EM CANGUÇU VELHO-CANGUÇU-RS A SEDE DA REAL FEITORIA
DO LINHOCÂNHAMO DO RINCÃO DO CANGUÇU 1789-89
Cláudio Moreira Bento
Nota:
A presente pesquisa é de interesse histórico nacional do Brasil e de Portugal e do Rio Grande do Sul e trata do resgate, com apoio em fontes primárias, de importante assunto que se encontrava coberto pela pátina do tempo. É de interesse também da História Militar Terrestre do Brasil pelas personagens militares brasileiras nela envolvidas no final do século
SUMARIO
O original deste trabalho que reproduzimos para o site da Academia Canguçuense de História foi publicado em 1992, sob a égide da citada Academia e publicado em plaqueta pela Prefeitura Municipal de Canguçu sob o titulo A Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu 1783/1789 e prefaciado pelo prefeito Nelson Edi Grigoletti que a certa altura de seu prefacio escreveu:
"Repetimos: Cláudio Moreira Bento é , acima de qualquer dúvida , a representação viva do elo entre o presente e o passado do município de Canguçu, pelo qual demonstra tanto amor.
Por isso, principalmente, e pelo que tem honrado e dignificado a sua terra natal, como historiador emérito e renomado, há que ser reconhecido e muito especialmente pelos seus conterrâneos canguçuenses."
CONTROVÉRSIAS E DÚVIDAS NA HISTÓRIA DO BRASIL
Reconstituição aproximada do sobrado sede e mangueirão de pedra quadrado da sede da Real Feitoria do Linhocanhamo do Rincão do Canguçu 1783/89, cujas ruinas oitocentistas ainda estão bem evidentes em Canguçu Velho, em Canguçu-RS.
.Fonte: Do autor O negro na sociedade do RGS)
A História do Brasil, país novo e que pouca importância oficial tem dado à preservação de sua memória histórica, salvo honrosas exceções, é cheia de dúvidas e controvérsias históricas, só solucionadas com aparecimento de documentos primários a justificar ou a pôr por terra hipóteses de trabalho ou tradiçôes, corrigindo, no último caso, equívocos históricos por vezes seculares, até então tidos como verdades.
A maior das dúvidas históricas entre nós foi a do próprio local do descobrimento do Brasil, o qual, por mais de 3 séculos acreditou-se e difundiu-se como sendo em Porto Seguro, na Bahia. No entanto, carta de Pedro Vaz e Caminha, redescoberta pelo padre Aires Cassal na Torre do Tombo, em Portugal, no início do século XIX, mostrou que o Brasil fora descoberto em Baia de Cabrália, mais ao norte de Porto Seguro.
Apezar disto as dúvidas ainda persistiram. Em 1972 fomos convidados pelo Ministério dos Transportes, gestão Ministro Mário Andreazza, na qualidade de membro da Comissão de História do Exército de seu Estado-Maior, para emitirmos parecer sobre o assunto. Caso o parecer apontasse Baia de Cabrália como local do descobrimento seria construída até lá uma rodovia federal. Caso contrário a rodovia só iria até Porto Seguro. Estudos que procedemos e que foram traduzidos na obra de Rocha Maia DO MONTE PASCOAL À BAIA DE CABRÁLIA
(1) nos levaram a optar por Baia de Cabrália como local do descobrimento. Nada pudemos concluir sobre o local da 1ª Missa, pois, inclusive, comissão anteriormente nomeada para tal e constituída de 6 membros optou por 6 locais diferentes, tal a impossibilidade de determiná-lo decorridos tantos anos.Agora, no recente centenário da Proclamação da República, ainda persistiam várias controvérsias sobre o evento, as quais traduzimos no ensaio CONTROVÉRSIAS SOBRE A PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA, que foi amplamente divulgado
(2). Apparício da Silva Rillo em POPULÁRIO SÃO BORJENSE (3) derrubou as tradições seculares que eram passadas como história de que sobre a antiga Igreja Matriz de São Francisco de Borja existiam subterrâneos e que a imagem daquele santo tinha sido profanada com cortes de suas pernas, quando em realidade ela foi esculpida com santo ajoelhado e, portanto, sem pernas, para melhor fixação. Sem documento não há história. Assim, o surgimento de um documento pode pôr abaixo tradições à semelhança de castelos construídos sobre a areia ou sobre o gelo, por levantados sem apoio documental.Esta breve introdução é a propósito de dúvida por nós levantada há mais de 30 anos e expressa por escrito pela primeira vez, em 1970, na Coluna A Querência do DIÁRIO POPULAR, de Pelotas- RS, nos dias 30 de agosto e 06 de setembro, sob o título "História da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu"
(4). Assunto sobre o qual alguns autores, sinteticamento, e sem apresentar comprovação e com apoio na tradição oral, a tem definido como tendo funcionado na Ilha da Feitoria, conjunto aparente de três ilhas sendo que a mais do sul vem sendo, desde 1777, conhecida oficialmente em mapas como Canigoçu, Cangazú e Canguçu. A do meio e a maior abriga a sede da Estância Sotéia. Ilha entre as desembocaduras dos arroios Correntes e grande (ex-das Pedras, em 1783) na Lagoa dos Patos, em Pelotas. Nossas pesquisas sobre o assunto e publicadas conforme relação em anexo, nos conduziram às seguintes conclusões, com apoio em fontes primárias, principalmente, que apresentaremos e justificaremos:LOCALIZAÇÃO DO RINCÃO DE CANGUÇU POR FONTES PRIMÁRIAS
Conforme mapa levantado em 1783, pelo Capitão Alexandre Eloy Portelli
(5), do Rincão do Canguçu onde já haviam iniciado os trabalhos da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu, aquele território abrangia as terras entre os arroios Correntes e o das Pedras (atual Arroio Grande) e entre a Lagoa dos Patos e alturas indeterminadas da Serra dos Tapes, nas cabeceiras do Arroio Moinho, próximo à atual cidade de Canguçu. O mapa excluía do Rincão do Canguçu a Ilha de Canguçu, hoje conhecida como da Feitoria. Ilha lacustreque em mapa levantado em 1777 (6), figurava como propriedade de Manoel José Viana e tinha na sua extremidade sul a denominação Ponta do Canigoçu.Segundo se conclui da REVISTA DO MUSEU E ARQUIVO PÚBLICO DO RGS, nº 23, 1930, o Rincão de Canguçu, então chamado de Rincão Correntes e contíguo ao Rincão de Pelotas estava de posse do Capitão Mór de Viamão Manoel Bento Rocha
(7). O referido Manoel Bento Rocha havia adquirido i Rincão de Pelotas por compra dos herdeiros do Coronel de Dragões Thomaz Luiz Osório que fora enforcado em Portugal sob a acusação de haver entregue, sem luta, a Fortaleza de Santa Tereza no atual Uruguai ao General D. Pedro Ceballos, o invasor do Rio Grande em 1763. Coronel cuja memória defendemos, por julgá-lo vítima de uma grande trama, em trabalho que fizemos entrega ao Parque Histórico Marechal Manoel Luiz Osório, em Tramandaí-RS.O Capitão mór de Ordenanças de Viamão era pessoa importantíssima no Rio Grande de então. Era casado com D. Izabel Francisca da Silveira. Foi o fornecedor de carnes ao Exércitos do Sul ao comando do Tenente General Henrique Bõhn que de 1774-79 atuou no Rio Grande na expulsão dos espanhóis de São Martinho, Santa Tecla e Vila do Rio Grande. Esta em 1º de abril de 1776, dia de São Francisco de Paula, santo que por esta razão veio a ser escolhido padroeiro de Pelotas e nome da primitiva povoação que deu origem a esta cidade. Bento Rocha testemunhou favoravelmente em processo a que foi submetido Rafael Pinto Bandeira, da acusação de apropriação indébita das presas de guerra feitas na conquista de São Martinho. Possuiu estâncias em diversos locais do Rio Grande: N. S. da Saúde ao sul do Jacuí, defronte a Triunfo, obtida por concessão em 1781; em Capão da Canoa; no Curral do Arroio, em Santa Vitória atual; no Laranjal, em Pelotas; no Rincão do Canguçu, em Canguçu e Pelotas atuais. Esta ele foi obrigado a devolver como se verá, por ordem do vice rei para nele ser instalada a Real Feitoria do Linhocânhamodo Rincão do Canguçu em 1783..
D. Luis de Vasconcelos vice rei do Brasil que mandou instalar a Real Feitoria do Rincão do Canguçu, a trasferiu para São Leopoldo atual, assim se referiu em relatório ao seu substituto o 2º Conde de Resende, 13º vice rei do Brasil, ao entregar-lhe o vice reino:
"Para o estabelecimento da Real Feitoria do Linhocâmnhamo foi escolhido um rincão denominado do Canguçu, de que se achava empossado um particular (refiria-se ao Capitão mór de Viamão Manoel Bento Rocha) com um daqueles títulos ilegítimos com os quais o Coronel Rafael Pinto Banedira se tem feito senhor de muitos outros terrenos, e logo vende como fez a este por dinheiro."
(8)Antes assim referiu ao Coronel José Ribeiro da Costa, comandante militar do Rio Grande, interino, de 1787-1801, que substituíra o Coronel Rafael Pinto Bandeira neste posto, após este teve de exercê-lo de 21 de janeiro de 1784 a maio de 1787, ocasião em que se tornou o primeiro rio-grandense a dirigir o Rio Grande.
"O lugar ou Rincão de Canguçu, em que está a ReaFeitoria é grande e de muitos bons paastos."
(9)Era tão grande o Rincão de Canguçu (ou do Correntes) que tinha igual extensão ao de Pelotas, a concluir-se desta referência, documental constante da citada REVISTA DO MUSEU E ARQUIVO PÚBLICO DO RGS:
(10)"O mesmo cap. mór (tratava-se de Manoel Bento Rocha) estando de posse de outro rincão denominado Correntes (depois chamado rincão do Canguçu) de igual extensão que o rincão de Pelotas, o fez despejar dele (do rincão de Correntes ou do Canguçu) o brigadeiro governador do Rio Grande (Sebastião Veiga Cabral da Câmara) atual, para nele acomodar casais vindos de Maldonado e outros que se achavam sem estabelecimento (deslocados da guerra 1763-77)."
Portamto o Rincão do Canguçu era pelo tamanho igual ao que pertencera ao Coronel Thomaz Luiz Osório e adquirido de sua viúva pelo Capitão mór de Viamão Manoel Bento Rocha. Sem dúvida, descrição que não se coaduna com um rincão na primitiva Ilha de Canguçu e atual Feitoria, para uns uma restinga, para outros um arquipélago de três ilhas e para outros uma só ilha o que ficaria evidente nas secas.
O porto da Real Feitoria do Linhocânhamo era no arroio Correntes a margem esquerda e próximo de sua foz, o que fica evidente nesta carta do vice rei D. Luiz de Vasconcelos ao comandante e governar militar do Rio Grande Coronel José Ribeiro da Costa, ao instruí-lo do modo de como transferir o pessoal e material da Real Feitoria de Canguçu para São Leopoldo:
"Do Rincão do Canguçu se pode transportar tudo embarcado a Porto Alegre, fazendo-se as conduções (transportes) do porto que serve a mesma feitoria (Real Feitoria) no arroio Correntes em pequenos barcos e canoas grandes até a qualquer barco que receba os efeitos (produção), sements, escravatura (ecravos) e o mais que se deve mudar. Referido barco deverá estar no canal por onde se atravessa quando da Real Feitoria se conduz alguma coisa para Rio Grande."
(11)Como se viu não há nenhuma referência a embarques na Ilha de Canguçu e hoje da Feitoria, cujo canal de navegação passava e passa próximo dela a concluir-se das cartas de navegação nº 2105 e 2112 da Diretoria de Hidrografia e Navegação do Ministério da Marinha, focalizando respectivamente na Lagoa dos Patos o Canal da Feitoria proximidades, levantado em 1988.
Caso a Real Feitoria tivesse funcionado na ilha o lógico seria que o material a ser transferido para Porto Alegre fosse embarcado em porto da Ilha da Feitoria. Mas não foi assim que a fonte primária apontou ou seja, carta do vice rei Luiz de Vasconcelos, o maior interessado no assunto.
Aliás estranhamos a denominação Feitoria, pois ainda em 1863 antes do início da Guerra do Paraguai, a ilha figura como o nome de Ilha Canguçu na obra de Eudoro Berlink, COMPÊNDIO DE GEOGRAFIA DO RGS (Porto Alegre, 1863), à página 23. Obra adotada pelo governo da Província, para ser usada pelas escolas públicas do Rio Grande, após ouvido o seu Conselho Diretor da Instrução Pública. Neste ponto já havíamos insistido em artigo A Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu 1783-1786 no DIÁRIO POPULAR, Pelotas, 19 de julho de 1986, em que exploramos o mapa levantado do Rincão do Canguçu, e, 1983 e que lamentavelmente não pode ser publicado pelo jornal por razões técnicas. Sobre arroio Correntes escreveu Eloy Portelli:
"Os práticos informam que o arroio Correntes é navegável até o passo da Cachoeira (na altura dos Três Cerros) ... O Correntes contudo oferece mais comodidade do que o das Pelotas (e atual Grande) para transportes. Dizem existir um canal junto à costa do Canguçu (atual Ilha da Feitoria) na Lagoa dos Patos. Este canal que penetra num saco (antiga Lagoa de Dentro e atual Lagoa Pequena) situado para além da barra da lagoa (dos Patos) e onde o Correntes desemboca. Isto permite navegarem no Correntes grandes embarcações."
(12)Aqui mais uma evidência em uma fonte primária de história de que o porto da Real Feitoria ficava no Continente e não na Ilha de Canguçu e atual da Feitoria.
Pelo mapa itado de Eloy Portelli, o único caminho que registra foi um que atravessava o Rincão do Canguçu nos passos das Pedras e Correntes fazendo parte, seguramente, do caminho terrestre Rio Pardo. Caminho que passava junto ao "sítio mais alto da fazenda (feitoria) onde se pode fazer um grande potreiro", o qual coincide com a atual Canguçu-Velho que consideramos, com base em vários indícios e ruínas oitecentistas lá existentes além de o ponto mais alto da serra dos Tapes e também do primitivo Rincão do Canguçu, como a sede da Real Feitoria. Por combinação deste caminho terrestre com o navegável arroio Correntes e mais o canal da lagoa entre sua foz e Lagoa dos Patos, próximo da Ilha Canguçu, era fácil atingir-se o canal de navegação Rio Grande-Porto Alegre. A Real Feitoria possuía muares, a concluir-se do Relatório de passagem do Vice Reino do citado vice rei D. Luiz de Vasconcellos. E a pecuária teve grande desenvolvimento na Real Feitoria no Rincão do Canguçu:
"Não se perdeu contudo o tempo no adiantamento na criação de animais para o sustento de indivíduos (pessoal) e cavalhada para o serviço da Feitoria, conhecendo-se nesta parte tanto aumento, que se não fossem as despesas dos mantimentos e jornais (vencimentos) dos trabalhadores não seria difícil a independência da Real Feitoria de outros socorros (recursos)".
(13)Em 1788, em Canguçu atual , o rebanho da Real Feitoria era 3031 bovinos e 105 muares e cavalares além de haver produzido durante seu período alí, 1.450 couros, além de 255 quilos de sebo, 142 queijos, 1.380 quilos de estopa e 8.400 quilos de linho, seu objetivo principal, segundo exposição em 1801 de seu administrador em São Leopoldo, o padre Antônio Gonçalves Cruz que consultei no Arquivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Documento 10, Lata 48).
Em Canguçu Velho existem ainda vestígios do mangueirão quadrado usado na sede da Real Feitoria erigida no local mais alto do Rincão do Canguçu indicados em 1783 por Portelli como ideal "para levantar-se um potreiro".
Em nossos trabalhos O NEGRO NA SOCIEDADE DO RGS e CANGUÇU REENCONTRO COM A HISTÓRIA , constantes do anexo, publicamos fotos das ruínas do sobrado e mangueirão de pedra da sede da Real Feitoria, em Canguçu Velho.
Canguçu Velho foi visitado em, 1912 por J. Simões Lopes Neto, ano em que se comemorava o centenário das freguesias gêmeas de Pelotas e Canguçu. A visita ele a realizou na presunção, pelo que lhe constava pela tradição oral, que ali havia funcionado a primeira redução jesuítica do Rio Grande do Sul – a de São Nicolau, por cinfundir o responsável pela confusão histórica, os rios Piratini e Icamaquã das Missões com os nossos Piratini e Camaquã, assunto que esclarecemos com auxílio dos jesuítas do Cristo Rei de São Leopoldo e traduzimos no artigo CANGUÇU REDUÇÃO JESUÍTICA ?
(14) no qual rebatemos o equívoco e reafirmamos nossa convicção que ali havia sido a sede da Real Feitoria do Linhocânhamo 1783-79, pelos vestígios ainda existentes e outros fortes indícios.Da visita a Canguçu, J. Simões Lopes Neto publicou uma reportagem alusiva ao centenário da freguesia de canguçu na REVISTADO CENTENÁRIO DE PELOTAS Nº4, em 1912, pelo que o considero o 1º historiador de Canguçu a cuja memória ele prestou relevante serviço e foi a partir dela que comecei a pesquisa sobre Canguçu. Ele aceitou e transmitiu o equívoco de ali haver funcionado a primeira redução jesuítica que é compreensível dado o atraso nos estudos históricos. Mas para justificar a povoação que ali teria existido, para ele uma redução jesuítica e para mim a sede da Real Feitoria, ele escreveu após demoradas observações no local, com apoio em pessoas conhecedoras do lugar.
"Canguçu Velho repousa sobre o pendente Leste-Norte de uma extensa colina. Dela alonga-se uma vasta área quase plana, que vai fazer a ,argem direita no arroio hoje do Moinho de límpidas águas roladas sobre pedras e de volume bastante para uma grande população. Em frente e aos lados ergue-se a serra como defesa natural fácil de realizar. Para traz os campos ricos de pastagens abundantes de gado de toda a espécie, para alimento e trabalho. Próximo e de um lado o veio cristalífero e mineral (cristal de rocha), no outro lado, camadas de terra humosa de um metro ou mais de espessura para frutas e cereais".
(15)Portanto era a região do Rincão do Canguçui com á gua abundante, campos próximos ricos para a pecuária e terras próximas férteis para a agricultura, com água próxima para sustentar um grande população, região de fácil defesa e no ponto mais elevado do rincão. Portanto ideal para ali funcionar a sede da Real Feitoria do Linhocânhamo, além de próximo do caminhão histórico Rio Pardo-Rio Grande.
Do contrário como explicar as ruínas oitocentistas ainda existentes no local anteriores a fundação da cidade de Canguçu em 1800, cerca de 11 anos após a transferência da Real Feitoria para São Leopoldo e erigida em local contestado, o Rincão do Tamanduá, pelo dono do imenso latifúndio que vinha desde a Ilha de CAnguçu e atual Feitoria – o Capitão mór de Laguna Paulo Rodrigues Xavier Prates. E mais, fundação atendendo ao pedido formal de 140 moradores e vizinhos " do Arroio das Pedras, denominado Canguçu, distrito dessa Freguesia de São Pedro do Rio Grande com 1.000 pessoas de sua obrigação"
(16), conforme requerimento que enviaram ao governador do Continente de São Pedro, ao final de 1799, para levanterem uma capela, o que foi feito em Canguçu atual e não em Canguçu Velho, por certo para não ficar incrustada nas terras do citado Capitão mór de Laguna.O vice rei D. Luiz Vasconcelos, no já várias vezes citado relatório de transferência do Vice Reino, assim alude a produção do linhocânhamo na Real Feitoria:
"Ainda que as primeiras sementeiras de linho que se fizeram no dito Rincão do Canguçu prometeram uma feliz produção, por ter crescido linho de boa elevação (tamanho) e excelente fibra, segundo o resultado de experiência feitas nas amostras que enviei a esta Corte (a Lisboa), as quais tive particular satisfação de corresponderem as do melhor linho de Riga. Contudo indo em maior aumento às proporções das sementes que se foram colhendo, não me apareceu muito fértil aquele terreno pela pequena cultura do linho plantado nos campos, sendo isso necessário aplicar maior força de trabalho em derrubadas de mato virgem, de cujas se tiravam maior utilidade pela bondade (qualidade) e altura do linho que produziam."
(17)Vê-se que os campos não aprovaram para o plantio do linho e foi necessário derrubar matos abundante próximos de Canguçu Velho, conforme assinala mapa de Eloy Portelli, para linho comparável ao famoso de Riga ser produzido. Conforme assinalamos, a Real Feitoria produziu em Canguçu, até sua transferência para São Leopoldo, em 1789, mais de 8 ton. de linho sendo que em 1788 bateu em Canguçu o seu record de produção de toda a sua existência em Canguçu e São Leopoldo até 1824, sendo que neste último local dispôs de bem maiores recursos, humanos principalmente.
É uma contradição a decisão de transferência da Real Feitoria sob o argumento de fertilidade insuficiente.
Em realidade o problema do linho residia na falta de sementes adaptadas às condições de Canguçu e São Leopoldo, conforme se conclui de ofício do vice rei Conde de Resende, em 1800, ao Ministério Ultramarinho.
(18)Este ofício contrariava o sentido do que citado vice rei informara ao Príncipe D. João, 11 anos antes, ao comunicar-lhe a transferência da Real Feitoria para São Leopoldo, ao mesmo tempo que enviava ao Príncipe a maior produção da Feitoria – a de 1788.
Assim, o Conde de Resende explicou a D. João a transferência da Feitoria de Canguçu para São Leopoldo:
"Pouca fertilidade do Rincão do Canguçu onde se formou o estabelecimento."
(19)O assunto era importante e ao nível estratégico. Interessava ao príncipe D. João, aos dois vice reis, a dois governadores do Continente. O linho era para navegação o que hoje é o petróleo. E Portugal procurava ficar independente da Inglaterra, daí a importância que teve de 1783-89 o Rincão do Canguçu que atualmente se extenderia por terras de Canguçu , Pelotas e Turuçu.
ILHA DE CANGUÇU E ATUAL DA FEITORIA – ENTENDIMENTO
Ficou claro a luz de fontes primárias de que a Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu 1783-79 não funcionou e nem teve nehuma ligação com a Ilha de Canguçu e atual da Feitoria . Documentos cartoriais assinalam a partir de 1846 esta denominação local, mas não constantes dos mencionados COMPÊNDIO DE GEOGRAFIA DO RGS de 1863, aprovado para o uso em escolas públicas do Rio Grande e enm no DICIONÁRIO GEOGRÁFICO BRASILEIRO de 1888. Como explicar esta quebra da tradição? Tentaremos!
Com a transferência da Real Feitoria de Canguçu para São Leopoldo em 1789, o primitivo Rincão do Canguçu que já pertencera ao Coronel Rafael Pinto Bandeira, ao Capitão mór de Viamão Manoel Bento Rocha e ao Governo, passou ao domínio do Capitão mór de Laguna Paulo Rodrigues Xavier Prates e por volta de 1795. Sua estância no primitivo Rincão do Canguçu passou a chamar-se Estância Feitoria. E com este nome ela figura ocupando o primitivo Rincão do Canguçu, em mapa das 7 estâncias formadoras de Pelotas, levantado e organizado pelo historiador pelotense Alfredo Coelho da Cunha e publicado na 1º edição de CIDADE DE PELOTAS.
(20)Estância Feitoria com as seguintes lindes segundo o citado historiador em artigo de 1928:
"Fazia e frente a Lagoa dos Patos e atingia pelos fundos eminências indeterminadas da Serra dos Tapes. Corria-lhe o Arroio Grande ao norte (ex-das Pedras). Era ao sul pelo Arroio Correntes."
(21)Esta descrição corresponde exatamente ao primitivo Rincão do Canguçu e anteriormente Rincão Correntes, onde funcionou a Real Feitoria. A estância descrita não incluída a Ilha Canguçu e atual da Feitoria.
O citado Capitão mór Paulo recebeu por esta época mais um acréscimo a seu patrimônio e um prolongamento dele e na região da cidade de Canguçu e imediações. Foi uma semaria de 1,5 légua de comprimento e uma de largura no caminho do Rio Pardo.
(22)Posteriormente, ou na mesma época, entrou de posse da Ilha de Canguçu e atual da Feitoria, atual Fazenda Sotéia, debruçada na Lagoa dos Patos e que também chamou-se Feitoria e São Francisco Xavier, a concluir-se de estudos de Carlos Grandmasson Rheigantz sobre o Capitão mór Paulo e seus descendentes que herdaram a ilha e ali ainda eram proprietários ou residiam, até pelo menos início da Guerra do Paraguai em 1865, como se verá, como apoio em documentos cartoriais obtidos pelo canguçuense e fundador e primeiro Presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Pelotas – Major Angelo Pires Moreira que muito nos ajudou a esclarecer este assunto nebuloso, na busca incansável pela verdade histórica.
Assim, a linha passou a ter a denominação de Feitoria, não por ter ali funcionado a Real Feitoria do Linhocânhamo, mas sim por ter passado a ser a sede da Fazenda Canguçu, Feitoria, São Francisco Xavier e atualmente Fazenda Sotéia. Dela o capitão mór Paulo passou a administrar seu enorme latifúndio. Sim, a atual Fazenda Sotéia aparece até como Canguçu!
Aí está a raíz das divergências entre os que com apoio na tradição ou fontes históricas de segunda, terceira e quarta mãos ou, de uma leitura incorreta das fontes primárias, têm considerado a Ilha da Feitoria como o Rincão do Canguçu e, por via de consequência, o local onde funcionou a Real Feitoria, ao contrário de nós, com apoio em fontes primárias, localizamos o Rincão do Canguçu no Continente e de que o nome local de Ilha Feitoria advêm da Estância da Feitoria que aí teve sede na atual Fazenda Sotéia a qual governava o imenso território que além da ilha abrangeu o antigo Rincão do Canguçu e uma semaria na região da cidade de Canguçu e imediações.
O Capitão mór de Laguna Paulo Rodrigues Xavier Prates foi sesmeiro em local da atual ciddade de Canguçu a partir de 1795 e foi parte de uma rumorosa questão de terras com João Francisco Teixeira de Oliveira, da qual resultou o terreno onde foi erigida a atual cidade de Canguçu, então doado a N. S. da Conceição. Eu abordo, com apoio em fontes primárias, esta rumorosa questão em CANGUÇU REENCONTRO COM A HISTÓRIA
(23), que com o presente estudo ficará mais clara.CAPITÃO MÓR DE LAGUNA PAULO RODRIGUES XAVIER PRATES (1743-1813)
Como se viu, ele foi proprietário de um vasto latifúndio que abrangia a época a Ilha de Canguçu (atual Feitoria), a estância Feitoria (que abrageu o Rincão do Canguçu onde funcionou a Real Feitoria) e o Rincão do Tamaduá (onde foi fundada a atual cidade de Canguçu em 1800).
Quem foi este ilustre e poderoso personagem tão ligado aos primórdios de Canguçu e Pelotas? È o que tentaremos explicar da interpretação de múltiplas fontes históricas visando mostrar que ele foi proprietário da Ilha Canguçu (atual da Feitoria) que passou como herança a alguns de seus 11 filhos.
Paulo Rodrigues Xavier Prates nasceu em Laguna-SC, em 1743. Era filho do Capitão mór de laguna João Rodrigues Prates, natural de Estremo-Èvora em Portugal e que veio a tornar-se dos primeiros estancieiros lagunenses a se estabelecer no Rio Grande, na região do Viamão e tronco da ilustre família Prates que deu ao Rio Grande entre outras personagens o 1º Bispo do Rio Grande, D. Feliciano Prates
(24) e o Dr. Júlio Prates de Castilhos. A mãe do Capitão Paulo era D. Izabel Gonçalves Ribeiro natural de Laguna –SC e filha de outro dos primeiros estancieiros lagunenses a se estabelecer no Rio Grande, na região Viamão: Manoel Gonçalves Ribeiro. Era irmão mais velho do Capitão Paulo o padre Francisco Xavier Rodrigues Prates, o instalador e 1º administrador da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu em 1783 e que ali faleceu logo em seguida, deixando na toponímia de Pelotas o Arroio do Padre, do qual derivou a Coloônia do Padre que nada tem a ver com a denominação de Arroio do Padre Doutor alusiva ao tio de Hipólito da Costa que ali residiu depois de 1780, bem como citado patrono da Imprensa Brasileira. (25)O casal João e Izabel, pais de Paulo, deixaram Laguna para virem cuidar de seus vastos patrimônios do Rio Grande. Em Laguna ficaram parentes do casal em importantes funções. Paulo foi eleito pela Câmara de Laguna para o Terço de Ordenanças, constituído de no mínimo 3 companhias e destinadas a auxiliar os oficiais de Justiça e de Fazenda, mediante requisição, e tropa de reserva, em caso extremo, da tropa de 1ª linha, e encarregada de executar o recrutamento para o Exército e Marinha. Era pois homem poderoso que satisfez a condição exigida para o cargo de "ser pessoa de qualidade e da 1ª nobreza", podendo por outro lado comerciar. Cada Companhia de Ordenanças era composta de 1 capitão, 1 alferes, 1 sargento, 10 cabos e 250 soldados, todos reconhecidamente idôneos. Segundo instruções da época este serviço militar bem como no das Milicias era considerado:
"É vida muito decente e própria para os homens ganharem merecidamente a honra e para adiantarem suas graduações e fortunas." (Alvará de 15 de outubro de 1764 baixando no ano seguinte à invasão do Rio Grande por Espanha).
Paulo exxerceu as funções de Capitão mór de Laguna até novembro de 1775, quando a pedido foi dispensado das funções que vinha exercendo desde 1770, com prolongadas licenças para cuidar dos interesses de sua mãe e os que herdara no Rio Grande, na Aldeia dos Anjos (Gravataí atual) em razão da morte de seu pai. Dois anos antes já havia casado em Aldeia os Anjos com a filha de Rio Grande, Joaquina Marques de Souza, irmã do mais tarde Marechal Manoel Marques de Souza que guiara o ataque principal em 1º de abril de 1776 a Vila de Rio Grande , há 13 anos em mãos dos espanhóis, como tenente Dragões de Rio Pardo e servindo de ajudante-de-ordens do Tenente general Henrique Bohn, comandante do Exército do Sul que libertou o atual Rio Grande do Sul. Marques de Souza era avô do Conde de Porto Alegre e parente e padrinho de batismo do futuro Marquês de tamandaré, o Patrono da Marinha de Guerra do Brasil e nascido em Rio Grande. O Capitão mór Paulo e D. Joaquina tiveram 11 filhos de 1770-1792, todos nascidos na região de Gravataí atual, onde possuíam propriedade, sendo que os 4 primeiros durante a Guerra do Sul 1763-76. Foram eles, com apoio em Carlos G. Rheingantz
(26) e elementos cedidos pela Prof. Ilka Guites Neves: 1 Joaquim de Souza Prates (padre, 1770); 2- Joaquina de Souza Prates (1772, casou com capitão José Joaquim Gouveia que cuidava dos interesses dosgro em Canguçu por volta de 1784 (27), cuja esposa ainda vivia na Ilha de Canguçu e atual da Feitoria em 1880 (28); 3- Ana (Marques) de Souza Prates (1774, a qual casou com Carlos Pereira Lago e mãe do capitão Carlos Aurélio de Souza Prates que conforme documentos cartoriais herdou uma fração da Ilha de Canguçu (atual da Feitoria) em 1852 (29); 4- Bernadina Marques de Souza Prates (1776, casou com Antônio José Carneiro); 5- Brígida Marques de Souza Prates (1778, casou com Antônio Soares da Silva); 6- Joaquim Silvério de Souza Prates (1780, e faleceu em Boqueirão em 1862); 7- Felicina de Souza Prates (1782, que foi casada com Francisco Lopes Soares); 8- João Marques de Souza Prates (1784, que casou em Canguçu com Ana Fausta de Figueiredo em 1835, aos 51 anos); 9- Maria Cizelina de Souza Prates (1787, que casou "em 1808 no oratório São Francisco Xavier da Fazenda Canguçu", para nós atual Fazenda Sotéia, com Antônio Marques de oliveira); 10- Antônio José Rodrigues Prates (1789, e faleceu solteiro em Boqueirão-São Lourenço do Sul atual); 11- Feliciano Rodrigues Xavier (1792, que faleceu solteiro tendo com Maria Filisbina Rosa 3 filhos entre eles Senhorinha Carlota Rodrigues Prates que recebeu em 1846, por partilha da herança de seu pai, uma fração da Estância Feitoria na Ilha de Canguçu. Senhorinha ainda se encontrava na ilha em 1880 segundo documento cartorial) (30)Em 1855, Senhorinha foi co-herdeira junto com seu primo Carlos Aurélio Souza Prates de uma fração na Ilha de Canguçu, da Estância Feitoria. Foi a filha do capitão Paulo, a D. Ana de Souza Prates e mãe de Carlos Aurélio de Souza Prates falecida em 1853 que vendeu dois quinhões da ilha aos tios bisavós do autor Joaquim Gomes de Araujo (originário do vale do Piratini) e sua prima Delfina Gomes de Borba (originária da Armada em Canguçu, no vale do rio Camaquã e filha de Malaquias Borba).
A presente demostração de que o Capitão mór Paulo foi proprietário além da Estância Feitoria (no antigo Rincão do Canguçu) e da sesmaria no Rincão do Tamanduá (cidade de Canguçu e imediações), da Ilha de Canguçu e atual da Feitoria, foi feita com apoio em interpretação anteriores do autor confirmadas pelo estudo, integração e interpretações em documentos de partilhas e vendas de terras ali ocorridas em 1846, 1852 e 1880 e que me foram cedidas pelo Major Ângelo Pires Moreira e que por sua vez lhe foram cedidas pelos atuais proprietários da Ilha de Canguçu e atual da Feitoria, cuja sede, que atualmente se chama Sotéia, já foi chamada em documentos, de Canguçu, São Francisco Xavier e Feitoria. Este, nome mais vinculado à Fazenda Feitoria existentena ilha do que à ilha tradicionalmente Canguçu, conforme demonstrado, mas que acabou se impondo.
A comprovação da propriedade da ilha pelo Capitão Paulo foi muito auxiliada por Carlos G. Rheigantz em POVOAMENTO DO RIO GRANDE.
(31)Angelo Pires Moreira e Carlos Rheigantz me ajudaram a provar que a Ilha de Canguçu e atual da Feitoria foi herdada pela 2ª e 3ª filhas Joaquina Prates e Ana de Souza Prates e 11º filho Feliciano Rodrigues Xavier Prates (o caçula) do Capitão mór Paulo.
Seguramente ao transferir-se por volta de 1795 da Aldeia dos Anjos para atual Ilha da Feitoria e primitiva de Canguçu, vinha morar mais próximo da imensa família de sua esposa, muito antiga e prestigiosa na Vila de Rio Grande e, imediações, cujas terras haviam iniciado a povoar antes da invasão espanhoila de 1763, como o seu cunhado Tenente Luiz Francisco Marques Fernandes que estabeleceu estância, cujas ruínas ainda existem, e que serviu de base de guerrilhas para Rafael Pinto Bandeira contra os espanhóis dominando a Vila do Rio Grande. Estas ruínas ficam em Canguçu. O Capitão Paulo era tio avô de D. Feliciano Rodrigues Prates e 1º bispo do Rio Grande do Sul. Ele foi visitado na Ilha da Feitoria em 1809 pelo comerciante inglês John Luccok, que sobre ele e sua propriedade deixou valiosas impressões tais como:
"Era uma major de Milícias, homem alto e bem apessoado. Trajava casaco e colete de algodão, calças de fustão, botas a moda de Hesse e um chapelão de palha manufatura caseira. Num boldrié de couro preto exibia a tiracolo uma faca de mato."
(32)O comerciante referiu que eram três ilhas. Que a mais do sul, por onde passava próximo o canal de navegação da Lagoa dos Patos, chama-se Ilha Cagazú o que a tornava um ponto obrigatório da navegação Porto Alegre-Rio Grande. Mencionou que o major Paulo possui sua casa na ilha maior o que corresponde a Fazenda Sotéia atual. Que na época, na Ilha Canguçu, ele estava explorando uma fábrica de sabão, aproveitando o sebo e cinzas que vinha obtendo de três tipos de madeira. Avaliou o patrimônio do proprietário em 8.000 cruzados ou cerca de 9000 libras esterlinas.
O então major Paulo morreu na estância em 13 de junho de 1813 de dor no peito (angina ou do coração), sendo transportado de barco até Rio Grande onde foi sepultado. A descrição do arquipélago da Feitoria por Luccock é a única que conhecemos até hoje. Ela nos dá a impressão que o capitão Paulo reduzira seu imenso latifúndio a ilha, ou arquipélago ou restinga da Feitoria, tarefa a ser definida pelos geógrafos. Os 11 filhos do major, agora entre 21 e 43 anos, estariam explorando o seu latifúndio no Continente. A mudança do posto de capitão mór de Ordenanças após para o de major de Milícias se explica em razão do Dec de 7 de agosto de 1796 passar a considerar Milícias toda de 2ª linha que até então eram organizadas em Ordenanças e Auxiliares. Em 1831 as Milícias foram substituídas pela Guarda Nacional
(33). Guilhermino Cézar não definiu o local da Real Feitoria em HISTÓRIA DO RIO GRANDE DO SUL. Talvez por sentir estar em solo movediço. (34)UM APOIO OPORTUNO E ELUCIDATIVO
Quando nossa pesquisa havia chegado a este ponto de convencimento recebemos valiosos subsídio solicitados à distinta e competente historiadora e genealogista professora Ilka Neves (35) sobre o Capitão mór Paulo, em complemento ao que já havia nos enviado sobre mesmo. Subsídios onde avulta o inventário do Capitão Paulo, aberto em 8 de outubro de 1813 e do qual foi inventariante sua esposa D. Joaquina Marques de Souza. Inventário que vem confirmar o que até agora havíamos afirmado de que o antigo Rincão do Canguçu, no Continente, e a primitiva Ilha de Canguçu e atual da Feitoria eram propriedade do falecido Capitão Paulo. Diz o inventário que pertenciam ao falecido capitão Paulo R. X. Prates:
"- A estância denominada Canguçu, com 3 léguas de comprimento por uma de largura a qual se divide a noroeste com a Serra dos Tapes, e pelo nordeste com Arroio Grande (ex-das Pedras) e pelo sudeste com o Arroio Correntes.
Portanto, é confirmado o que afirmei que o Capitão Paulo foi proprietário de três propriedades que iam da Lagoa dos Patos , incluindo a Ilha Canguçu, atual da Feitoria, até além da atual cidade de Canguçu no vale do Piratini e Camaquã.
Ainda em 1801, existia a denominação de Rincão do Canguçu onde havia funcionado da Real Feitoria de 1783-89, conforme esta concessão feita pelo Rei de Portugal a Antônio José Marques:
"Sobras do Rincão denominado Canguçu, no qual possui sesmaria Paulo Rodrigues Xavier Prates, com as seguintes confrontações: oeste Serra do Herval (Tapes); norte o Arroio Grande; sul o Arroio Correntes e leste a Lagoa (dos Patos)." (36)
Mais uma confirmação documental de que o Rincão do Canguçu ficava no Coninente.
Sobre a ilha denominada Canguçu e hoje Feitoria, consta a seguinte concessão a viúva D. Joaquina Marques de Souza, em 1814:
"Ilha na Fronteira do Rio Grande denominada Canguçu, comprada por seu falecido marido Paulo Rodrigues Xavier Prates de Manoel Marcelino que por sua vez a adquiriu de seu parente (capitão mór de Viamão) Manoel Bento Rocha. A ilha dividi-se ao norte por um arroio estreito, pelo sul om a Lagoa dos Patos, ou canal por onde navegam as embarcações para o Porto Alegre, a leste com a Lagoa dos Patos e a oeste com a Lagoa Pequena que existe entre a Fazenda Pelotas e a mesma ilha."
(37)Este documento revela mais uma propriedade que pertenceu ao rico e empreendedor Capitão mór de Viamão Bento Rocha, que estou recordando em próximo trabalho sobre A MEMÓRIA DO TEN. GEN. HENRIQUE BHON SOBRE A EXPEDIÇÃO MILITAR AO RIO GRANDE 1774-79.
(38)Os documentos mostrados e contribuição oportuna da historiadora Ilka Neves falam por si só que o primitivo Rincão do Canguçu, em 1813, era a sesmaria ou estância Canguçu do Capitão mór Paulo e que a ilha era ainda chamada Canguçu. Onde e estaria a origem da mudança do nome de Canguçu, do Rincão e da ilha, para Feitoria? Antônio Gonçalves Chaves rico e culto charqueador pelotense em suas MEMÓRIAS ECÔNOMO-POLÍTICAS (5ª memória) de 1822, escreveu a certa altura:
"Sob o Ministério do Marques de Pombal (sic) mandou-se criar uma feitoria de Cânhamo nesta Província, e veio encarregado deste negócio um tal de Fachina. Foi escolhido o lugar em que é situada a Fazenda de D. Joaquina Marques viúva do capitão mór Paulo Rodrigues Xavier Prates, do que esta fazenda tira o nome de Feitoria."
(39)A fazenda herdada chamada de Fazenda Canguçu no inventário, correspondia ao Rincão do Canguçu onde funcionara a Real Feitoria. Mudando-se o nome da fazenda para Feitoria, em alusão á antiga Real Feitoria que ali funcionara de 1783-89, entre 1814 e 1822 a ilha passou a ser chamada Ilha da Feitoria por ter sido integrada ‘a agora Fazenda da Feitoria, no Continente, o que tem lógica, mas não o confundir-se uma ilha, a ilha de Canguçu com Rincão do Canguçu, coisas distintas. Creio que o Rincão do Canguçu recebeu este nome por estar atrás da Ilha de Canguçu e esta, em compensação, receberia mais tarde o nome de Ilha da Feitoria, por estar defronte a integrada ‘a Fazenda feitoria no Continente que substitui no mesmo rincão a Real Feitoria.
Arno Welhing afirma que o vice rei apesar de o Rincão do Canguçu estar ocupado com o título ilegítimo endenizou o Capitão mór Bento Manoel da Rocha, talvez por julgar que adquirira de boa fé.
(40)Do inventário do Capitão Paulo registro entre outras coisas: uma ferraria, late LivreCanto, um escaler, uma canoa para pescar, quetro redes de pesca, 40 escravos, uma olaria de telhas e tijolos e moinho a água na fazenda, uma casa, 3.000reses, 990 bois mansos, 90 cavalos mansos, 150 éguas chucras, 130 mulas, 200 ovelhas, 200 alqueiras de cal e 90 de sal, duas fardas de pano fino, um chapéu com galão de prata, um aparelho da Índia para chá, um missal comestante, uma espada, um par de dragonas, um crucifico, uma tesoura, um sino, um tacho grande e duas caldeiras grandes ( fabrico de sabão ), etc...
Obs.: 1 – A presente demonstração responde à comunicação da Sra. Zênia Leon no 9º Encontro de Micro-História em Erechim, 1991, onde com recurso de um vídeo apresentou a Fazenda Sotéia como sendo a sede da Real Feitoria do Linhocânhamo e a ilha de Canguçu ou Feitoria com o Rincão do Canguçu 1783-89.
2 – Ao presente estudo foi anexado um dossiê de que foi destinado exemplares aos IHGB, IHGRGS, IHGPEL E Academia Canguçuense de História. Dossiê que documentará a história desta controvérsia.
RELAÇÃO DE TRABALHOS INCLUSIVE DE ÂMBITO NACIONAL,
ESTADUAL E REGIONAL PUBLICADOS PELO AUTOR SOBRE A REAL FEITORIA DO LINHOCÂNHAMO DO RINCÃO DO CANGUÇU
1 – História da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu. DIÁRIO POPULAR (Coluna Querência, órgão de divulgação da União Gaúcha J. Simões Lopes Netto), Pelotas, 30 agosto e 6 setembro 1970
2 – Canguçu Primeira Redução Jesuítica? DIÁRIO POPULAR (Coluna Querência), 22 novembro 1970.
3 – O Negro na Real Feitoria do Linhocânhamo em Canguçu. in: O NEGRO NA SOCIEDADE DO RGS. Porto Alegre: IEL, 1976, p. 96-107.
4 – Aspectos da época da criação da Escola Naval. DIÁRIO POPULAR, Pelotas, 25 dezembro 1982 e no LETRAS EM MARCHA, dezembro 1982, p. 19.
5 – Pelotas até a fundação do Diário Popular. DIÁRIO POPULAR. Pelotas, 1980. (Pesquisa comemorativa dos 90 anos do Diário Popular).
6 – Bicentenário da instalação da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu. REVISTA DO INST. HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, v. 340, julho/setembro 1983, p. 99-102.
7 – Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu in.: CANGUÇU REENCONTRO COM A HISTÓRIA. Porto Alegre: IEL, 1983, p. 25-29.
8 – Uma companhia de Ordenanças em Pelotas desde 1774? REVISTA DO INSTITUTO. HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO, v. 344, julho/setembro 1983, p. 155-156 e no DIÁRIO DE PELOTAS, Pelotas, 26 agosto 1984.
9 – A Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu 1783-1986. DIÁRIO POPULAR, Pelotas, 19 de julho 1987. (Analisa as revelações e confirmações do mapa de levantamento do Rincão do Canguçu em 1783, pelo Capitão de lnfantaria Alexandre Eloy Portelli. Mapa que exclui do levantamento a llha de Canguçu e hoje da Feitoria).
10 – MUNICÍPIO DE CANGUÇU – FORMAÇÃO HISTÓRICA. Canguçu: Prefeitura Municipal, 1991 (comunicação a reunião anual da Academia Canguçuense de História, ao 9º encontro do lnstituto de Tradições e História do RGS em São Gabriel e do de Micro- História em Erexim), p. 6-7.
Obs.: O artigo constante no nº 1 foi publicado em 1973 no ALMANAQUE DO CORREIO DO POVO depois de ser publicado em seu Caderno do Sábado.
NOTAS AO TEXTO
"Plano do terreno em que atualmente se fazem experiências da sementeira do Linhocânhamo por ordem do llmo. Exmo. Sr. Vice Rei do Estado (D. Luiz de Vasconcelos) por ordem do Brigadeiro Governador do Continente (Sebastião Veiga Cabral da Câmara) por Eloy Portelli, Capitão de lnfantaria com exercício de Engenheiro. Manuscrito colorido de 0,31 x 0,40m."
Segundo Abeilard Barreto "abrange desde a serra dos Tapes, ao norte da Lagoa dos Patos, entre os arroios Correntes e das Pedras". O plano não inclui a llha de Canguçu e hoje da Feitoria.
(10) – ldem documento citado na fonte da Nota 7, p. 486.
" E é conhecida por llha da Feitoria a llha de Canguçu, na Lagoa dos Patos, por ter sido nela, por ordem do governo português, estabelecida em 1785, uma feitoria para cultivo do linho que aí dá de qualidade superior".
Talvez daí, ou seja desde 1922, resida a confusão de considerar-se a ilha de Canguçu como tendo abrigado a Real Feitoria, o que é um equívoco como demonstramos no texto, com apoio em fontes primárias.
Para afirmar isto, creio que pela primeira vez pela 1ª vez ,Fernando Osório cita como apoio, em nota 20 de pé de página, o artigo Vocábulos Tupis na Geográfia Rio-Grandense na REVISTA DO INST. HIST. GEOGR. DO RGS de 1921, de Souza Docca. E este equívoco baseado em fontes de no mínimo 3ª mão, que vem desde então sendo repetido e incorporado, inclusive à cartografia terrestre e naval.
TRANSCRIÇÃO DE ARTIGO DO AUTOR INTITULADO "A REAL FEITORIA DO LINHOCÂNHAMO DO RINCÃO DO CANGUÇU" PUBLICADO NO DIÁRIO POPULAR, PELOTAS 19 JULHO 1987, CUJO MAPA QUE REFERE OMITIDO POR RAZÕES TÉCNICAS.
" DÚVIDAS SOBRE A LOCALIZAÇÃO DA REAL FEITORIA"
Há 200 anos funcionava na Zona Sul do Rio Grande do Sul a Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão Canguçu, destinada, então, a produzir linho, item essencial à navegação, antes do advento da máquina a vapor. O linho era obtido por Portugal, a altos preços, da Inglaterra. A tradição que chegou-nos dava a Feitoria Real como tendo funcionado na ilha hoje conhecida como Feitoria. llha chamada primitivamente Canguçu, mas que em realidade é uma restinga, conforme o demonstra Mário Rosa em sua exelente GEOGRAFIA DE PELOTAS.
Ecomo llha de Canguçu ela figura no exelente COMPÊNDIO DE GEOGRAFIA DO RGS editado em Porto Alegre, em 1863, e de autoria de Eudoro Berlink (p. 32). Obra adotada então para uso em aulas públicas da Província, sob parecer do Conselho Diretor da lnstrução Pública. E com este nome ela figura em 1887 em DICIONÁRIO GEOGRÁFICO DO IMPÉRIO. A denominação Feitoria é pois recente.
A fundação da cidade de Canguçu, em 1799, a existência de localidade chamada Canguçu Velho e mais, a denominação da região de Sesmaria Real, terminaram por me indicar a região de Canguçu Velho como tendo sido a Sede da Real Feitoria de Canguçu.. Pesquisas que procedi no local resultaram na descoberta, no meio do mato, de ruínas oitocentistas de um casarão e de um mangueirão quadrado de pedra.
Daí por diante, com mais outros elementos de convicção sedimentados em cerca de 30 anos de pesquisas e reflexão, passamos a considerar Canguçu-Velho, que antecedeu a atual cidade de Canguçu, sede da Real Feitoria do Linhocânhamo, de 1783-89.
Esta conclusão de nosso demorado estudo não era e não é aceita por algumas interessados no assunto em razão de existirem outros elementos de tradição oral que se contrapunham a ela .
Felizmente, com apoio em mapa que aqui publicamos(omitido) que encontramos na Biblioteca Nacional, por indicação de Abeillard Barreto e em sua Bibliografia Sul-Riograndense, mais os estudos que até então havíamos procedido e, finalmente, as conclusões de Mário Rosa em sua GEOGRAFIA DE PELOTAS, nos foi possível esclarecer a exata localização, há 200 anos passados, da Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu – a primeira iniciativa oficial governamental na Agricultura do Rio Grande do Sul. E este é o objetivo do presente esclarecimento aos estudiosos das entidades históricas de que sou membro e em especial aqueles que por força da tradição aceitam a llha da Feitoria como local da Real Feitoria do Linhocânhamo 1783-89.
A EXATA LOCALIZAÇÃO DA REAL FEITORIA
O documento que encontramos na Biblioteca é um esboço impresso levantado em cerca de 1783, no início das atividades da Real Feitoria, pelo Capitão de lnfantaria, com exercício de Engenheiro, Alexandre Eloy Portelli. Ele veio a fazer brilhante carreira no Brasil, onde atingiu o posto de tenente-general e o cargo de Conselheiro de Guerra quando da elevação do Brasil a Reino Unido do Brasil, Portugal e Algarve 1815.
Foi objeto de seu levantamento o Rincão do Canguçu, compreendido desde a Lagoa dos Patos até a região da cidade de Canguçu e entre os arroios então chamados Correntes e o das Pedras (atual Arroio Grande )que também se chamou Canguçu e Turuçu) e divisa dos municípios de Pelotas e São Lourenço do Sul, excluindo a hoje chamada Ilha da Feitoria.
Portanto, o Rincão do Canguçu que se transformou mais tarde na Estância da Feitoria, uma das formadoras do município de Pelotas, abranje hoje os distritos pelotenses de Vila Lange ( hoje município de Turuçu), Santa Silvana, Arroio do Padre e Quilombo. Este ao norte do divisor de águas dos Arroios Quilombo e Grande (ex-das Pedras) e de grande parte do 1º distrito de Canguçu, onde se localiza Canguçu Velho. Tanto o Arroio Quilombo, um dos formadores do Arroio Pelotas, quanto o Grande, nascem em Canguçu, próximo a Canguçu Velho, primitivo povoamento que deu origem a Canguçu e onde fica o ponto mais alto da Serra dos Tapes,o Cerro Canguçu.
O mapa traz o atual Arroio Grande com o nome de Arroio das Pedras. Isto responde ao seguinte trecho do requerimento dos 140 povoadores da cidade de Canguçu, em 1979, ao Governador do então Continente do Rio Grande de São Pedro e atual RGS e de 1780-1801, o Ten. Gen. Sebastião Xavier Veiga Cabral da Câmara e também demarcador do Tratado de São lldefonso.
‘Dizem os moradores do ARROIO DAS PEDRAS, denominado CANGUÇU, distrito dessa Freguesia de São Pedro do RIO GRANDE.’ E mais adiante. ‘NO DISTRITO DE CANGUÇU se acham 140 vizinhos com 1.000 pessoas de sua obrigação.’
O Arroio das Pedras é o atual Arroio Grande e nascia em Canguçu Velho em cujas imediações já existiam 140 vizinhos.
A ILHA CONSAGRADA COMO FEITORIA É UMA RESTINGA
A ilha hoje consagrada como Feitoria é em realidade uma restinga, segundo Mário Rosa. Ela não foi abrangida do levantamento do Rincão do Canguçu repetimos. Aliás, local que figura quando da doação do rincão, onde se ergue Pelotas em 1758, ao Coronel de Dragões Tomaz Luiz Osório, como sendo propriedade particular de Manoel José Vianna, conforme se conclui da 1ª edição de A CIDADE DE PELOTAS de Fernando Osório.
A região consagrada como Feitoria, segundo a GEOGRAFIA DE PELOTAS já citada, é considerada como tipo de solo – banhados marginais e no tocante ao seu uso a terras não agricultáveis. Como poderia alguém plantar Linhocânhamo nestas condições, uma cultura mais indicada para regiões altas. O mesmo se pode dizer em relação as terras do distrito de Vila Lange, a oeste da BR 116. Terras mais aptas para pastagens ou culturas irrigadas, segundo ainda se conclui de Mário Rosa (op. cit.).
A EXPLICAÇÃO DA DENOMINAÇÃO ARROIO DO PADRE
O nome do distrito Arroio do Padre, não confundir-se com o padre Doutor, tio de Hipolito da Costa, o fundador da Imprensa Brasileira, advém do nome do organizador e primeiro administrador de Feitoria – o padre Francisco Xavier Prates. Era professor do Mosteiro de São Bento e do Convento Santo Antônio no Rio, tendo falecido em 1784, e irmão de Paulo Xavier Rodrigues Prates, mais tarde proprietário da região da cidade de Canguçu e da ilha hoje da Feitoria e de todo o primitivo Rincão do Canguçu, a concluir-se de mapa elaborado por Alberto Coelho da Cunha, refletindo as sesmarias concedidas em Pelotas.
O padre Prates era cunhado do então Ten. Cel. Manoel Marques de Souza citado herói, como tenente da expulsão dos espanhóis da Vila de Rio Grande em 1º abril 1776. Ou,por outro lado, subcomandante da Legião de Cavalaria Ligeira da Fronteira do Rio Grande, com base na estância do Pavão e ao comando de seu proprietário, o então Coronel Rafael Pinto Bandeira e raiz histórica da 8ª Brigada de Infantaria Motorizada da qual hoje por nossa proposta tem como patrono o Marechal Manoel Marques de Souza 1º.
ONDE SE LOCALIZAVAM AS SEMENTEIRAS DE TRIGO
No mapa aparecem com a letra L ao lado de um pequeno quadrado três sementeiras de experiências de linho. A primeira próximo à foz do Correntes e com a inscrição POIZO DE FRANCISCO FERREIRA. Era ligada por um caminho até o PORTO DE FRANCISCO FERREIRA, próximo da barra do Correntes, pois o restante da margem era dominada por uma restinga. Portanto, sementeira e porto distantes da hoje impropriamente llha da Feitoria. Denominação que talvez fosse referência para dizer que além dela estendeu-se a Feitoria Real.
A segunda sementeira assinalada como L é um quadrado e POIZO DO PADRE PRATES, que situaria-se hoje entre os povoadores de Vila Lange e Santa Silvana e ao norte da BR 116 junto ao Arroio Grande, numa das duas áreas assinaladas por Mário Rosa como de culturas diversificadas.
A terceira sementeira assinalada com um L e um quadradro preto é RONDA DO CORONEL (Rafael Pinto Bandeira) penso ficasse no distrito de Santa Silvana ou mesmo na Vila de Santa Silvana.
A SEDE DA REAL FEITORIA EM CANGUÇU VELHO
Ao norte do mapa ele é cruzado por um caminho que coincede mais ou menos com antigo caminho da colônia Canguçu-Pelotas que entrava nesta por Três Vendas. Caminho hoje balizado por CANGUÇU – CANGUÇU VELHO – GRUPELLI – VILANOVA – CORDEIRO DE FARIA – MONTE BONITO – PELOTAS.
Ao norte desse caminho aparece a inscrição "SÍTIO O MAIS ALTO DA FAZENDA (do Rincão do Canguçu), AONDE SE PODE FAZER UM GRANDE POTREIRO".
Este pra mim é o Canguçu Velho sede, pelo menos da pecuária da Real Feitoria do Linhocânhamo e onde fica o cerro Canguçu, ponto culminante da Serra dos Tapes e o mais alto do Rincão do Canguçu.
As localizações feitas pelo Capitão Eloy Portelli foram imprecisas e assim, por ele justificadas em observações:
"O plano (mapa, esboço) foi feito por rumos de agulha (bússola) e distâncias arbitrárias, pois o tempo não permitiu maior exaltidão".
UM CANAL NAVEGÁVEL DA LAGOA DOS PATOS – ARROIO CORRENTES ADENTRO
Quando aos arroios limites da Real Feitoria observou: "Não houve tempo para sonhar o fundo dos arroios, mas os práticos informam que o Arroio Corrente é navegável até o passo da Cachoeira e o das Pedras é navegável até as suas vertentes. O primeiro, o Correntes, contudo, oferece mais comodidade para os transportes. Dizem existir um canal junto da costa do Canguçu (Ilha da Feitoria atual) na Lagoa dos Patos. Canal este que penetra num saco (LAGOA DE DENTRO) situado além da BARRA DA LAGOA (DOS PATOS) e no qual o ARROIO CORRENTES desemboca. O que permite navegarem no correntes grandes embarcações. O Arroio das Pedras possui coroas de areia em sua entrada que dificultam a navegação pelo seu interior de canoas miores".
Aqui está a prova que o porto da Feitoria ficava no Arroio Correntes e não na llha do Canguçu, propriedade particular não incluída no levantamento de Eloy Portelli.
POSSÍVEL ORIGEM DAS DENOMINAÇÕES CANGUÇU NA ZONA SUL
A Cangazu ou Cangoçu na restinga da Feitoria, creio hoje, tenha sido a responsável pela denominação de Canguçu a diversos acidentes geográficos no paralelo em que situava: Baixo Canguçu, Ponta do Canguçu, Ilha do Canguçu, Distrito de Canguçu, Canguçu Velho, Capela do Canguçu, Cerro Canguçu, etc...
O significado de Canguçu era mato grande. Porque designar uma ilha costeira de Canguçu.
Seria uma onça Canguçu que ali foi surpreendida?
O mistério permanece! Mas uma certeza existe depois de 200 anos.
A Real Feitoria do Linhocânhamo do Rincão do Canguçu funcionou de 1783-89, num amplo espaço entre os Arroios Correntes e Grande, que abranje hoje terras dos atuais municípios de Pelotas, Canguçu e Turuçu . E mais, confrontava com as estâncias de Contagem, ao sul e a de São Lourenço ao norte, ambas, na época, propriedade do riquíssimo Capitão-mór Manoel Bento Rocha. Este havia sido na Guerra de Restauração do Rio Grande 1774-77, fornecedor de carne do Exército do Sul que expulsou os espanhóis do Rio Grande do sul em 1774-77.
Não possuindo filhos, segundo a historiadora pelotense Heloisa Assunção do Nascimento, Manoel Bento Rocha, deixou sua fortuna, a sua afilhada Isabel Dorotéia da Fontoura que veio a casar com João Simões Lopes e foram pais de João Simões Lopes – Visconde da Graça.
Fica claro que era possível a partir da Lagoa dos Patos penetrar-se com embarcações grandes Arroio Correntes adentro, evitando-se assim transportar-se o linho da ilh chamada de Feitoria e desta para os Navios.
REAL FEITORIA UM EXEMPLO DE CONTRIBUIÇÃO DO EXÉRCITO AO
DESENVOLVIMENTOEntendido como Exército, todas as forças terrestres que o antecederam, a Real Feitoria é um exemplo clássico de contribuição pioneira do Exército ao desenvolvimento.
Começa com o levantamento topográfico do Rincão da Feitoria por um Capitão Eloy Portelli. A administração da Feitoria, será conduzida pelo Tenente José Machado de Morais Sarmento e pelos soldados irmãos João e Matias Martins do Regimento de Bragança. Unidade ESTA que teve papel destacado na reconquista da então Vila do Rio Grande, em 1º abril 1776, dia de São Francisco de Paula e razão do primitivo nome de Pelotas. Regimento então ao comando do Cel. Veiga Cabral da Câmara que mandou levantar, como Governador, 7 anos mais tarde, o Rincão do Canguçu.
Regimento que de retorno ao Rio, daria origem ao heróico 1º Regimento de Infantaria do Rio de Janeiro que, por evolução, fusões e denominações sucessivas se constitui hoje no Regimento Sampaio, homenagem ao Patrono da Infantaria, Brigadeiro Antônio de Sampaio, o qual, como capitão, de 1845-50, estacionou em Canguçu no comando de uma companhia de Infantaria para assegurar a paz de Ponche Verde, segundo P. J. de Mallet Joubim.
O autor reconhece que depois da extinção da Real Feitoria do Linhocânhamo, o Rincão do Canguçu, desde a foz dos Arroios Correntes e Grande (ex-Pedras) e até a cidade de Canguçu atual e um pouco mais além, passaram a ser propriedade do Capitão-mór Paulo Rodrigues Xavier Prates, o qual veio também a adquirir a Ilha da Feitoria (ex-Canguçu) onde teve a sede de sua estância vindo a falecer em 1813 como coronel de Milícias.
O Capitão Portelli era genro do então Ten. Cel. Manoel Marques de Souza, bem como o mais tarde General Oliveira Alvares que foi o Ministro da Guerra por ocasião do Dia do Fico. Portanto, Paulo Xavier Rodrigues Prates era tio político dos mais tarde marechais Portelli e Oliveira Alvares. O citado Manoel Marques de Souza era proprietário nos atuais municípios de Canguçu e Pedro Osório e Piratini no Vale do Piratini. Como marechal foi retirado do Rio Grande do Sul por suspeita de tramar em favor da Independência, tendo falecido antes desse evento, mas a tempo de viver para ouvir o seu genro Oliveira Alvares e seu amigo gen. Xavier Curado liderarem no Campo de Santana as tropas que forçaram o General Avilez a embarcar sem forçar o Príncipe D. Pedro a deixar o Brasil: o grande fronteiro morreu antes da Independência.
O pesquisador interessado poderá obter esclarecimento sobre os citados oficiais na obra GENERAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO, disponíveis na Academia de História Militar Terrestre do Brasil em Resende-RJ .O Cap. mór Paulo Xavier era chegado por laços de parentesco a Bento Gonsalves da Silva.
NOTAS FINAIS
Os confrades Luis Alberto Cibilis, então Presidente do IHGRGS, e Humberto Castro Fossa forneceram as seguintes achegadas: o primeiro que a Real Feitoria de Canguçu ao ser transferida para São Leopoldo teve suas terras devolvidas a Santos da Costa e, o segundo, que Dante de Laytano em sua HISTÓRIA DA REVOLUÇÃO FERROUPILHA localizou a Real Feitoria em Canguçu, por certo após consultar as fontes primárias publicadas pela REVISTA DO ARQUIVO PÚBLICO DO RGS.
Este trabalho responde também a artigo da microhistoriadora Zênia Leon sob o título – Real Feitoria do Linho Cânhamo do Rincão do Canguçu no DIÁRIO POPULAR, Pelotas, 11/1/92 (37º Congresso do MTG).
Conhecemos que pessoas contrarias a nossa tese encaminharam ao Conselho Estadual de Cultura tese de que a Real Feitoria do Linho Cânhamo funcioran na ilha e não no continente no que foram derrotados.
A nossa tese teve antes o apoio de Carlos Reverbel em carta que nos dirigiu, o qual na qualidade de maior biografo de João Simões Lopes Neto não reconheceu tese que ele defendera na Revista do Centenário de Pelotas nº 4 de 1912, de que Canguçu Velho sediara uma missão jesuítica.
Nesta época escrevemos a Presidência do Conselho de Cultura, carta que foi publicada pelo historiador Carlos de Souza Morais em sua obra Feitoria do Linhocânhamo- documentação inédita. Porto Alegre: Edt Parlenda,1994.p.58/59 e 109/112 sobre a Feitoria em Sâo Leopoldo.
Hoje resta ao defensores da tese da Real Feitoria demonstrarem cientificamente o que funcionou em Canguçu Velho.
" O PASSADO UMA PLANÍCIE ONDE CORREM DOIS RIOS"
Vale aqui lembrar para os opositores de nossa tese sem tradição historiografica o que lemos em parede do Museu da República no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro>
" Ser o passado é uma enorme planície onde correm dois rios .Um reto e de margens bem definidas que é o rio da História .Esta fruto da razão e da análise isenta da fontes históricas autênticas ,fidedignas e integras, à luz de fundamentos de crítica escolhidos.
O outro é um rio cheio de curvas e meandros e de margens indefinidas e por vezes com perigosos alagamentos. Este. é o rio do Mito. E este fruto das paixões humanas, das fantasias, vinganças, da ignorância, das manipulações, das deformações , dos preconceitos e da injustiça etc .E, infelizmente predominante entre nós, o que Rui Barbosa já assinalava em seu tempo. Esta é uma importante lição para os leitores interessados para que saibam exercer o seu espírito crítico, para sempre distinguir a História do Mito, como no caso em tela.