A QUESTÃO DO PIRARA E A RESERVA RAPOSA SERRA DO SOL
- Uma opinião -
Luiz Ernani Caminha Giorgis (*)
1. Introdução
A chamada Questão do Pirara foi uma das mais importantes disputas territoriais do Brasil com seus países lindeiros. Exigiu da diplomacia brasileira um desempenho à altura da disputa com um dos países mais importantes do mundo. No caso, a questão foi entre o Brasil e a Inglaterra. A Guiana Inglesa não era, como hoje, um país independente.
A região do Pirara é uma das mais setentrionais do país, localizada a nordeste do atual Estado de Roraima. Fica localizada entre os meridianos 58º e 60º oeste e entre os paralelos 1º e 4º de latitude norte, compreendida entre a margem esquerda do Rio Rupununi e o Lago Amacu, o rio Pirara, o rio Mahú e o rio Tacutú, até as nascentes deste último ao sul.
A antiga denominação do Estado de Roraima era Território Federal de Roraima ou, mais antiga ainda, Território Federal do Rio Branco. O principal e mais importante curso d’água de Roraima é o Rio Branco. Por ele chegaram os primeiros colonizadores portugueses. A Capitania do Rio Negro foi fundada em 1755 para fazer face aos holandeses.
A questão arbitral com a Inglaterra ocorreu a partir de 1901, sendo concluída em 1904. O Ministro das Relações Exteriores da época era o insigne diplomata José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, que foi Ministro das Relações Exteriores durante os governos de Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-06) e de Hermes Rodrigues da Fonseca (1910-14). O plenipotenciário brasileiro que defendeu os nossos interesses na disputa foi o outro insigne diplomata Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (Recife, 1849- Washington, 1910), também político, historiador, jurista e jornalista. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Nabuco foi escolhido para a missão pelo Presidente Campos Sales e por seu Ministro das Relações Exteriores Olinto Magalhães.
2. Antecedentes
Os antecedentes da questão mostram que em 28 de agosto de 1613, o rei Jacques I, da Inglaterra, concedia a Robert Harcourt, John Rovenson e a Sir Thomaz Challoner, através de cartas patentes, o território compreendido entre os rios Amazonas e o Essequibo.
Seis anos depois da primeira concessão, a 01 de setembro de 1619, o mesmo rei renovava as cartas patentes aos mesmos súditos. Foi uma verdadeira pirataria terrestre, sendo as cartas patentes verdadeiras “cartas de corso terrestres”.
Vê-se que a questão vem de longe. Não se pode esquecer a luta do bravo Pedro Teixeira contra holandeses, ingleses e franceses no século XVII na Amazônia.
Conforme o General Antonio da Rocha Almeida[1], pelos textos dos Tratados de 1750 (Madri) e 1777 (Santo Ildefonso), a fronteira com a atual Guiana Inglesa deveria acompanhar os altos cumes da meseta brasílico-guianense.
Em 1777, efetivos espanhóis partidos do Orenoco alcançaram o Uraricoera, fundaram um pequeno estabelecimento e passaram ao Rio Branco. Um destacamento luso-brasileiro comandado pelo Capitão Filipe Sturm derrotou os invasores, apoderou-se do material bélico que traziam, iniciou a construção de um forte e criou seis pequenos núcleos urbanos. Conforme a Enciclopédia Delta Larousse/1972 (Vol 13, pág. 5947), esses núcleos foram destruídos por um levante indígena chamado Praia do Sangue, violentamente contido por forças militares.
Em 1778, o Capitão-de Fragata Francisco José de Lacerda e Almeida, nomeado pela Coroa portuguesa, foi até o Rupununi e Essequibo, encontrando por toda parte vestígios de ocupação espanhola e portuguesa. O direito de dominação portuguesa até o Rupununi sempre foi questão fechada. Na mapoteca do Itamaraty pode ser consultada a Carta Genérale et particulier de la Colonia Essequebe et Demerara, situeé dans la Guiana en Amérique, redigeé et dedieé au Comité des Colonies et possessions par de Mayor F. v. BOUCHENROEDER, 1978.
Ainda conforme Rocha Almeida, junto a esta carta lê-se a seguinte nota:
Esta carta é em grande escala e mostra as embocaduras dos rios Demerara e Essequibo desde a foz até grande distância para o interior, dando bem a conhecer que a fronteira do Demerara com o Brasil é o rio Rupununi.
Em 1781, o Capitão de Fragata Antônio Pires da Silva Pontes e o Capitão de Engenheiros Ricardo Franco de Almeida Serra, membros da Comissão de Limites, exploraram a região e estudaram as linhas limites a serem propostas. Outros demarcadores que estiveram na área foram Eusébio Antônio de Ribeiros, José Simões de Carvalho e Alexandre Rodrigues Ferreira. Este, deixou uma memória chamada Tratado Histórico do Rio Branco.
3. A presença inglesa na área
Somente em 1799 procuraram os ingleses estabelecer-se nas Guianas, quando o governo inglês apoderou-se da Guiana Holandesa, que foi restituída em 1801, mas retomada em 1803. Desta segunda vez, os ingleses permaneceram por dez anos. Em 1814, os ingleses ocuparam os estabelecimentos do Demerari, Essequibo e Berbice, e desses locais apossaram-se definitivamente, com a aquiescência da Holanda.
A partir de 1782, quando foi extinto o Estado (Capitania) do Grão-Pará e Rio Negro, o contencioso do Pirara passou diretamente para a Coroa portuguesa através da sua colônia brasileira.
Em 1810 os ingleses subiram pela primeira vez o Essequibo. O Capitão D. P. Simon, chefe da expedição, estava encarregado de pacificar tribos indígenas que estavam em guerra. O naturalista inglês John Hancock e o Tenente-Coronel D. Van Sirtema, acompanhavam Simon. Desejosos de visitar o Forte de São Joquim, endereçaram ao comandante uma carta solicitando permissão, em 22 de janeiro de 1811, para a visita. Esta expedição foi encontrada alguns dias depois por um Sub-oficial e dois soldados luso-brasileiros em uma aldeia de índios na margem esquerda do Rupununi. O Sub-oficial informou-os que estavam em território português, pelo que a expedição britânica pôs-se em marcha para o Rupununi, onde ficou aguardando a resposta da carta. Em 22 de fevereiro receberam os ingleses a autorização e os dois oficiais mais o médico foram escoltados até o Forte. Doze dias depois, Simon despedia-se do comandante do Forte de São Joaquim e, escoltado por um destacamento português, retornou a Demerari. Os outros, Van Sirtema e Hancock só deixaram o Forte a 12 de maio, sendo escoltados por seis soldados e pelo Destacamento do Pirara, este comandado por Pedro Ferreira Mariz Sarmento.
Estes detalhes são muito úteis, pois mostram que, desde a primeira visita dos inglêses ao Rupununi e ao Pirara, os mesmos encontraram estes destacamentos efetivamente ocupados pelos militares pertencentes ao Comando Militar do Rio Branco.
Mas a questão só tomaria vulto a partir de 1835, quando a Sociedade de Geografia de Londres (Royal Geographical Society of London) incumbiu o explorador prussiano naturalizado inglês Robert Hermann Schomburgk, acompanhado pelo irmão Moritz Richard, de ir às Guianas e fixar os limites entre as possessões inglesas e seus vizinhos. O passaporte para Schomburgk foi concedido pelo Ministro do Brasil em Londres, a pedido do então Ministro dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra, Henry John Temple, Lord Palmerston.
Schomburgk fez três expedições à Guiana. Na primeira, conforme Carolina Nabuco[2], ficou “encantado” com a bela vila de Pirara, habitada pelos índios Macuxis, à beira do lago Amucu. A última foi em 1838 quando ele, após ter encontrado o Forte de São Joaquim e o Posto do Pirara sem efetivos, já que os militares tinham acorrido ao interior para combater a Cabanada, retornou à Inglaterra e recomendou a colocação de marcos de posse nas embocaduras dos rios Mahú (Ireng) e Tacutu. Em carta a um luminar da Royal Geographical Society chamado Thomas Buxton, Schomburgk diz o seguinte:
A linha do divisor de águas entre os rios que são tributários do Essequibo, de um lado, e do Amazonas do outro, formaria sem dúvida a fronteira mais natural...Mas ignora-se completamente que as possessões dos portugueses e mais tarde dos brasileiros se tivessem estendido a leste do Forte São Joaquim (grifo meu). Ora, nesse caso a bandeira da Grã-Bretanha flutuou sobre Pirara antes da brasileira. Arvoramo-la na praça da vila com todas as honras possíveis por ocasião do aniversário do rei.
Os marcos foram colocados, e possuem legendas de 25 de abril de 1842. Conforme o Coronel Manoel Soriano Neto, Schomburgk, em relatórios a Londres, dizia que a presença militar lusitana na região era precária, quase inexistente. Sugeriu, inclusive, que a Inglaterra deveria ocupar esses espaços 'vazios', mandando demarcá-los para os domínios de sua majestade inglesa e até de ocupá-los em caráter permanente. Nessa demarcação, os britânicos estenderam, erradamente, a linha extremo-oeste, que tinha de ficar limitada ao Rupununi, até as margens do rio Cotingo, em toda a extensão deste. Esta linha foi chamada de "Linha Schomburgk".
Conforme o professor Carlos A. Borges da Silva, da Universidade de Roraima:
A demarcação das linhas de fronteiras havia empurrado Schomburgk para a esfera política, não mais científica como na época de suas primeiras expedições. Tanto que em 1841, o Governador do Demerara enviou uma ordem para expulsar os brasileiros do Pirara, e nomeou o Inspetor Geral de Polícia, William Crichton, que trouxera uma carta ao Comandante Brasileiro de Fronteira, com ordem expressa de abandonar o Pirara, sob argumento de ser um lugar ocupado por tribos independentes. Para Joaquim Nabuco isso significava, “que a tribo de índios independentes reclamava a proteção da Grã-Bretanha”.
Essa preocupação com a proteção dos índios já teria sido manifestada também por Hillhouse, que falava dos grilhões, dos crimes e outras barbaridades cometidas contra aqueles “que viviam melhor no estado de natureza selvagem”. Destarte, a referência ao maltrato aos indígenas, será muito usada pelos ingleses para justificar a Linha Schomburgk.. Pelo menos é o que se verifica em Nabuco, em alguns trechos de suas Memórias, e também entre os experts venezuelanos nomeados em vários momentos para documentar a Questão Essequibo. Foi com este argumento que Crichton escreveu a Light recomendando fixar uma linha de fronteira entre os dois países, que deveria seguir a cadeia de montanhas que separam as águas que correm para o oceano Atlântico e as águas que correm para o sul, para a bacia do Amazonas, e certos rios ou pequenos cursos d’água, onde montanhas são interrompidas por savanas. Assim, em função de uma dúvida sobre linha de fronteira, colocada pelos britânicos, é que se iniciaram os contatos formais entre Grã-Bretanha e Brasil, de um lado, e Grã-Bretanha e Venezuela de outro. No dia 18 de março de 1840, Lord Palmerston propôs ao Lord John Russell que se colocassem em prática as idéias de Schomburgk sobre a linha de fronteira, e que cada governo: Brasil, Venezuela e Guiana, oferecessem suas defesas e justificativas.
Conforme o Coronel Cláudio Moreira Bento, Presidente da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, em 1837 o diplomata inglês Lord Palmerston declarava que o Forte São Joaquim havia sempre sido considerado limite entre o Brasil e a Guiana. Nesta ocasião teve início a manobra para espoliar a Planície do Pirara do Brasil.
Em 14 de fevereiro de 1842, ocorreu a ocupação do Pirara por um destacamento inglês, comandado pelo Tenente Bingham. A vila estava praticamente deserta.
4. O Forte de São Joaquim
Sobre o Forte de São Joaquim do Rio Branco, afirma Cláudio Moreira Bento[3], que o mesmo foi concluído em 1778, na confluência e sobre a margem esquerda do rio Tacutu, ou seja, um ano após o Tratado de Santo Ildefonso, celebrado entre Portugal e Espanha. Em 1786 serviu de base de operações para o Engenheiro Militar Coronel Manuel da Gama Lobo d’Almada, o qual havia sido encarregado de levantar, mapear e organizar a defesa do Vale do Rio Branco.
O Forte São Joaquim foi desativado por volta de 1900. Sua planta faz parte da mapoteca do Centro de Documentação do Exército (CDocEx), Brasília, e é denominação histórica do Comando de Fronteira de Roraima/7º Batalhão de Infantaria de Selva (CFR/7º BIS) – Forte São Joaquim do Rio Branco, Boa Vista.
5. Manuel da Gama Lobo d’Almada
O Brasil deve a este engenheiro militar, demarcador e geógrafo a nova política da qual resultou a integração definitiva da região de Roraima ao mundo luso-brasileiro, com a fundação de fazendas de gado. Essas fazendas chamaram-se São Bento, São José e São Marcos. Em 1818, o rebanho de gado bovino chegava a 4.347. Lobo d’Almada deixou a memória intitulada Descrição relativa ao Rio Branco e seu território. Este militar destacava-se pela sua liderança através do exemplo, o qual assim justificava:
“Eu mesmo vou pessoalmente a todas as expedições. Não permito que os meus companheiros passem por trabalhos ou perigos em que eu não seja o primeiro a dar-lhes o exemplo”.
Neste caso, a justificativa de d’Almada lembra a valorosa atitude do Gen Heleno, atual Comandante Militar da Amazônia, ao denunciar a política do governo na área.
Um dos lemas mais significativos de Lobo d”Almada era o seguinte:
“Todo sangue que corre a serviço da Pátria é nobre!”
6. A cobiça inglesa
Em junho de 1838, um missionário anglicano de nome Thomas Youd chegou até a aldeia brasileira no Pirara e instalou-se um pouco mais acima, criando uma missão religiosa entre os rios Pirara e Moneca, à margem esquerda do Guatatá. Atraiu para o local alguns ingleses, que se misturaram com os índios e com brancos que ali já estavam instalados. Esse conglomerado recebeu o nome de Forte de Nova Guiné. Foi necessário que o Comandante do Forte São Joaquim, Capitão Ambrósio Aires, acompanhado pelo Frei José dos Santos Inocente, cumprindo ordens do Presidente da Província do Pará, General Soares de Andréia, fossem até a presença do audacioso missionário e o intimidasse a deixar o território onde estava instalado, pois ali era território brasileiro. Youd deixou a região, mas levou consigo os índios já catequizados.
Em 1840, foi publicada em Londres a obra Uma descrição da Guiana Britânica, que modificava a fronteira em prejuízo do Brasil. Na época, as relações diplomáticas entre o Brasil e a Inglaterra eram frágeis.
7. A reação à demarcação
Contra a demarcação arbitrária, o Brasil protestou energicamente. O Presidente do Pará despachou um oficial do Exército, o Capitão José de Barros Leal, acompanhado por um único soldado e por um missionário católico, para efetuar a ocupação permanente da vila de Pirara.
As tropas inglesas foram retiradas e os marcos colocados por Schomburgk também, mas permaneceram as dúvidas sobre os verdadeiros limites.
Em seguida, os ingleses fizeram nova investida, desta vez de fixação na Ilha Camaçari, junto ao Pirara. O governo brasileiro protestou e a região foi, de comum acordo, declarada sub nullius jurisdiccionis (sob jurisdição nula). Sob o argumento britânico de o território ser ocupado por tribos independentes que reclamavam a proteção inglesa, o Brasil reconheceu provisoriamente a neutralidade da área em litígio e retirou seus funcionários e o destacamento militar, com a condição de que as tribos continuassem independentes. O Império cumpriu religiosamente essa neutralidade, o mesmo não acontecendo com a Inglaterra, que a desrespeitava ostensivamente.
Conforme Pedro Calmon[4] “A questão tornou-se subitamente grave, com o erro das autoridades brasileiras, de não se estenderem para leste do Forte de São Joaquim, nele se conservando, porque era a baliza, solidamente estratégica, a velar pela comunicação natural do Rio Branco com o Amazonas – erro que permitiu a incursão do estrangeiro, de bandeira arvorada”.
Ainda conforme Calmon, essa ocupação “de fato”, a despeito da documentação, foi fatal ao direito do Brasil. Registra, também, um comentário do Barão do Rio Branco, sobre o caso: “o nosso direito não era tão fácil provar nesse caso quanto no caso das Missões e do Amapá”. Ou seja, a posse, precedendo ao litígio, foi decisiva.
Na década de 1885, o Ministro de Estrangeiros da Inglaterra, Robert Arthur Gayscone-Cecil, Lord Salisbury, teria dito a Joaquim Nabuco referindo-se, com desprezo, ao Pirara como “Uma região em que não existe uma vaca”.
Em 1896, o governador do Amazonas, Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro e o Senado Federal exigiram providências do Presidente Prudente José de Morais Barros. Em 1898, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, General Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira, protestou junto à Rainha Vitória contra a decisão do Tribunal Anglo-Venezuelano que traçou os limites Venezuela-Guiana por sobre território do Brasil.
8. O Tratado de Arbitramento
A 07 de novembro de 1901, assinava-se em Londres o Tratado de Arbitramento para a fixação das fronteiras entre o Brasil e a Guiana Inglesa, tendo sido convidado como árbitro o jovem Rei da Itália, Vittorio Emmanuele III, o qual aceitou a missão. O arbitramento foi negociado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores, General Dionísio Cerqueira, que era conhecido pela sua experiência de explorador exaustivo dos confins amazônicos.
Conforme Pedro Calmon, inicialmente pensou-se no Grão-Duque de Baden, Frederico Guilherme Luís (Frederico I), mas o Rei da Itália era “...mais inclinado ao poderio inglês do que à simpatia americana”.
Sobre isso opina o historiador Dr. Corálio Cabeda, sócio fundador do IHTRGS:
Vitorio Emmanuele III reinava sobre uma Itália há pouco reunificada, com inimigos à volta (Império Austro-Húngaro) e com ele disputando territórios (Tirol do Sul, Vêneto, Fiume, Udine, Dalmácia, etc.). Logicamente tinha necessidade de aliados poderosos. E quem melhor do que a Inglaterra, à época a incontestável Rainha dos Mares e dona do maior império colonial do planeta? Vai daí que o rei italiano, árbitro escolhido pelas partes, deu à Inglaterra vitoriana um belo naco do nosso território. O Schomburgk já tinha feito a sua parte, como hoje as ONGs também fazem.
Rei de 1900 a 1946, Vittorio Emmanuele III nasceu em 11 de Novembro de 1869 em Nápoles, vindo a falecer em 28 de Dezembro de 1947 em Alexandria (Egito). Neto de Vítor Emanuel II, rei da Sardenha e da Itália, ascendeu ao trono italiano após o assassinato do pai, Humberto I. Reinou na Itália até 1946, inclusive durante a guerra. Abdicou em favor de seu filho Humberto II, que reinou efêmeros 35 dias (09Mai/13Jun46), quando abdicou depois de um referendo favorável à república, aprovado por um plebiscito. Foi o último monarca da Itália.
Vittorio Emmanuele, ao ser assinado o Tratado de Arbitramento, tinha somente 32 anos de idade.
O Tratado de Arbitramento estabelecia como território em litígio a área “entre o Tacutu e o Cotingo e uma linha tirada da nascente do Cotingo para leste, acompanhando o divisor das águas até um ponto próximo ao Monte Ayangeanna; daí para o sudeste, seguindo ainda a direção geral do divisor de águas, até o Monte Anaí, daí pelo seu tributário mais próximo até o Rupununi, subindo este rio até a nascente e dela atravessando a encontrar a nascente do Tacutu”.
Joaquim Nabuco fez uma larga e magnífica exposição histórica, mostrando a posse e domínio dos rios Amazonas, Negro e Branco, a cuja bacia pertence o território então pretendido. O Brasil defendia três títulos:
- O 1º, era a ocupação portuguesa do Amazonas que, desde o século XVII, estendeu-se além da confluência do Rio Negro, do qual o Branco é tributário;
- O 2º, referente aos territórios do Rio Branco, era o domínio do Negro, do qual o Branco é afluente; e
- O 3º, era a posse do Rio Branco pela Coroa portuguesa, posse esta que não precisava de prova, como não necessitava de prova a posse do Amazonas e também a do Negro.
No pleito, Joaquim Nabuco utilizou dois princípios básicos: o da doutrina do divisor de águas (watershed-line) e o do direito de propriedade mesmo esporádica (inchoate-title), pretendendo suprir o árbitro de provas decisivas, capazes de levá-lo à convicção. Para isto reuniu, de forma ordenada, sistemática e lógica, documentos de natureza histórica, diplomática e cartográfica. Procurou valorizar, teorizar e transformar em título jurídico de soberania o documento cartográfico. Ao final do seu texto, Nabuco conclui dizendo:
“O Brasil sustenta que a Inglaterra não tem direito algum a atravessar o Rupununi e a estabelecer-se na bacia do Amazonas”.
Apesar dos bem redigidos e abundantes documentos e mapas, o rei italiano declarou “não achar elementos para decidir qual era o direito preponderante”. E assim, mesmo depois de brilhantíssima defesa dos interesses brasileiros pelo Dr. Joaquim Nabuco, Vittorio Emmanuele proferiu, em 14 de junho de 1904, seu laudo arbitral, verdadeira sentença de Salomão, fazendo entregar 19.630 Km2 à Inglaterra e 13.370 ao Brasil, dos 32.000 em litígio. Fez esta divisão segundo uma linha que vai do Monte Yakontiput até à nascente do Rio Mahú, desce por este rio até a sua confluência com o Tacutú, e segue o curso do Tacutú até a nascente, onde se prende à linha oriental fixada em 1901.
É conveniente colocar que a fronteira foi levemente modificada em 1908, porque o Rio Cotingo não sai do Monte Yakontiput e sim do Monte Roraima. Entre estes dois montes, a fronteira passa, hoje, pela linha dos mais altos cumes.
A arbitragem atribuiu assim, à Inglaterra, o território entre os rios Mahú-Tacutú e o Rupununi, consagrando a usurpação de 1840, desprezando o divisor de águas – a Serra de Pacaraima – e, principalmente, trouxe o domínio britânico às ribanceiras do Tacutú, o que significou abrir aos ingleses o Rio Branco e, através deste, o acesso ao Amazonas. Em contrapartida, negou à Inglaterra o limite pelo rio Cotingo, recuando-o até o Mahú, procurando assim equilibrar o resultado.
Joaquim Nabuco, após o laudo arbitral, defendeu o árbitro, sustentando que Vittorio Emmanuele quis “contentar as duas partes, dividindo o contestado”.
Conforme Calmon: ...disfarçou Nabuco o insucesso, consolando-se com este pensamento salomônico: “Em tais circunstâncias, folgo de ter recuperado para nós o trecho que mais nos convinha”. Em verdade, nunca se refez deste desgosto, que o surpreendeu, depois de ter empenhado admiráveis esforços na defesa de sua causa. A chancelaria brasileira tinha ganho, pouco antes, o seu mais ruidoso triunfo, o Acre.
A nossa fronteira com a Guiana se desenvolve por 1.606 Km, dos quais 816 em vertentes e 790 em cursos d’água. O relevo, inicialmente elevado, constituindo as culminâncias do Planalto Guiano, com representações como a do Monte Roraima, perde altura abruptamente, chegando à larga depressão do Tacutu-Rupununi, onde as cotas de 200 metros predominam. A partir do Monte Uamuriactaua o relevo ganha altitude novamente, atingindo 1.000 metros na Serra de Acari, e a linha de crista de cotas entre 400 e 600 metros prossegue, servindo de divisória entre os dois países. Duas províncias guianenses lindam com o Brasil: Essequibo e Berbice.
A principal atividade econômica da área NE de Roraima é a criação extensiva de gado bovino, mas está cedendo terreno para a orizicultura. A área de Roraima é de 230.104 Km2 (2,7% da área do Brasil).
Na criação do Território em 1937, o espírito que norteou os legisladores e o governo foi, além das considerações de ordem administrativa, a melhor vigilância das fronteiras do país.
As fronteiras físicas estão definidas e demarcadas. O mesmo não acontece com as fronteiras humanas.
9. A Reserva indígena Raposa Serra do Sol
Conforme o Dr. Jorge Babot Miranda[5], a Reserva Indígena Raposa Serra do Sol situa-se no nordeste do Estado de Roraima, na fronteira com a Guiana e a Venezuela. Tem 1.678.000 hectares de área, conforme a Portaria 820/98 do Ministério da Justiça, que declara a terra indígena Raposa Serra do Sol posse tradicional e permanente dos povos indígenas que lá habitam, excluindo as áreas de instalação do 6º Pelotão Especial de Fronteira, e reconhecendo a unidade administrativa de Uiramutã.
A homologação da área da terra indígena Raposa Serra do Sol, pelo Governo Federal, tem sido uma das mais tumultuadas, em face dos interesses em jogo naquela região: índios de um lado e de outro fazendeiros, plantadores de arroz e garimpeiros de ouro, além dos núcleos populacionais existentes dentro da área, com cerca de 665 pessoas distribuídas em cinco vilas (Surumu, Água Fria, Uiramutã, Socó e Mutum). Além disso, há cerca de 67 núcleos rurais dentro da reserva. O total de índios não é grande.
A superfície da área é de 1.751 milhão de hectares. Raposa Serra do Sol é a 13ª maior área indígena do Brasil e a 12ª da região norte, ficando atrás de terras como o Parque Indígena do Xingu, em Mato Grosso e a Vale do Javari e Alto Rio Negro, ambas no Amazonas.
O primeiro ato administrativo de demarcação do território Macuxi data de 1917, quando o então Estado do Amazonas, através da Lei Estadual nº 941, de 16Out17, delimitava a faixa de terra entre os rios Contigo e Surumá, para a ocupação e usufruto dos índios da região.
Em 1919, o Serviço de Proteção ao índio (SPI) chegou a iniciar a demarcação física da área, mas sem efeitos concretos, pois as terras continuavam a ser invadidas por fazendeiros nos anos seguintes (Conselho Indígena de Roraima), in Boletim do CMI – Brasil – 01/0602003).
A população indígena da Raposa Serra do Sol é de 14.719 índios (dados de 2005), que vivem em 148 aldeias distribuídas pelo território.
A terra indígena Raposa Serra do Sol é habitação ancestral dos povos Macuxi, Wapichama, Ingariko, Taurepang e Patamona.
Do primeiro ato administrativo da demarcação, em 1917, em que o Estado do Amazonas delimitava a faixa de terras, até a data da Portaria 820, de 11Dez98, deu muitos problemas de ordem administrativa e jurídica, que perturbam a homologação da área pelo Governo Federal.
É oportuno comentar o trabalho do deputado Lindenbergh Farias, do PT do RJ, como relator de uma Comissão Especial da Câmara de Deputados, para verificação in loco dos conflitos decorrentes do anúncio da homologação da Reserva Raposa Serra do Sol, e que nos oferece as seguintes considerações, em artigo intitulado “A Guerra na Floresta”, publicado em O Globo, de 22/04/04:
De um lado, os 12 mil índios Macuxi que legitimamente reivindicam o direito à terra que pertenceu aos seus antepassados e que defendem a homologação da reserva em área contínua, num território de cerca de 1,7 milhão de hectares, numa região de fronteira com a Guiana e a Venezuela.
De outro, estão fazendeiros, não-índios, moradores no município de Uiramutã e também de 7 mil índios de seis etnias que vivem e produzem naquelas terras e são contrários à demarcação em terras contínuas.
Em comum, apenas uma certeza: a de que a homologação será decisiva para os destinos de todos eles.
Demarcada há oito anos, mas não homologada devido aos conflitos que a envolvem, a reserva corresponde a cerca de 8% do território total de Roraima. Estado paupérrimo, criado há apenas 15 anos e que tem 46,17% de sua área em terras indígenas. Do que resta, apenas 7,2% são cultiváveis, segundo a EMBRAPA.
A área compreendida pela reserva indígena Raposa Serra do Sol é particularmente problemática, porque estão ali concentradas as terras mais produtivas do Estado, com lavouras de arroz, que responde por 60% da produção agrícola local e por 10,25% do PIB de Roraima. Além disso, a região é rica em minérios e pedras preciosas, sem contar a biodiversidade, cujos benefícios econômicos ainda são desconhecidos.
O fato é que a homologação da reserva em área contínua, como defende a FUNAI, o Ministério da Justiça, a Igreja e ONGs, boa parte das quais estrangeiras, é vista como um entrave para o desenvolvimento do Estado.
Numa terceira ponta estão ainda as Forças Armadas que, não sem razão, temem que a faixa de 15 Km de fronteira com a Venezuela e a Guiana, dentro da reserva, tornem o país vulnerável a atividades ilegais, como contrabando, narcotráfico, biopirataria, etc. Uma questão de segurança nacional que muitos consideram paranóia nacionalista, mas que não deve ser desprezada.
A Câmara dos Deputados (relatório Lindenbergh Farias) e o Senado Federal, por sua comissão própria, presidida pelo Senador Delcídio Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul, propõem pontos comuns para a solução do problema, tais como:
- uma nova identificação das terras indígenas;
- retirar das terras indígenas as áreas cujo aproveitamento é fundamental para a economia do Estado;
- rejeitar das terras indígenas uma faixa de 15 Km ao longo da fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela, cuja extensão é de cerca de 503 km;
- retirar da terra indígena as franjas correspondentes às áreas de plantio;
- retirar a sede do município de Uiramutã e das vilas de Água Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum (sic) e as respectivas zonas de expansão; e
- retirar as estradas estaduais e federais na área, permitindo-se o livre trânsito nas referidas vilas.
A solução do problema, como se vê, é difícil, tais os interesses em jogo.
As áreas indígenas ocupam hoje mais de 10% do território nacional, com uma população indígena estimada em 390.000 índios, dos quais a metade vive fora das reservas (CIMI).
José Armando Falcão, em artigo de O Globo, edição de 22/04/04, cujo texto é de muito interesse para a solução do problema, intitulado “Esqueceram da soberania nacional”, afirma que, apesar de ser relativamente pequena a quantidade de indígenas, o problema é a ameaça que algumas reservas – principalmente aquelas situadas em áreas de fronteira – representam para a soberania nacional e a para a integridade territorial brasileira. Não há como abordar o problema sem antes analisar a situação de tais reservas.
Há intensa controvérsia sobre a nova e enorme reserva que o Governo Federal quer estabelecer em Roraima, em área de fronteira. Já ocorreram bloqueios de estradas, declarações do Governador, decisões do Ministro da Justiça, ameaça de confronto, etc.
Entretanto, toda essa polêmica se restringe ao fato de essa nova reserva obrigar a retirada de centenas de não-índios ali instalados, com suas conseqüências.
Em nenhum momento se trata do grande problema aí implícito: a vulnerabilidade da soberania brasileira. Tal silêncio parte de uma falta de precisão irresponsável ou de deliberada solidariedade à autonomia indígena, ambas nocivas ao Brasil.
Outra opinião judiciosa é a de Salomão Cruz, ex-vice-governador de Roraima e geólogo de profissão, e de Haroldo Amoras, professor de Economia da Universidade Federal de Roraima, em artigo conjunto, publicado pela Folha de São Paulo de 20/01/04, intitulado “Pelo respeito ao desejo dos índios”.
Na área em questão, dizem eles, há uma população de aproximadamente 20 mil habitantes (2004) – índios e não índios – que coexistem há mais de dois séculos. São sete núcleos urbanos e centenas de ocupações rurais, representando investimentos públicos e privados de milhões de reais.
As 207 ditas “fazendas”, cadastradas pela FUNAI, muitas com títulos de propriedade emitidos pelo Governo Federal, à exceção de oito, com rebanhos bovinos acima de mil animais, possuem, em média, 250 animais.
São criatórios extensivos, formados por agentes econômicos de origem proletária, financiados por excedentes físicos gerados na abundância do fator terra e pela mão-de-obra indígena. Isso é uma realidade específica e incontestável da formação sócio-econômica local. Os fazendeiros da região, na verdade, são retirantes de origem nordestina, muitos aqui chegados no “boom” da exploração do látex amazônico, ou mestiços ali nascidos e seus descendentes.
Na realidade, os “capitalistas” são os produtores de arroz, que desde 1985 produzem em 115 mil hectares de várzeas, com uma das maiores produtividades brasileiras e são responsáveis pela única atividade agroindustrial efetivamente competitiva em Roraima.
Como se vê, o problema da homologação da área é de difícil solução, tais os interesses em jogo. O direito do índio à terra é indiscutível. Os critérios e parâmetros para definir o tamanho dessas propriedades é que são discutíveis.
A sociedade de Roraima, como afirmam Salomão Cruz e Haroldo Amoras, no artigo citado, apóia a demarcação da reserva indígena e isso é essencial. A polêmica nasce dos critérios utilizados, que são os mesmos na demarcação da área yanomâmi – índios que vivem ainda no período paleolítico, e isolados, diferentes dos irmãos que vivem na área Raposa Serra do Sol, cujas comunidades integram, de forma permanente e contínua, com o restante da sociedade há mais de dois séculos.
Para isso, a maioria dos índios ali residentes teme o isolamento e não quer a involução – para usar uma expressão das próprias lideranças indígenas, contrárias à demarcação na forma proposta.
Em face de divergências de toda ordem, o Governo Federal tem tido muita cautela para uma decisão definitiva. Esperamos que em um futuro próximo tenhamos uma solução que agrade gregos e troianos. É difícil; vamos, no entanto, esperar.
Este capítulo já estava escrito quando o Presidente da República, em 14/04/2005, homologou essa área como terra indígena. Essa homologação, por certo, não agradou a todos; exclui da área indígena a sede de Uiramutã (2,7 mil hectares), postos de saúde, escolas, a sede do 6º Pel Esp Fron, as linhas de transmissão de energia e os leitos das rodovias estaduais e federais que passam pela terra indígena.
Fazendas, arrozais e outras ocupações hoje existentes na área passarão a fazer parte da terra indígena, sendo posteriormente indenizados os proprietários pelo Governo Federal, para se afastarem da área, agora homologada.
Mais uma vez, cresce a expectativa do autor para um final feliz, já que decorrem mais de 20 anos de conflitos naquela região.
10. Conclusões
- A região da Questão do Pirara e a da Raposa Serra do Sol são coincidentes. O Pirara está contido na Raposa Serra do Sol. As fronteiras externas são com a Guiana, ao norte e nordeste, e com a Venezuela, a noroeste. Daí a importância de se analisar o desenvolvimento da primeira questão, formular hipóteses e tirar conclusões. Não há dúvida sobre o interesse estrangeiro na área.
- Entre 1998 e 2004, o STF anulou as reservas em terras contínuas. Já no governo Luís Inácio, a 13 de abril de 2005, Portaria do Ministério da Justiça (Ministro Márcio Thomaz Bastos) autoriza reservas indígenas em terras contínuas. No dia seguinte, 14 de abril, foram extintas as ações legais de fazendeiros contra as terras contínuas. Finalmente, no dia seguinte, 15 de abril, um Decreto do Executivo homologa as reservas em terras contínuas.
- Em 2008, começaram as reações contra essa situação, resultando em ação judicial que está em curso no STF e deverá ser julgada neste 2º semestre de 2008.
- Por outro lado, em junho, dois índios da Raposa Serra do Sol iniciaram viagem pela Europa, incluindo Portugal, Espanha, França, Bélgica, Itália, Vaticano e Reino Unido, buscando apoio à demarcação de reservas indígenas em terras contínuas. Essa viagem foi financiada por ONGs estrangeiras e pela Igreja Católica.
- Os elementos em jogo são os seguintes, entre outros: os índios; os arrozeiros; as ONGs brasileiras; as ONGs estrangeiras; as Forças Armadas; a Polícia Federal; a FUNAI; os contrabandistas; os garimpeiros; os missionários; a presença inglesa através da Guiana; a presença venezuelana e seu contencioso com a Guiana; o Conselho Mundial das Igrejas Cristãs e as autoridades locais.
- A Venezuela tem com a Guiana um contencioso nada desprezível. É a chamada Questão do Essequibo. Em 1899, através do Laudo Arbitral de Paris, a Venezuela perdeu o Essequibo para a Inglaterra.
- Conforme o Coronel Hiram Reis e Silva, amazônida, professor do Colégio Militar de Porto Alegre e membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil:
A Venezuela não aceitou a sugestão britânica sobre uma Comissão mista que estudaria um plano de desenvolvimento econômico para a Guiana Britânica, de 1966 a 1972, somado a um projeto de cooperação econômica entre os dois países que renunciariam, por 30 anos, às reclamações por demandas territoriais. Não aceitando, a Venezuela propôs um congelamento por um prazo de 10 anos e que um ano antes de esgotado este interregno, fosse submetido à arbitragem. O resultado da proposta britânica e venezuelana originou o ‘Acordo de Genebra’ firmado em 17 de fevereiro de 1966. O Acordo tentava encontrar uma solução através de uma comissão mista de limites, que teria um prazo de quatro anos para encontrar uma saída adequada à disputa territorial. Após esse prazo, se não houvesse uma solução de consenso, o fórum decisório seria as Nações Unidas.
- Quanto ao Brasil, as Forças Armadas estão presentes na área como sempre estiveram, principalmente o Exército, mas sem fazer parte do problema e sim para resolvê-lo. Não há outra instituição capaz de resolver a questão principal, fazendo cumprir as resoluções tomadas pelo Executivo e pelo Judiciário e mantendo a ordem. A presença do Estado é fraca, exceto pela força federal.
- É fato que tropas britânicas treinam, atualmente, para Guerra na Selva, na Guiana, inclusive fazendo incursões noturnas em vilarejos brasileiros na fronteira.
- Qualquer que seja a decisão do STF os problemas continuarão, na medida em que são de difícil solução, ou seja, a questão não se encerra no âmbito do STF, mas sim, inicia-se uma nova e crítica fase.
- Qual é a questão crucial? Parece ser a homologação da reserva indígena de forma contínua, ou descontínua. Esta decisão está na área do Supremo Tribunal Federal. A questão extrapola as fronteiras, já que a pretensa tese das tribos independentes continua e a Inglaterra coloca-se como protetora dos índios. Mas, na verdade, os interesses são outros, passando pela homologação das terras contínuas.
- Existe também um grande perigo em relação à Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da ONU, de 2007, aprovada com o inexplicável voto do Brasil. Tal Declaração, que confere um status de autonomia e de auto-determinação aos índios, caso seja aprovada no Congresso, por 3/5 em cada Casa, e em duas votações, terá força de Constituição, mercê da Emenda Constitucional n° 45/2004. E isso é tão ou mais importante do que a Decisão do STF acerca da demarcação, se contínua ou não. Pois mesmo que a área seja restringida, as reservas continuarão a existir e nelas poderão surgir 226 "Nações Indígenas", com enormes prejuízos à Soberania Nacional, caso o Congresso aprove, na forma como está prevista na EC 45/2004 (o que já foi agregado à CF/88, em seus §§ 3° e 4°, do artigo 5°), a lesiva e anti-patriótica Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.
- O índio não-aculturado, em geral, não entende conceitos como soberania, patriotismo, nacionalidade, etc, além de ser suscetível a quem lhe apresentar vantagens.
- As seguintes frases foram pronunciadas há pouco tempo:
- "Se o Supremo decidir contra os índios, vamos reunir cinco mil guerreiros e fazer a desocupação de nossa terra na marra" (Edson Alves Macuxi, do CIR).
- "Se os fazendeiros e políticos conseguirem roubar a Reserva Raposa Serra do Sol dos índios, isso abrirá um precedente perigoso para todas as tribos brasileiras. Não podemos deixar que isso ocorra" (Stephen Corry, diretor da Survival-International).
- "Mesmo se a demarcação for revista pelo STF, os índios vão retirar os produtores de arroz da área" (Martinho Macuxi Souza, líder indígena).
- "Tudo indica que o Supremo vai tomar a decisão de retirar os invasores. Vamos até o fim para defender nosso direito. Se o STF decidir pelo lado dos terroristas, vamos fazer uma retomada das áreas. Vamos bloquear três estradas que dão acesso para a Guiana, para a Venezuela e para a Amazônia, em Manaus" (Jecinaldo Barbosa Cabral).
- A ameaça à soberania brasileira vem das ONGs, verdadeiras representantes de governos estrangeiros que cobiçam a região, provavelmente pela existência, no sub-solo, de minerais raros e/ou estratégicos, como nióbio, tântalo, urânio, tório, alumínio, titânio, além do ouro e diamantes. O sub-solo é propriedade do Estado, conforme reza a Constituição.
Em suma, reservas descontínuas e maciça presença do Estado.
- A utilização do Projeto Rondon como instrumento para vivificar a fronteira e marcar a presença do Estado é uma excelente alternativa.
)11. Bibliografia
1)BENTO, Cláudio Moreira, Amazônia Brasileira Conquista Consolidação.Manutenção História Militar Terrestre da Amazônia 1616/2004..Porto Alegre:AHIMTB/Gênesis.2004.
2)(_____) As ONGS na Amazônia Brasileira.Revista do Clube Militar. Nº 429, 2008.p.9
3)(--------) Reserva Raposa do Sol potencialmente uma nova questão do Pirara.Em artigos no site da
Academia de História Militar Terrestre do Brasil. www.ahimtb.org.br. Etc.
RODRIGUES, José Honório et SEITENFUS, Ricardo A. S. Uma história diplomática do Brasil – 1531-1945. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995, p. 260;
F.T.D. Elementos de História do Brasil. São Paulo: Livraria Paulo de Azevedo & C., p. 533;
3) ROCHA ALMEIDA, Antonio da, General. História do Brasil. Porto Alegre: PUCRS, Ética Impressora, 1959, p. 608/609;
4) CALMON, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959, vol. VI.
5) MIRANDA, Jorge Babot. Amazônia – área cobiçada. Porto Alegre: AGE, 2005.
6) FERREIRA, Murilo Gomes, Major. História das Fronteiras do Brasil. Rio de Janeiro: ECEME, 1966.
7) REZENDE, Ney Riopardense, Tenente-Coronel. História das Fronteiras. Rio de Janeiro: ECEME, 1969.
8) SILVEIRA, Fidélis Chaves, Coronel. As fronteiras. Rio de Janeiro: ECEME, 1982.
9) DELTA-LAROUSSE. Nova Enciclopédia Delta Larousse. Rio de Janeiro: Editora Delta, 1972.
(*) O autor é acadêmico,2º Vice-Presidente e Delegado da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e vice do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul. E editor de O Gaucho Informativo do IHTRGS. É professor de História do CMPA. (lecaminha@gmail.com) e vem desenvolvendo em parceria com o Cel Cláudio Moreira Bento O projeto História do Exército na Região Sul, Presidente da AHIMTB e IHTRGS a História do Exército na Região Sul
[1] ROCHA ALMEIDA, Antonio, General. História do Brasil. Porto Alegre: PUCRS, Ética, 1959, vol. 3, p.608.
[2] NABUCO, Carolina. A vida de Joaquim Nabuco. Rio de janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959, p. 380.
[3] BENTO, Cláudio Moreira. Amazônia Brasileira, conquista, consolidação e manutenção, 1616-2003. Porto Alegre: Gênesis, Metrópole, 2003.
[4] CALMON, Pedro. História do Brasil. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1959, vol. VI, pág. 2056.
[5] MIRANDA, Jorge Babot. Amazônia – área cobiçada. Porto Alegre: AGE, 2005.