais, o segundo é o historiador do Serviço de Saúde do Exército, Alberto Martins da Silva, então major médico e hoje general e acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB) que inaugurou na AHIMTB, cadeira do acadêmico da ABL e seu co-estaduano da Paraíba Gen Ex Aurélio de Lyra Tavares.

           

O translado contou com todo o apoio da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, no comando do General Ivan de Souza Mendes e foi idealizada, planejada  e conduzida pelo Major Médico Dr. Alberto Martins, aluno daquela Escola de Altos Estudos Militares e hoje General Alberto Martins da Silva, o historiador do Serviço de Saúde do Exército e acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB), onde ocupa a cadeira General Aurélio de Lyra Tavares. Este,  foi Ministro do Exército, embaixador do Brasil na França e acadêmico da Academia Brasileira de Letras (ABL) e que, certa feita, foi visitado pelo poeta em campanha para ingressar na citada ABL.

          E contou-nos o acadêmico General Lyra Tavares que ele recebeu o poeta com imensa satisfação. E que na ocasião sua senhora, filha de Cachoeira do Sul, preparou-se para receber o poeta com um café e um prato de sonhos, tradição gaúcha. E ao passar o prato de sonhos ao poeta ele saiu com esta tirada: - “Muito obrigado minha senhora. Como eu, um poeta, poderia comer sonhos? Seria um sacrilégio?”

          Mas o poeta não foi aceito pela Academia Brasileira de Letras, circunstância que teria lhe provocado a seguinte reação. -”Eles passarão! Eu, passarinho!”. Em realidade é indiscutível a merecida fama do poeta passarinho, em comparação com as dos que se opuseram ao seu ingresso na ABL.

        De seus contatos com a vida militar por cinco anos como aluno do Casarão da Várzea, como soldado de Infantaria voluntário na Revolução de 30 e influências das histórias de seu avô na Retirada da Laguna e das revoluções de 93, 23 e 24 que envolveram Alegrete, e ainda a de 30 em que foi soldado voluntário, conclui-se de seu espírito militar sintetizado nesta sua afirmação ao lhe ser perguntado qual o epitáfio que gostaria ver gravado em seu túmulo, ao que teria respondido:

 

“Mário Quintana”

“Tombou  heróicamente em combate, ao comando do Marquês de Caxias, na conquista da Ponte de Itororó, em 6 de dezembro de 1868.

 

(x) Cel Cláudio Moreira Bento , natural de Canguçu- RS, fundador e presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil(AHIMTB), do Instituto de História e Tradições do RGS(IHTRGS) e das academias  Canguçuense (ACANDHIS) e Piratiniense (ACAPIR)  de História, e correspondente do CIPEL.

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