2004 – OS 100 ANOS DA REVOLTA MILITAR DA VACINA OBRIGATÓRIA – 1904

Cel Claudio Moreira Bento

De 10 a 16 de novembro de 1904, o Rio de Janeiro foi sacudido pela sua mais violenta e duradoura revolta popular, secundada pela revolta da Escola Militar da Praia Vermelha, tendo como objetivo derrubar o governo do Presidente e Rodrigues Alves e como pretexto o reagir contra a Lei de Vacina Obrigatória, aprovada a custo, pelo Congresso e promulgada pelo Presidente.

Revolta que teve muito positiva projeção no progresso e futuro do Exército pelas seguintes razões:

- Foi fechada a Escola Militar da Praia Vermelha, o templo do bacharelismo militar de 1873-1905, que tinha a responsabilidade de desenvolver a Doutrina do Exército ligada a Defesa Nacional o que a sua Congregação responsável não o fazia, daí resultando os insucessos operacionais do Exército no enfrentamento da Guerra Civil na Região Sul 1893-95 combinada com a Revolta na Armada 1893-94 e, na Guerra de Canudos em 1897.

.Aliás movimentos revolucionários que foram enfrentados e vencidos por profissionais militares tratados preconceituosamente no período citado de tarimbeiros, pelos bacharéis influenciados por um Positivismo mal interpretado e que dominavam a situação no Exército.

- Foi adotado o Regulamento de Ensino no Exército em 1905, sob a influência de veteranos e filhos de veteranos da Guerra do Paraguai e tornado sem efeito os regulamento de Ensino do Exército de 1873 potencializado pelo 1890, de cunho bacharelesco e responsável pelo equivocado caminho percorrido pelo Exército de 1873-1904, divorciado dos interesses da Defesa Nacional.

- Extinção da Escola Militar da Praia Vermelha e criação da Escola de Guerra em Porto Alegre, nome para não deixar dúvidas sobre a sua finalidade o preparo para a Defesa da Pátria. Escola onde estudaram os chefes militares que dinamizaram e concluíram a Reforma Militar ,traduzida no salto operacional do Exército de Canudos à FEB.

- Retorno do Exército para os campos de Manobras do qual estava afastado fazia 20 anos, desde as manobras do Curato de Santa Cruz, da Escola Militar Prática do Realengo, do Campo da Redenção em Porto Alegre e de Saicã, todas presididas pelo Marechal Gastão de Orleans e Conde D`Eu, do qual era seu ajudante de Ordens o Capitão Hermes da Fonseca que como general levaria as tropas da atual 1a Região Militar para manobras nos anos seguintes no Curato de Santa Cruz , razão principal de haver sido por proposta por nós instruída consagrado como patrono da 1a Região Militar .

- Grande influência que passaram a ter nos destinos do Exército os generais Hermes da Fonseca e Caetano de Farias que reprimiram as revoltas da Escola Militar do Realengo e a da Escola Militar da Praia Vemelha 1

- Reforma Militar do Exército de 1908 promovida pelp Marechal Hermes traduzida pela criação das Brigadas Estratégicas, criação da Arma de Engenharia e compra de material bélico fuzis, metralhadoras e canhões com respectivas fabricas de munições instaladas no Realengo

- Envio pelo Marechal Hermes da Fonseca do Oficiais para estágios em unidades do Exército Alemão e que ao retornarem criaram a Revista a Defesa Nacional, em 1913, depois da Revista dos Militares criada na 3a Região em Porto Alegre em 1910 e todas voltadas para a profissionalização militar. A última sobre a influência da Escola de Guerra em Porto Alegre de 1906/11 que formava Aspirantes a Oficial e não mais Alferes. Ao Ministro da Guerra Caetano de Farias coube proteger os Jovens Turcos da Defesa Nacional

- Data de 1905 a Escola de Estado- Maior do Exército que passou a fortalecer o Estado- Maior do Exército criado logo depois da Guerra de Canudos pelo Ministro Marechal João Nepomuceno Medeiros Mallet , que também criou a Fabrica de Pólvora sem Fumaça em Piquete, notável realização para aumentar o poder de fogo do Exército. Estado- Maior criado por sugestão do Capitão Augusto Tasso Fragoso, ao estagiar na Europa e enviar artigo a respeito para a prestigiosa revista brasileira a Revista do Brasil .

 

.O Clima Político na capital federal em 1904

 

Em realidade, o carioca era vítima de uma crise econômica agravada com a queda do café no mercado internacional. Em conseqüência, sentia dificuldades crescente de alimentar-se. A comida era escassa e cara. Aumentara sensivelmente a criminalidade e o desemprego. Muitos comerciantes faliram. O povo teve de abandonar suas moradias para ceder à modernização do Rio e ao saneamento. Os políticos oposicionistas e os militares positivistas exploraram essa situação entre o povo e entre os alunos das escolas militares da Praia Vermelha e do Realengo, esta então ao comando do Cel Hermes da Fonseca.

Em 15 de novembro de 1904, foi criada a Liga contra a Vacina Obrigatória, com sede no Centro das Classes Operárias. Um dos líderes era o Coronel Lauro Sodré que como governador do Pará fora o único a se opor ao fechamento do Congresso em 1891 pelo Marechal Deodoro.

O início da revolta popular seguida da militar

 

A Liga passou a fazer comícios na rua do Ouvidor, Largo de São Francisco, Praça Tiradentes, Largo da Lapa e ruas do Teatro e Espírito Santo, onde começaram a se registrar choques de populares, com a Polícia. A baderna se generalizou. Os revoltosos destruíram a iluminação pública, depredaram os bondes e a revolta espalhou-se por todas as ruas do Rio.

O mais violento confronto foi na rua Sacramento, onde a Cavalaria de Polícia matou à bala diversos populares. Os telefones foram cortados, paralisados os transportes e incendiados diversos prédios, além de depredada a Companhia de Gás do Mangue, o mesmo acontecendo com as estações ferroviárias e delegacias.

O Rio fervia vivia e o Presidente reforçou o combate à revolta com o Exército e a Marinha.

As coisas iam nesse pé quando o deputado Cel Lauro Sodré deu ultimatum ao Presidente para renunciar, sob pena de ser obrigado a isso pelas escolas militares.

A Escola da Praia Vermelha foi então parcialmente revoltada pelo seu comandante, General Travassos, com a ajuda do Cel Lauro Sodré.

O encontro entre os revoltosos e as tropas do Governo deu-se na rua da Passagem. Tropas do Exército, ao comando do Coronel Caetano de Farias, sufocaram a rebelião e o General Travassos, ferido veio a morrer. Conduziu a Escola de volta a Praia Vermelha o Alferes Aluno Tertuliano Potiguara que se consagrou herói no combate aos revotosos do Contestado e na 1a Guerra Mundial ao lutar em unidade de Infantaria do Exército da França, onde se consagrou como herói na batalha de San Quentin.

O Coronel Hermes da Fonseca fez abortar a revolta da Escola Militar do Realengo.

Lauro Sodré ferido na cabeça foi acolhido em casa da rua da Passagem, ficando longo tempo inativo. O acompanhava neste momento o deputado Alfredo Varela que em 1992 havia chefiado o Estado- Maior da 4a Brigada Civil organizada em Pelotas e que foi lançada contra Bagé para depor o governo paralelo do Rio Grande do Sul sob a chefia do General Honorário Joca Tavares.

O foco da resistência popular concentrou-se no então insalubre e pobre Morro da Saúde, apelidado Porto Arthur, onde no ano anterior fora ali o seu Delegado de Polícia o jovem advogado Flores da Cunha. E ali a resistência teve a liderança de Pedro Prata, que deu um toque militar à resistência. Usou inclusive dinamite e toques de corneta e simulacros de peças de artilharia.

A resistência popular foi vencida ao custo, inclusive, do bombardeamento da Saúde por um navio de guerra, no dia 16, fim da revolta e início do Estado de Sitio, no Rio, ocasião em que ocorreram muitas prisões de populares, seguidas de violenta repressão policial. Revolta em que os prisioneiros eram controlados pelo cortes de suas cintas para que suas mãos fossem ocupadas para segurarem as calças para não caírem.

A Revolta da Vacina, ou de Quebra-Lampião, foi estimulada pelas palavras do médico carioca e professor de Medicina Vieira Souto, ": de ser a vacinação obrigatória uma violência". Depois de agitada na massa e na juventude militar da Praia Vermelha, por Lauro Sodré, Barbosa Lima e Vicente de Souza, provocou as revoltas militar e civil que obrigaram o Presidente da República a tornar a vacina facultativa.

Aos olhos de hoje, tem-se ridícula sua motivação.

Na área civil, a revolta mostrou que a população do Rio de Janeiro já possuía opinião e estava disposta a defendê-la ao custo até da desobediência civil.

 

Os reflexos da Revolta na Escola Militar da Praia Vermelha

Na área militar, desacreditou a Escola Militar da Praia Vermelha que, de 1873 a 1904, vinha ministrando um ensino militar equivocado, predominante bacharelesco e não profissional, voltado para questões cientificas, políticas, filosóficas e matemáticas divorciadas da objetiva preparação para o combate, ou a defesa da Pátria. Canudos é um atestado eloqüente desse equívoco.

A Escola Militar, através de seus mestres e alunos, não soube administrar o conceito que adquirira por sua participação memorável em favor da Abolição e da República. Em conseqüência, foi fechada e a seguir extinta.

Logo a seguir foi editado o Regulamento de Ensino do Exército, de 1905, ponto de inflexão, no Exército, do bacharelismo para o profissionalismo militar, orientação que perdura há 99 anos.

Essa orientação profissional foi implantada na Escola de Guerra, em Porto Alegre, 1906-1911, que substituiu a Escola Militar da Praia Vermelha extinta, continuada na Escola Militar do Realengo 1913-1945 e desde, 1945, na Academia Militar das Agulhas Negras.

Destacaram-se no combate às revoltas das Escolas da Praia Vermelha e de Realengo, em 1904, os então coronéis Caetano de Farias e Hermes da Fonseca, que passaram a liderar, a partir daí, a profissionalização do Exército. No ano seguinte, realizaram-se as célebres manobras de Santa Cruz, grande evento no calendário da reprofissionalização do Exército, sob a liderança de Hermes da Fonseca.

 

Origens do bacharelismo militar

O bacharelismo militar brasileiro tem a seguinte origem com apoio em pesquisa realizada sobre a Revista da Escola Militar da Praia Vermelha:

Ao terminar a Guerra do Paraguai o prestígio social dos militares para fins de matrimônio era negativo por representarem viuvez e orfandade potencial sem previdência social condigna, pois desde antes da Independência eles estiveram continuamente fora de seus lares nas lutas pela consolidação da Independência na Província Cisplatina, Bahia, Maranhão e Pará, no combate a Confederação do Equador no Nordeste em 1824, na Guerra Cisplatina 1825-28 e no ciclo de revoluções na Regência 1831/45 no Para, Maranhão, Pernambuco, Alagoas São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul que ameaçaram transformar o Brasil numa colcha de retalhos para logo em seguida enfrentarem três guerra externas no Prata: A guerra contra Oribe do Uruguai e de Rosas da Argentina 1851-52, a guerra do Uruguai 1864 e a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai 1865/70.

Então os bons partidos eram os médicos, o advogados, os engenheiros ,os filhos de fazendeiros e dos barões do café . Mas os militares não, depois de haverem se sacrificado para preservar a Independência, a nossa Integridade e Soberania.

Foi ai que surgiu a idéia do engenheiro militar com o duplo objetivo de melhor desenvolver tecnologicamente o Exército e tornar seus oficiais com maior conceito social e melhores partidos. Mas na prática a idéia foi distorcida. O engenheiros em maioria abandonaram a tropa e disputavam cargos civis por nomeação ou eleição deixando a tropa aos cuidados dos não engenheiros que passaram a serem tratados por tarimbeiros, sem voz no desenvolvimento doutrinário do Exército. Havia casos de oficias que não apreciavam quando fossem tratados pelo posto e sim pelo titulo de Doutor. E por este equivoco o Brasil pagou pesado tributo em vidas na Guerra Civil na Região 1893/95 onde Bagé e Lapa foram submetidas a sítios por federalistas por mais de 40 dias e em Canudos foi preciso enviar 4 expedições para dominar a situação com lamentáveis perdas de irmãos brasileiros de ambos os lados.

História é verdade e justiça .Eis uma importante página de nossa História para reflexão no centenário da Revolta da Vacina Obrigatória que prejudicou seriamente as vidas de muitos jovens militares que dela participaram. E mais grave não foram para eles os reflexos em suas vidas em razão do Inquérito Militar Instaurado foi neutralizado etornado sem efeito pela atuação de Rui Barbosa o condenando.

" Quem não conhece a História corre o risco de repeti-la!"

Nota

  1. Biografamos o General Caetano de Farias na Revista a Defesa Nacional nº 724,1986 e Osório Santana Figueiredo biografou o Marechal Hermes em São Gabriel Terra dos Marechais